Manaus, 26 de abril de 2024
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Manaus, 26 de abril de 2024

Cidades

Sovel é investigada há mais de 10 anos por poluição no Lago do Aleixo

A empresa já foi investigada pelo MPE e condenada pela Justiça Federal, mesmo assim, os resíduos industriais continuam se acumulando no lago

Sovel é investigada há mais de 10 anos por poluição no Lago do Aleixo

Resíduos industriais se acumulam em córrego (Foto: Márcio Silva/ Portal AM1)

MANAUS, AM – Em meio ao verde da floresta e as águas escuras do Rio Negro, uma massa acinzentada emerge diariamente no Lago do Aleixo, na zona Leste de Manaus. No córrego conhecido como “Buraco do Oscar”, os rejeitos industriais se acumulam e tornam o cenário cada dia mais pálido. O problema não começou agora, segundo relatos de moradores e reportagens feitas no local, o dano ambiental existe há, pelo menos, uma década.

Segundo técnicos do Instituto e Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), há fortes indícios de que o material despejado no córrego seja celulose da empresa Sovel da Amazônia Ltda, que há 46 anos atua na fabricação de embalagens e na reciclagem de papéis. A Gerência de Fiscalização Ambiental (Gefa) do Ipaam expediu multa no valor de R$ 200.000 e embargou a atividade de reciclagem de papel e papelão da fábrica após visitar a área junto com a equipe de reportagem do Amazonas1.

Ironicamente, em seu site oficial, a Sovel afirma ser uma “empresa comprometida com o Meio Ambiente” e tem como missão garantir “processos produtivos seguros que não agridam o Meio Ambiente”.

(Foto: Márcio Silva/ Portal AM1)

O córrego fica localizado no bairro Colônia Antônio Aleixo, atrás da indústria. Segundo os moradores que vivem à margem do lago, que preferem não se identificar por medo de represálias, a situação vem se agravando e já não é mais possível pescar no local.

Eles afirmam que após diversas denúncias na última semana, funcionários da empresa começaram a limpar o local, contudo, os resíduos estão sendo enterrados na margem.

“Uma vez veio um rapaz, ele alugou uma canoa, aí eles iam pra [sic] lá e traziam sacas de lixo para jogar para fora. Agora, tão [sic]  enterrando por lá mesmo, acho”, disse uma das moradoras que preferiu não se identificar. Conforme registrou a reportagem nas duas vezes que esteve no córrego, diversos buracos estão sendo cavados na margem do lago e a massa cinza está sendo enterrada.

Os resíduos são enterrados na margem (Foto: Márcio Silva/ Portal AM1)

Outro morador, que também não quis se identificar, afirma que os danos são ainda mais visíveis no período da vazante, quando o rio começa a secar.

“Quando está seco, começa a subir tudo (os efluentes), e não é só aqui não. Os peixes morrem, dá para ver eles tudo flutuando na água [sic]”, contou.

Atualmente, a Sovel possui 20 processos registrados no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), apenas um deles é por crimes contra o meio ambiente e o patrimônio genético. O processo é originário de uma ação civil pública ingressada pelo Ministério Público do Estado (MPE), em 2013.

Segundo o TJ-AM, o processo foi sentenciado em 15 de junho de 2020 – com sentença de 2 anos de reclusão, substituindo a pena privativa de liberdade por restritivas de direito e multas para a empresa e o sócio administrador Eyad Ali Yacub.

A Sovel possui 20 processos registrados no TJAM (Márcio Silva/ Portal AM1)

Na decisão do Juiz Alberto Carim, da Vara Especializada do Meio Ambiente, a multa exigida foi fixada em 10 dias para a Sovel e em dois dias para Yacub, “no valor desta corresponde a 1/3 (fração) do salário mínimo legal e vigente à época do fato, corrigida monetariamente até o efetivo recolhimento”.

Por considerar que as penas foram muito brandas e que a pessoa física também deveria ser responsabilizada pelo crime do art. 68 da Lei de Crimes Ambientais, o MPE recorreu da sentença em agosto de 2020. Como houve duas apelações da defesa dos réus contra a sentença, o processo está em grau de recurso na primeira instância. Portanto, nenhuma multa fixada pelo TJ-AM foi paga. O documento cita, ainda, um inquérito policial aberto pela Polícia Federal do Amazonas (PF-AM), em 2009.

