Manaus, 5 de maio de 2024
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Cenário

Prefeituras do AM não cumprem Lei de Acesso à Informação

Alguns prefeitos, realmente, por encontrarem problemas técnicos, de internet ou de falta de pessoal, mas infelizmente, outros, por não priorizar a transparência aos dados públicos.

Prefeituras do AM não cumprem Lei de Acesso à Informação

(Foto: Agência Brasil/Arquivo)

Manaus (AM) – Em novembro deste ano, a Lei nº 12.527, conhecida como a Lei de Acesso à Informação (LAI) completa doze anos no Brasil, uma norma que marcou um importante passo para o processo democrático e prometeu servir, principalmente, como um antídoto contra ações de corrupção no país.

A realidade, porém, na maioria dos municípios do Amazonas é um pouco diferente, devido às dificuldades que os gestores encontram para cumprir em sua totalidade o que manda a lei.

São diversos obstáculos que fazem com que muitos dos prefeitos do interior do estado não consigam, por meio dos Portais da Transparência, dar a devida publicidade aos atos da administração pública. Alguns realmente por encontrarem problemas técnicos, de internet ou de falta de pessoal, mas infelizmente, outros, por falta de priorizar a transparência aos dados públicos em suas gestões.

O Portal AM1 fez um levantamento no Portal da Transparência de todas as 61 prefeituras do interior para verificar a divulgação de dados importantes como despesas, contratos e licitações. Ouviu ainda, o presidente da Associação Amazonense dos Municípios (AAM) e prefeito de Rio Preto da Eva, Anderson Sousa (União Brasil) e um especialista para fazer um panorama e entender as reais dificuldades e/ou omissões dos prefeitos do Amazonas.

O que é a Lei?

A LAI foi criada com a finalidade de regulamentar o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas e seus dispositivos, se aplicando aos três Poderes da União: Estados, Distrito Federal e Municípios. Através dela é possível uma maior participação popular e o controle social das ações governamentais, uma vez que o acesso da sociedade às informações públicas permite melhorias na gestão pública.

No Brasil, esse direito de acessar informações públicas foi previsto na Constituição Federal, no capítulo “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, que diz: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

De acordo com o levantamento feito pela reportagem do AM1, apenas três prefeituras do interior (4,92%) estão com os dados atualizados nos seus portais. As cidades são: Apuí, Envira e Parintins, que compõem esse percentual porque possuem informações disponíveis de contratos e licitações atuais, referentes ao mês de agosto.

Em seguida, 27,87% dos municípios estão com os dados de junho ou julho deste ano, atualizados. São eles: Amaturá; Anori; Atalaia do Norte; Autazes; Barreirinha; Eirunepé; Manaquiri; Maraã; Nhamundá; Presidente Figueiredo; Rio Preto da Eva; Santo Antônio do Içá; Tabatinga; Uarini; Urucará; Urucurituba e Silves.

Os municípios de Anamã; Barcelos; Beruri; Boa Vista do Ramos; Caapiranga; Coari; Fonte Boa; Juruá; Jutaí; Novo Aripuanã e Pauiní só possuem informações sobre despesas até o ano de 2022. Outros têm dados atualizados de contratos, mas não de licitações, por exemplos, ou seja, dados incompletos e outros só atualizaram até meados de março e abril de 2023.

A cidade de Borba só possui atualização das informações sobre despesas até abril deste ano. Já os contratos e licitações da prefeitura são possíveis acessar somente até o ano de 2021.

Em Boca do Acre, no site da transparência só contém dados de contratos de 2019, assim como em Iranduba e São Paulo de Olivença que as despesas só foram atualizadas até 2019.

No Careiro da Várzea, as despesas disponíveis são somente as de 2021. Assim acontece com a cidade de Coari, que as despesas e licitações estão registradas somente até outubro do ano passado.

Em Guajará as despesas, os contratos e processos licitatórios da prefeitura também foram registrados há dois anos. Na cidade de Tefé, as despesas foram registradas somente até 2021.

Os piores

Na lista dos piores portais da transparência estão: Benjamim Constant que não possui nenhum dado de contratos e despesas; Carauari, em que o cidadão precisa preencher um formulário para poder solicitar informações públicas e Itacoatiara, Lábrea e Manicoré que estão com os portais desatualizados

Itapiranga também é um dos piores, já que o acesso é somente pelo sistema do Governo Federal e, por isso, as informações não são provenientes do Executivo da cidade, mas sim, de tudo o que a União repassou de recursos para o município. Além de Tonantins, que possui um portal de difícil acesso, uma vez que solicita do cidadão comum, dados que ele não terá para poder ter acesso às informações, que deveriam ser públicas.

