Manaus, 5 de maio de 2024
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Manaus, 5 de maio de 2024

Cenário

Motoristas não querem ser babá de beberrões e criticam deputado Delegado Péricles

Pela lei (de autoria do deputado estadual) motoristas de app são responsáveis por passageiros alcoolizados e devem alterar o destino da corrida até delegacias ou hospitais em todo o Amazonas.

Motoristas não querem ser babá de beberrões e criticam deputado Delegado Péricles

(Foto: Divulgação/Lucas Benevides)

Manaus (AM) – A Lei nº 6.746/2024, de autoria do deputado estadual Delegado Péricles (PL), que obriga o motorista de transporte por aplicativos a encaminhar passageiros que estejam sob sua responsabilidade e que se encontrem em situação de vulnerabilidade e incapacidade à autoridade policial ou a uma unidade de saúde mais próxima, abriu um leque de discussões nas redes sociais.

O caso que justifica a lei aconteceu em julho de 2023, quando uma jovem foi estuprada, em Belo Horizonte (MG), após ser deixada pelo motorista de app na calçada de casa. Com o objetivo de evitar outros casos desta natureza, Péricles embasou-se no Artigo 3º da Constituição Federal, que diz que é dever de toda a sociedade prestar auxílio aos fracos e desamparados ainda que esse desejo possa inexistir no íntimo de alguns ou muitos cidadãos.

“A nova legislação estadual visa impedir fatos lamentáveis como o que ocorreu com uma jovem em Belo Horizonte, trazendo mais segurança a pessoas em estado de vulnerabilidade, uma vez que a própria Constituição Federal estabelece o dever de amparo a qualquer cidadão nessas circunstâncias. É uma grande vitória essa Lei em nosso Estado”, comemorou o deputado.

Discussões acaloradas

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(Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Mas nas redes sociais, os motoristas de aplicativos questionaram o deputado sobre a autenticidade da nova lei, uma vez que alguns interpretaram o comportamento como “virar babá” do cliente que pediu a corrida.

“Você é muito desconectado da realidade. Primeiro que o motorista não pode alterar a rota da corrida ao seu bel prazer. Essa função fica a cargo do passageiro. Se o motorista resolver ir para outro lugar, que sejam 10km mais longe, o valor não vai ser reajustado. Caso a corrida deva ser paga em dinheiro e o motorista informar que não recebeu o pagamento (a pessoa está desacordada), a plataforma pode negar o repasse da corrida, ou seja, prejuízo também. Me diga uma coisa, hospitais e delegacias aceitam alguém apenas largar uma pessoa que transportou o debilitado (a) tem que ficar de acompanhante? Até onde eu sei, precisa acompanhar. E quem vai pagar o trabalhador pelo tempo sem trabalhar? O senhor que fez essa lei? O passageiro? E como vai ser feito o cálculo da cobrança? Tudo isso para repassar a responsabilidade de um adulto irresponsável para um trabalhador. Ridículo”, disse um cidadão ao deputado nas redes sociais.

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(Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Outro internauta concordou com o posicionamento acima e pediu que o deputado transferisse a responsabilidade para a Polícia Civil, responsável pela segurança da população amazonense.

“Caro deputado, você não pode responsabilizar os motoristas de aplicativo pela irresponsabilidade de alcoolismo de outra pessoa, pois cada pessoa é responsável pelos seus atos. Ninguém é babá de ninguém, cada um cuida da sua vida. Já que você é delegado, porque você não retribuiu essa responsabilidade à própria Polícia Civil. Já que o papel é servir e proteger”, afirmou.

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(Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Por outro lado, alguns seguidores comemoraram a aprovação da lei, que reforçará a segurança dos passageiros e do próprio motorista.

“Não se trata somente de alcoolismo, hoje no Brasil existe o ‘boa noite Cinderela’, onde se coloca drogas na bebida, principalmente de mulheres, a questão aqui colocada pelo deputado é pontual, cuidar da integridade física das pessoas em vulnerabilidades, na questão do pagamento pelo o que eu entendi não seria prejudicado pelo profissional, pois a corrida já foi paga ou será na modalidade ‘próxima corrida’, as pessoas que estão contra não levam em consideração o que poderá acontecer consigo ou com amigos ou parentes próximos, e quando acontecer não adianta chorar, leis como essa vem para beneficiar a população, casos no Brasil estão acontecendo cada dia mais”, opinou um internauta.

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Gabriel Costa, motorista de app (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)

Trabalhando há três anos na plataforma Uber, o motorista Gabriel Costa pontua que, até ó momento, o aplicativo não alertou para a responsabilidade sobre os passageiros, uma vez que o aviso é direcionado apenas sobre ferir a integridade do outro.

“Na maioria dos casos, evitamos levar [passageiros em vulnerabilidade], por conta de transtornos causados pelo próprio passageiro, como perda de objetos ou acusação de assédio, etc. As plataformas não nos dão responsabilidade sobre os passageiros, apenas não podemos ferir sua integridade física, como obviamente manda a legislação em geral”, ressaltou Costa.

