Manaus, 9 de maio de 2024
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Cidades

MPF investiga uso de CNPJ de ONGs estrangeiras para compra de terras em Coari

Inquérito apura possíveis interesses estrangeiros, violando a soberania nacional

MPF investiga uso de CNPJ de ONGs estrangeiras para compra de terras em Coari

(Foto: Prefeitura de Coari/ Reprodução)

Coari (AM) – O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um Inquérito Civil para apurar suposto uso da personalidade jurídica das Organizações Não Governamentais (ONGs) ‘Fundação Opção Verde’ e ‘Associação Amazonas Verde’ para aquisição de imóveis localizados na zona rural do município de Coari (a 363 quilômetros de Manaus). A informação foi publicada no Diário Eletrônico do órgão no último dia 11.

De acordo com o documento, o inquérito irá apurar a prática, uma vez que ela teria o objetivo de alcançar interesses estrangeiros, violando a soberania nacional e às disposições contidas na Lei nº 5.709/71, que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil.

O texto afirma que o “suposto uso simulado da personalidade jurídica” é o alvo da investigação, ou seja, a utilização do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) para a compra dessas terras ou imóveis localizados especificamente na zona rural da cidade do interior, conhecida, principalmente, por sua rica bacia petrolífera.

A reportagem do Portal AM1 realizou pesquisas para obter detalhes sobre as organizações e descobriu que a “Associação Amazonas Verde’ – inscrita sob o CNPJ nº 07.142.416/0001-93 – está com situação cadastral “baixada”, ou seja, cancelada e não existe mais.

Já a ‘Opção Verde’, de CNPJ nº 11.957.879/0001-80, está ativa desde o dia 19 de abril de 2010 e se descreve economicamente como uma empresa que exerce “atividades de associações de defesa de direitos sociais”.

A ONG tem sede na capital amazonense, na Rua Salvador, nº 120, bairro Adrianópolis, segundo dados contidos na consulta cadastral da Receita Federal. Um detalhe que chama atenção é que o endereço de e-mail das duas entidades é o mesmo, e um dos telefones para contato também.

Histórico

O processo contra as organizações iniciou em 2020, por meio do promotor Weslei Machado, que comanda a promotoria do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), em Coari. Ele tramitava sob o nº 243.2020.000023.

A investigação foi aberta oficialmente no dia 3 de abril daquele ano e determinava que os cartórios da comarca de Coari fornecessem cópias de todas as matrículas de imóveis rurais titularizados pelas duas instituições e cópia das prestações de contas dos anos de 2010 a 2015, apresentadas pelas organizações à Promotoria de Justiça das Fundações em Manaus.

Além disso, no documento, o promotor responsável solicitou do senador Plínio Valério (PSDB), cópia de documentos mencionados em discurso feito por ele no Senado Federal, no dia 18 de setembro de 2019, no qual ele falou pela primeira vez sobre a necessidade de ser criada no Congresso uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a atuação de ONGs na Amazônia.

Um dos trechos da portaria cita uma fala de Plínio. “Apenas nos anos de 2010 a 2011 as ONGs adquiriram 105 ml hectares no município de Coari, apesar de afirmarem que as operações eram realizadas para preservar a floresta em pé”. Na mesma fala, o parlamentar afirma que questionou o interesse das ONGs apenas por áreas onde estão concentradas as maiores riquezas naturais, minerais e estratégicas da região.

O processo tramitou até o dia 13 de outubro do ano passado, quando foi arquivado definitivamente no MP-AM.

Segundo um documento, assinado pelo promotor substituto de Coari, Rafael Augusto Del Castilo da Fonseca, foi verificado, durante as investigações, que a competência para processar e julgar o caso era da Justiça Federal, com base no artigo 109 da Constituição Federal. Por esse motivo, o promotor decidiu pelo “declínio de atribuição” e encaminhou os autos ao MPF, que instaurou a nova apuração.

No entanto, segundo Rafael durante a apuração, foi detectado que uma das instituições – mesmo sendo proprietária de uma “enorme quantidade de imóveis’ no município – “não possuía sede própria, e tampouco, desenvolvia suas atividades na cidade”.

‘Ongs de fachada’

Ainda no decorrer da investigação, foi verificado, segundo o responsável pelo processo que a sede de uma das ONGs estava fechada, o que significava para o órgão, que a sede da associação era de “fachada”, fato que levantava maiores suspeitas em relação ao objetivo/atividades da pessoa jurídica.

Para o promotor, também era no “mínimo curioso” a constatação de que uma associação estrangeira adquiriu tantos imóveis em curto espaço de tempo e sem se ter notícias de suas atividades em Coari.

“De certo, a aquisição de uma grande área de terras em município conhecido nacionalmente por possuir uma enorme quantidade de riquezas naturais, como por exemplo: petróleo e gás natural, por pessoa jurídica estrangeira, ainda que, por meio de interposta pessoa física ou jurídica brasileira, sem a observância de critérios objetivos, naturalmente atenta contra a soberania nacional e a segurança nacional, de modo a compor o rol de interesse da União Federal, ao mesmo para averiguar a legalidade de tais aquisições/atividade”, diz trecho do texto.