Veja o documento:

[pdf-embedder url=”https://amazonas1.com.br/wp-content/uploads/2021/04/0257388-32.2013.8.04.0001-1.pdf” title=”0257388-32.2013.8.04.0001 (1)”]

Enquanto a tentativa de ocultação dos resíduos na margem do lago é uma nova prática ainda não investigada, sobre o despejo de efluentes nas águas sem o devido tratamento já houve decisão transitada em julgado. O Ministério Público Federal (MPF) também processou a Sovel por danos ambientais provocados desde 2007.

A ação foi reforçada por registros feitos pelo movimento SOS Encontro das Águas. Na carta direcionada ao órgão, e divulgada no blog do jornalista e ambientalista Rogério Casado, o fotógrafo Valter Calheiros pediu que fosse feita uma análise da água para comprovar os danos. Nas fotos divulgadas no blog há 8 anos, os danos são tão visíveis quanto atualmente.

(Foto: Márcio Silva/ Portal AM1)

Em outubro de 2019, a Justiça Federal confirmou os pedidos de liminar na ação e condenou a empresa a diversas obrigações, entre elas estão: “Abster-se de despejar efluentes sem tratamento no Lago do Oscar ou em qualquer outra área do Lago do Aleixo”;  “recuperar a área degradada descrita na ação do MPF, conforme plano de recuperação da área degradada (PRAD)” e “o pagamento de indenização pelo dano interino ou intermediário, bem como pelo dano residual, em valor mínimo de R$ 10 mil, passível de aumento quando da execução de sentença, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da sentença”.

Veja o documento:

[pdf-embedder url=”https://amazonas1.com.br/wp-content/uploads/2021/04/14069-21.2013.4.01.3200-Alegacoes-finais-1-1.pdf” title=”14069-21.2013.4.01.3200-Alegacoes-finais-1 (1)”]

Conforme o órgão, “o processo transitou em julgado em janeiro de 2020, já que não houve recurso apresentado à Justiça por nenhuma das partes envolvidas – o que significa que os prazos para implementação das medidas determinadas passaram a contar a partir dessa data”.

Contudo, nenhuma das medidas foram cumpridas, pois segundo o MPF, após certificar o trânsito em julgado, caberia à Justiça remeter o processo ao MPF para as providências, o que não ocorreu. Em vez disso, a Justiça arquivou o processo. O MPF informou que ingressou com uma ação de execução das determinações da sentença e requereu à Justiça que anexe o processo físico que transitou em julgado.

Órgão ambiental é pressionado

Embora se prolongue há anos, a poluição no Lago do Aleixo ganhou repercussão nesta semana após os vereadores Luís Mitoso (PTB) e Kennedy Marques (PMN) denunciarem o caso na Câmara Municipal de Manaus (CMM). Os parlamentares foram até o local e constataram possíveis danos ambientais.

Assunto repercutiu na CMM (Foto: Reprodução/ YouTube)

Posição do Ipaam

Após cobrarem respostas, o órgão responsável pela fiscalização ambiental, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), publicou uma nota em que afirma ter encaminhado “técnicos ambientais até o referido local para apurar a denúncia e tomar as providências cabíveis, contudo, não foi constatado pela equipe técnica qualquer alteração na localidade”.

Em resposta, Kennedy Marques cobrou uma explicação dos órgãos fiscalizados na última segunda-feira (05) na tribuna da casa.

“Eu fico chateado de uma instituição [Ipaam] que era para proteger, era para averiguar, era para visitar, fiscalizar, simplesmente emite uma nota com uma foto aérea, que nada justifica, que nada corrige a veracidade dos fatos. Então isso deixa a gente até com dúvidas. O que tá acontecendo? Tem alguém interessado por trás?”, questionou.

(Foto: Reprodução/ Instagram)

Nova visita

Procurado pela reportagem, o Ipaam solicitou que a reportagem do Amazonas1 acompanhasse os técnicos em uma nova visita. Nesta quarta-feira (7), a equipe de reportagem levou os técnicos ambientais do Ipaam até o local, onde foi constado de forma preliminar alguns danos ambientais.

Segundo o Analista Ambiental, Diógenes Rabelo, foi constatado de forma preliminar que há um lodo de material fibroso sedimentado no fundo do lago e a decomposição orgânica desse material retorna com esse lodo para a superfície.