Ainda de acordo com o motorista, a situação é ainda mais complicada quando o passageiro está sozinho, sem ter um responsável por perto que ajude a resguardar a sua vida, sobrando, assim, para a classe que trabalha com o transporte por aplicativo.

“A melhor maneira para evitar qualquer transtorno e problemas, o que geralmente ocorre, seria que, em caso de embriaguez ou incapacidade, o passageiro fosse assistido por algum responsável próximo a ele e de confiança, o deixando em seu destino e voltando, assim, garantindo seu direitos individuais”.

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Rogério Barros, motorista de app (Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)

Assim como Gabriel, o motorista de aplicativo Rogério Barros, também evita fazer corridas nesse contexto por conta dos problemas atrelados à situação. Quando soube da decisão, o profissional não aprovou a lei, pois acredita que ela irá prejudicar a categoria.

“Acredito que essa lei está sendo pensada apenas no passageiro e em nenhum momento no trabalhador, que sai de sua casa para levar o sustento para a sua família. Já trabalho nessa área há seis anos e nunca vi um absurdo tão grande com a categoria; por que eu, motorista de aplicativo, sou obrigado a transportar uma pessoa que coloca a sua própria segurança em risco se colocando em condições de incapacidade? Acho que essa lei, sendo aprovada, terá um atrito muito grande com a categoria, que evita certos tipos de viagens”, salientou.

De acordo com a lei, caso o motorista não atenda ao passageiro, o aplicativo será multado em valor não inferior a R$ 1 mil e não superior a R$ 10 mil; em caso de reincidência, o aplicativo sofrerá penalidade em dobro.

Motoristas de aplicativos x Taxistas

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(Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Em meio às discussões, a situação de motoristas de aplicativos e taxistas ganharam força devido à nova obrigatoriedade. Se ambos fazem o transporte de passageiros, qual a justificativa do deputado para destacar apenas a atuação dos trabalhadores autônomos?

Nas redes sociais, um internauta fez o seguinte comentário: “E para os taxistas? Não vai ter lei, eles também podem fazer o mesmo do vídeo”. Na sequência, outro seguidor afirma: “Os errados só são os motoristas de aplicativo”.

O Portal AM1 entrou em contato com o deputado Delegado Péricles para questionar o direcionamento da lei, mas o parlamentar não se pronunciou.

Vale lembrar que o embate entre taxistas e motoristas de app na capital amazonense é antigo, pois em 2017, um grupo de taxistas protestou em frente à sede da Superintendência Municipal de Transportes Urbanos (SMTU) contra a atuação do serviço de aplicativo UBER. Dois anos após o episódio, em 2019, os taxistas realizaram outro protesto, desta vez, para reivindicar a limitação para motoristas de aplicativo circularem na cidade.

O que diz a categoria

Em entrevista ao Portal AM1, o presidente da Associação de Motoristas por Aplicativo de Manaus (Ameap), Alexandre Matias, repudiou a lei e afirmou que a medida foi criada para gerar mídia no meio legislativo.

“A AMEAP -AM repudia toda e qualquer falta de desqualificação a nossa categoria de condutores do transporte por aplicativos, pois a vigente lei, foi apenas um meio de legisladores aparecerem perante a mídia, pois a mesma já existia. Art. 133 – Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a três anos”.

Ainda segundo o representante, a lei coloca em risco a categoria, uma vez que os motoristas também ficam expostos às situações perigosas, que colocam em risco a vida dos envolvidos.

“Já ele, no seu íntimo, não abrange drogados entorpecidos por conta própria e meliantes, apenas menores de idade, pessoas com dificuldades motoras, mentais e intelectuais, ou seja, foi uma ideia de discriminação aos profissionais por aplicativos, que muitas vezes são assaltados e agredidos por drogados ou pessoas entorpecidas, acreditamos que com essa irresponsabilidade de lei os profissionais iram cancelar e não transportar passageiros em áreas de festas ou bares, antes de ter certeza que não estejam brigados ou entorpecidos”, finalizou Matias.

Outra liderança dos motoristas por aplicativos da capital amazonense, Gleyde Lima, adverte que a classe já corre muitos riscos diariamente, e a lei coloca todos os elementos em uma situação difícil, já que a integridade dos motoristas também fica em segundo plano.

“O fato de colocar sob a nossa responsabilidade a vida de uma pessoa embriagada faz com que não me deixe alternativa a não ser ficar cancelando as solicitações, porque você imagina se eu estou na pista trabalhando, me chama uma corrida, ao chegar no local vejo que a pessoa está visivelmente embriagada; amiga eu nem paro, passo direto e cancelo, porque eu não vou estar pondo minha vida em risco, podendo ser violentada verbalmente e fisicamente no meu veículo. Eu saio de casa para trabalhar e não para estar passando por constrangimento e por abusos”, finalizou Lima.

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