Manaus, 5 de dezembro de 2024
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Manaus, 5 de dezembro de 2024

Opinião

Giovanni Cesar

Quando o consignado vira armadilha para aposentados

Em 2023, foram registrados mais de 28 mil reclamações sobre crédito consignado, sendo que aposentados e funcionários públicos são os principais alvos do assédio comercial.

Quando o consignado vira armadilha para aposentados

(Foto: VitalikRadko/DepositPhotos)

Giovanni Cesar*

Para muitos aposentados brasileiros, atender uma ligação se tornou um exercício de paciência. Do outro lado da linha, sempre uma nova tentativa de vender crédito consignado — uma oferta que, muitas vezes, chega sem pedir permissão e se transforma em problema. Sem parar para ouvir um “não”, bancos e financeiras agem como se eles fossem uma fonte de lucro garantida. Esse assédio constante, no entanto, é apenas o começo de um problema mais sério, que envolve desde o uso inadequado dos dados até a concessão automática de empréstimos.

O crédito consignado, introduzido no Brasil como uma forma de facilitar o acesso ao crédito para aposentados e pensionistas, deveria oferecer segurança ao consumidor. No entanto, em 2023, a Secretaria Nacional do Consumidor registrou mais de 28 mil reclamações sobre crédito consignado, sendo que aposentados e funcionários públicos são os principais alvos do assédio comercial. Entre as queixas, destacam-se o depósito de valores não solicitados e a dificuldade em cancelar contratos nunca assinados.

Para os aposentados, o impacto dessa prática é devastador. Muitos só percebem o débito na conta quando as parcelas começam a ser descontadas. Ao questionar a entidade, descobrem um contrato assinado — embora, em muitos casos, a assinatura não seja deles. A orientação comum é que o aposentado procure a Justiça para resolver o problema. Mas, diante de valores baixos, como um empréstimo de R$ 2 mil com parcelas de algumas centenas de reais, muitos não conseguem um advogado disposto a aceitar o caso por um valor acessível. Com isso, acabam forçados a arcar com uma dívida que nunca pediram, enquanto as instituições seguem sem penalidade.

A atuação do INSS também precisa ser revista. As informações dos aposentados, que deveriam ser protegidas, ficam expostas e acessíveis às financeiras. Em julho de 2023, a Defensoria Pública da União recomendou ao órgão reforçar a proteção dos dados dos segurados. Embora o INSS afirme que adotou medidas, é evidente que os dados circulam entre bancos e financeiras com uma facilidade preocupante, comprometendo a segurança de milhares de pessoas.

O que existe é um ciclo de abuso: a instituição identifica um cliente vulnerável, deposita um valor não solicitado, e, ao final, permanece impune. Apenas multas elevadas e penas reais podem frear essa prática. Atualmente, as queixas sobre crédito consignado podem ser registradas em canais como o Portal do Consumidor e o Procon, além dos SACs das instituições financeiras. No entanto, uma central específica voltada para atender essas denúncias poderia oferecer suporte mais direcionado e facilitar o processo de reversão desses contratos.

A mudança no setor financeiro é uma questão de justiça. Não se trata apenas de proteger os aposentados de cobranças indevidas, mas de garantir que o sistema financeiro brasileiro respeite aqueles que contribuíram para o crescimento do país. Enquanto essas práticas continuarem impunes, milhares de pessoas seguirão exploradas em um mercado que deveria oferecer segurança, e não ciladas.

Ignorar essas práticas é permitir que abusos se tornem norma. Um sistema financeiro ético é aquele que oferece segurança aos aposentados e pensionistas, sem transformar crédito em armadilha. Está na hora de cobrar mudanças reais.

(*) Mestre em Direito e Advogado Trabalhista

 

 

 

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