Manaus, 18 de abril de 2024
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Brasil

Menina que engravidou após ser estuprada passa bem depois de aborto legal

A menina de dez anos que engravidou após ter sido estuprada no Espírito Santo está fora de perigo após realizar legalmente um aborto

Menina que engravidou após ser estuprada passa bem depois de aborto legal

Foto: MARCELLO CASAL JR/ARQUIVO AGÊNCIA BRASIL

A menina capixaba de dez anos que engravidou após ter sido estuprada de forma recorrente no Espírito Santo está fora de perigo após realizar legalmente um aborto. O quadro de saúde dela é bom após o procedimento médico para interromper a gestação.

A lei brasileira prevê o direito ao aborto quando a gestação decorre de estupro e quando há risco de morte para a mãe -o episódio atual se insere em ambos os casos-, e nos casos de anencefalia do feto.

O procedimento de aborto foi iniciado no domingo (16) em uma maternidade pública do Recife sob protestos de grupos católicos e evangélicos, liderados por parlamentares conservadores. Nesta segunda (17), a menina apresentou contrações. Ainda é preciso fazer a curetagem na criança.

“Ela está bem. Pela manhã, começou a apresentar contrações uterinas e esperamos encerrar todo o processo hoje”, informou o médico Olímpio Moraes, diretor-médico da unidade de saúde onde a menina está internada.

Ainda não há informações precisas sobre quando a menina irá receber alta médica para retornar ao Espírito Santo. O procedimento ocorreu no Cisam (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), hospital referência no atendimento à saúde da mulher.

Ela precisou sair de seu estado porque o hospital procurado pela família em Vitória se negou a fazer o procedimento legal com urgência.

A violência contra a menina de São Mateus, cidade a 218 km de Vitória, ganhou repercussão nacional. Ela foi abusada sexualmente ao longo de quatro anos pelo marido de uma tia. O homem, de 33 anos, foi indiciado pelos crimes de ameaça e estupro de vulnerável e está foragido desde que o caso veio à tona.

A viagem, realizada em um avião comercial, deveria ter ocorrido de forma sigilosa, mas foi divulgada nas redes sociais de conservadores.

A ativista extremista Sara Giromini, conhecida nas redes como Sara Winter, chegou a publicar o nome da vítima, contrariando o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Justiça do Espírito Santo determinou o apagamento de posts que identifiquem a criança direta ou indiretamente, como mostrou a coluna o jornal Folha de S.Paulo.

Em Recife, grupos cristãos foram para a porta da maternidade na tarde de ontem para protestar contra a realização do aborto legal.

Liderados pelos parlamentares Joel da Harpa (PP), Clarisa Tércio (PSC) e Cleiton Collins (PP), os ativistas cristãos fizeram rodas de oração, e médicos do hospital foram chamados de “assassinos”. Feministas também estiveram no local para defender o direito à realização do procedimento legal. O tumulto só terminou por volta das 20h30 de domingo.

A reportagem apurou que a menina esteve no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo após o juiz Antonio Moreira Fernandes, da Vara da Infância e da Juventude de São Mateus, conceder o direito ao aborto na última sexta-feira (14).

No seu despacho, o magistrado reproduziu o desespero da criança quando era atendida por uma assistente social. Ao ser informada pela profissional que estava grávida, a menina “entra em profundo sofrimento, grita, chora e afirma não querer levar a gravidez adiante”, escreve o juiz.

Fernandes disse que respeitou a vontade da menina amparado também por manifestação em favor do direito ao aborto defendida pelo Ministério Público do Espírito Santo.

No hospital escolhido, a menina passou por exames. A equipe médica constatou que ela estava com 22 semanas e quatro dias de gestação -ou seja, uma gestação avançada dentro das 40 semanas de prazo total, mas sem impedimento clínico nem legal no caso de uma vítima de estupro com risco de morte.

O hospital não iniciou os procedimentos para a indução do aborto e pediu que a criança retornasse nesta semana para uma nova reavaliação, mas ela desenvolveu diabetes gestacional e corria risco de morrer. O atraso do procedimento, neste caso, agrava a situação. Se seguisse grávida, a criança poderia desenvolver outras complicações clínicas, como pressão alta e fissuras no útero, que reduziam suas chances de sobreviver.

O Hucam foi questionado pela reportagem sobre a postergação do atendimento dado à criança, mas o hospital não se manifestou. A unidade também deve ser questionada na Justiça, porque é suspeita de vazar informações do prontuário médico da criança.

A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu investigação para apurar se a Justiça do Espírito Santo resguardou os direitos da criança durante a condução do processo.

Especialistas em direito afirmam que não há um período limite para se fazer um aborto autorizado pela Justiça, sobretudo quando a gestante corre risco de morrer.

“O que vemos no caso dessa menina é que o hospital pode ter optado por uma prática comum de violência, que é a postergação da gravidez para conseguir salvar o feto. Não se pensou na menina”, disse a advogada Sandra Lia Bazzo Barwinski.

Barwinski coordena no Brasil o Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), entidade que vem denunciando em todo o mundo esse tipo de prática clínica. “Gravidez e maternidade forçadas se equivalem à tortura”, diz a especialista.

Quando procurou pela primeira vez um hospital ainda em São Mateus, no dia 7 deste mês, a menina estava com 21 semanas de gestação, diz Barwinski. “Esse caso começou errado desde o início. A menina deveria ter sido atendida lá mesmo em São Mateus. Qualquer ginecologista e obstetra estão preparados para fazer esse tipo de procedimento.”

Mas a menina, assim que foi liberada do hospital, seguiu para um abrigo de crianças vulneráveis em Vitória.

Segundo a ginecologista Helena Paro, professora da Faculdade de Medicina da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), a literatura médica já mostrou que a indução do aborto na idade gestacional em que a menina se encontra é quatro vezes mais segura do que o parto vaginal.

Antes da violência sexual à que foi submetida, a menina já tinha sofrido a morte precoce da mãe e ausência do pai, que está preso.

 

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(*) Com informações da Folhapress