Falta de capacitação e ausência de cobrança

Na opinião de Inácio Guedes, advogado, membro do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção e membro da Diretoria do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a falta de cumprimento da LAI, em muitos casos, é pela falta de capacitação técnica do servidor público, o que segundo ele, pode ser resolvido a partir do esforço do gestor em oferecer a devida capacitação a esse servidor. Outro fator para que a regra não seja cumprida em sua totalidade na visão de Inácio é a ausência de cobrança do cidadão.

O advogado frisou que os gestores devem entregar as informações, por meio de demonstrações contábeis, financeiras, os seus balancetes ao Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), sob pena de sofrerem sanções que a própria lei define, mas lembrou que existem os portais da transparência, que de acordo com a lei precisam estar disponíveis e atualizados.

“A lei de acesso à informação garante ao cidadão informações corretas sobre a gestão pública, o uso do recurso público, só que às vezes o cidadão não sabe onde procurar essas informações. Os portais, em sua maioria, não possuem dados fidedignos, atualizados, embora a lei diga que as informações devem estar disponíveis em dados abertos, de modo que qualquer um possa copiar ou baixar em até quarenta e oito horas e isso raramente acontece”, explicou.

Proposital

Para Guedes existe ainda aquele gestor que omite as informações propositalmente, por diversos motivos, desde a má gestão até motivos não republicanos, que são ações que não condizem com a gestão pública, com a Constituição e  que afrontam os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade.

“Também tem aquela questão de prevaricar e o que é prevaricar no sentido da gestão pública, do gestor público? Ele comete esse delito quando ele retarda, ou deixa de praticar um ato de ofício, que ele é obrigado a fazer. Esse gestor prevarica quando faz ao contrário do que diz a lei para satisfazer interesses próprios ou interesses de terceiros, por exemplo, que afrontam a gestão pública. Então, nesse caso ele prevarica e esse crime é um crime de ação penal pública incondicionada, prevista no artigo 319, que dá até detenção de um a três anos e multa”, enfatizou Inácio.

O advogado disse ainda, que muitos gestores não atualizam os portais e cometem a prevaricação e a sociedade por sua vez, de modo geral, não sabe que se trata de um crime e acaba achando que é apenas uma má vontade ou que o servidor não sabe fazer a inserção dos dados.

“Isso realmente acontece e é crime. Nada se pode fazer acima da lei. A gestão pública deve fazer aquilo que está na lei, porque o que está fora da lei é crime. A lei de acesso à informação vem se arrastando ao longo dos anos e ainda não foi devidamente implementada, porque o controle social exercido pelo cidadão é fundamental para que essa lei ‘pegue’, como se costuma dizer popularmente. Ela precisa ser mais divulgada, conhecida e exercida plenamente pelo cidadão. Se o cidadão não sabe se é crime o que ele está presenciando, ele denuncia mesmo assim e o promotor ou conselheiro terá a competência e a capacidade de dizer se realmente é um crime ou um desvio de conduta, o que será apurado do mesmo jeito. Eu acredito que essa lei ainda está em fase de conhecimento da sociedade e quanto mais nós falarmos sobre isso mais ela se tornará conhecida e mais poderá ser exercida integralmente”, pontuou o advogado.

Internet precária

A nossa equipe conversou também com Anderson Sousa, presidente da AAM, entidade que representa todas as prefeituras do estado para saber o posicionamento dele em relação ao assunto.

Sousa afirmou que a qualidade da internet no interior é a grande dificuldade para o cumprimento da lei e que a Associação já levou essa preocupação ao ministro das Relações Institucionais do Governo Federal, Alexandre Padilha para que sejam tomadas providências.

“Nós não temos como fazer um pregão eletrônico com qualidade no interior, por exemplo, em função das quedas da internet. Não se consegue concluir uma licitação porque a todo o momento o sinal cai e é preciso recomeçar, por isso, muitas vezes, as datas dos pregões são adiadas, esse problema é crucial”, desabafou.

Anderson disse que até mesmo em Manaus existem problemas com internet e, por isso, não tem como um município conseguir fazer com que 100% das informações estejam nos sistemas das prefeituras.

O presidente da instituição falou que a AAM tem procurado orientar os prefeitos a alimentarem os seus sistemas, se possível em Manaus e as cidades que possuem uma internet de melhor qualidade que façam as atualizações e assim saiam do zero.

“Temos feito orientações através da nossa equipe técnica, dado todo o suporte, mas o maior gargalo hoje para que consigamos informar em tempo imediato é a internet. Porém, estamos buscando soluções, por meio da Presidência da República e do Governo do Estado, para estabilizarmos a internet em todos os municípios”, finalizou Sousa.

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