“Também foi constatado que na encosta a evidências de que houve enterro do material coletado da superfície, o que evidencia uma tentativa do infrator de esconder o material descartado irregularmente”, acrescentou.

(Foto: Márcio Silva/ Portal AM1)

Questionado sobre os impactos dessa poluição para a vida animal, o técnico explicou que, provavelmente, não há substâncias tóxicas no local, entretanto, isso não significa que não há danos.

“Provavelmente, não há metais pesados, mas o material vai influenciar a cadeia alimentar”, disse Diógenes Rabelo durante a visita ao córrego.

Ele completa que lodo pode ter diminuído o nível de oxigênio do lago, comprometendo a fauna aquática. “Sem oxigênio a vida aquática vai morrer, mas isso é em longo prazo”, explicou. O Instituto ainda fará estudos para constatar, de fato, quais são impactos dessa poluição.

Para a empresa operar de forma legal, o descarte de efluentes sobre os chamados corpos d’água deve seguir alguns parâmetros estabelecidos pela legislação brasileira, que limita a carga poluidora que será encaminhada ao meio ambiente. A Resolução CONAMA n.º 430 é a norma que estabelece esses padrões.

(Foto: Márcio Silva/ Portal AM1)

Sendo assim, para atender essa resolução, a Sovel precisa ter um Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) que faz o tratamento dos resíduos industriais antes de que eles sejam despejados na natureza. Segundo o engenheiro agrônomo do Ipaam, Raimundo Chuvas, já foi constatado que a empresa possui uma ETE, contudo, ela não está funcionando como deveria.

“Eles têm uma estação de efluentes. Eles nunca poderiam funcionar sem. A hipótese é que essa estação esteja subdimensionada, ou seja, ela pode ser menor que a quantidade de efluentes”, explicou.

Segundo o Chuvas, o instituto realizou recentemente uma fiscalização na sede da empresa e constatou outras irregularidades. A empresa já está sendo multada em R$ 330 mil por poluição atmosférica, poluição do solo (dentro da empresa) e a caldeira da indústria foi embargada.

“Provavelmente vai ser multada e a empresa toda será embargada”, avaliou após a visita ao córrego.

Sem respostas

A reportagem pediu resposta da empresa sobre as denúncias apresentadas, mas até o momento da publicação da matéria não tivemos resposta. Foi solicitado resposta até às 11h do dia 07/04/2021, e mesmo 24 horas depois desse limite, a empresa não havia se pronunciado. O Portal Amazonas1 reforça que o espaço está aberto para os esclarecimentos da empresa.

O contato também foi feito, por meio do WhatsApp disponibilizado pela empresa em suas redes sociais, mas não houve nenhuma resposta.

Danos ambientais e humanos

O Lago do Aleixo, que fica aos arredores da Sovel, deságua diretamente no Rio Negro. Para a ambientalista e Mestre em Ciências Florestais,  Erika Schloemp, é necessário que se façam pesquisas para identificar todos os danos causados, mas ela afirma que os impactos já são grandes.

“Com a cheia, essa água contaminada vai se dispersar no lago e vai chegar no Rio Negro. Então, com certeza, o impacto é muito grande. A gente viu a quantidade de dejetos industriais […] e não sabemos como isso vai afetar a fauna e flora de água doce”, avaliou.

Os ribeirinhos que dependem dos peixes do lago para se alimentar (Foto: Márcio Silva/ PortalAM1)

A ambientalista destaca que os animais não são os únicos prejudicados com toda a poluição do lago, mas também os ribeirinhos que dependem dos peixes para se alimentar.

“Existe uma grande preocupação porque essa lagoa era um local de pesca dos ribeirinhos ali do entorno. Ele sustentava várias famílias, e essa poluição tá afetando e pode estar contaminando, inclusive, a alimentação desses moradores que têm todo o direito de tá lá. […] Eu não entendo até hoje porque não foi investigado esse caso”, disse.

Questionada se os danos são reversíveis, Erika analisou que será necessário muita pesquisa para identificar os danos reais e as consequências ao meio ambiente.

“Só a ciência pode reverter esse tipo de poluição. Com trabalhos de pesquisa e monitoramento ambiental, eu acredito que possa ser revertido sim, mas a longo prazo. […] A gente espera muito dessa empresa, uma retratação e um sistema de tratamento de efluentes”, afirmou.

(Foto: Márcio Silva/ Portal AM1)