A portaria do MPF, do dia 29 de março, publicada em Diário Eletrônico no dia 11 de abril, frisa que “no transcorrer das investigações preliminares, foi reunido lastro probatório mínimo para a instauração de procedimento investigatório civil”. O caso segue, agora, sendo apurado em âmbito federal sob o comando do Procurador da República, Alexandre Jabur.

O Portal AM1 conversou com o Weslei Machado, o promotor responsável pela abertura do processo investigatório, ainda em 2020.

Weslei afirmou que na época chegou, à comarca do município, a notícia de que as organizações estariam sendo usadas para a aquisição de milhares de hectares de área compreendida na Amazônia Legal e, com isso, estariam violando a soberania nacional.

A prática, segundo Machado, estaria atendendo interesses de outros países ou interesses estrangeiros. O promotor disse que a atuação do MPF poderá cessar as aquisições de imóveis no município do interior.

“É importante essa atuação do Ministério Público Federal para o restabelecimento do respeito à soberania nacional, para que se evite que a Amazônia seja usada para interesses diversos do que o nacional”, destacou.

CPI das ONGs

Há uma tentativa de instalar uma CPI para investigar as Organizações Não Governamentais que atuam na Amazônia, principalmente, as que atuam na área do meio ambiente, pelo senador Plínio Valério desde 2019, sem sucesso, após quase quatro anos.

No último dia 4, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leu, em plenário, o requerimento de autoria do parlamentar amazonense para a criação da comissão, que conta com 37 assinaturas.

Plínio soube, por meio da reportagem, que uma nova investigação foi iniciada, agora na MPF. “Queremos chamar na CPI justamente essas ONGs para ouvir a cada uma. O TCU (Tribunal de Contas da União) detectou muitas falhas em convênios, existem esses relatórios que apontam isso, e a mais comum é em relação ao dinheiro financiando pelo BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)”, explicou o senador.

O parlamentar disse ainda, que 85% do Fundo Amazônia chega a ser distribuído entre a diretoria de algumas dessas organizações e que é preciso auditar convênios, verificar a prestação de contas, dentre outras ações.

“A maioria delas não presta conta. A CPI quer saber quem são elas, o que realmente fazem, com quem fazem, com que dinheiro e onde chega esse dinheiro. Nosso objetivo não é ‘demonizar’ as ONGs, sinto senadores preocupados com as que ajudam no tratamento de câncer, ajudam crianças e não tem nada disso. Estamos atrás de ONGs ambientais que foram denunciadas oficialmente e as que não foram também. Queremos saber o motivo delas terem tanto interesse na Amazônia, principalmente na região do Alto Rio Negro que é a região mais rica do planeta”, pontuou Plínio.

Rito

Na legislatura passada, o requerimento da CPI, de autoria do senador, chegou a ser lido, mas o presidente do Senado (Pacheco) não oficializou aos líderes dos blocos para que estes indicassem seus membros. Agora, na nova legislatura, o senador precisou reiniciar o processo, colhendo as assinaturas novamente.

Pacheco leu o pedido de instalação no plenário da Casa Legislativa, no início de abril, o que significa um primeiro passo para a criação, mas é preciso oficializar aos líderes do bloco e cumprir os demais ritos para que a Comissão realmente seja instalada e inicie os trabalhos. Valério disse estar confiante que agora a CPI saia do papel. “Como a cobrança está grande, acredito que logo isso (indicação dos líderes) será feito”, contou.

Outro lado

A reportagem verificou que as duas organizações se tratam de uma mesma empresa, por isso, o CNPJ da ‘Associação Amazonas Verde’ está inativo.

O Portal AM1, por meio dos contatos disponibilizados no cadastro junto à Receita Federal, conseguiu falar com uma pessoa que trabalha na ‘Opção Verde’, na área de projeto e execução de atividades sociais. Perguntamos se eles já sabiam da abertura do novo inquérito e fizemos outros questionamentos.

Nossa equipe recebeu a resposta de que as perguntas sobre aquisições de terras e outras pertinentes à investigação não poderiam ser respondidas, uma vez que não faziam parte do trabalho da pessoa contatada. Por sua vez, ela nos elencou “diversas atividades sociais realizadas pela ‘fundação’ desde 2019”, relacionadas à preservação do meio ambiente e melhoria da qualidade de vida da população da cidade de Coari.

A empresa nos apresentou, ainda, outros projetos que envolvem crianças, adolescentes, cursos profissionalizante, dentre outras ações.

Confira aqui os questionamentos feitos à empresa:

  • Vocês já sabiam da abertura desse novo inquérito agora no âmbito federal?
  • Qual o posicionamento de vocês em relação ao objeto do inquérito?
  • A Fundação é dona de diversas terras, como afirma o texto da portaria?
  • A Fundação faz parte dessa aquisição de imóveis com interesses estrangeiros?
  • Qual a relação de vocês com o município de Coari?
  • Por que escolheram Coari para atuar?
  • Vocês estão violando a lei da soberania nacional do Brasil?
  • Podem elencar aqui, de forma concreta, o quê e quantas pessoas vocês beneficiaram nesse tempo de atuação no AM, num lugar que é rico em petróleo e outras riquezas naturais?
  • O que a presença de vocês, de fato, trouxe de benefício aos nossos ribeirinhos e indígenas?
  • O que vocês fazem pela proteção das terras do estado do Amazonas?
  • É de conhecimento de vocês que o nome da Fundação é citado no âmbito da CPI das ONGS, que tramita no Congresso?

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