Manaus, 26 de junho de 2024
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Política

Trabalho infantil: 30 mil estão em trabalho análogo à escravidão no Norte

O Pará lidera o ranking da região com mais de 191 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos.

Trabalho infantil: 30 mil estão em trabalho análogo à escravidão no Norte

(Foto: Agência Brasil)

Manaus (AM) – Maria tinha 12 anos quando foi levada pela própria mãe, da casa em que morava com mais 11 irmãos e o pai, no interior do Amazonas. Ela foi “ajudar” na casa de uma família. A mulher que a recebeu tinha três filhos pequenos e precisava de uma “mocinha” para auxiliar nos serviços domésticos.

Em troca, a família “acolhedora” iria matricular a criança na escola e dar algumas coisinhas, como roupa, chinelos, um abrigo, material de higiene pessoal. Ainda iria enviar pelo barco, todos os meses, um “ranchinho”, para os pais de Maria, que por serem pobres, precisaram entregar a menina, para um estranho, pois significava uma boca a menos para comer em casa.

O nome é fictício, mas o caso é real, e ocorreu nos anos de 1986; mas ainda hoje, quase 40 anos depois, ainda são registrados diversos casos de crianças, principalmente, oriundas do interior do estado. Elas são colocadas em casa de estranhos, que prometem melhorias, como estudar em uma boa escola, um dinheirinho ou mesmo objetos de primeira necessidade, em troca dos serviços.

Outras tantas crianças são exploradas pelos próprios pais, que as usam para pedir dinheiro em esquinas, sinais, e estabelecimentos comerciais. Meninas e meninos lavando vidros de carros, ou pior, vendendo bebidas alcoólicas em lugares de grandes eventos.

IBGE

Dados do IBGE apontam que em 2022, no Brasil, 1,9 milhão de crianças e adolescentes com 5 a 17 anos — cerca de 4,9% desse grupo etário — estavam em situação de trabalho infantil.

Esse contingente havia caído de 2,1 milhões (ou 5,2%) em 2016 para 1,8 milhão (ou 4,5%) em 2019, mas cresceu em 2022. Entre 2019 e 2022, a população do país com 5 a 17 anos diminuiu 1,4%, mas o contingente desse grupo etário em situação de trabalho infantil aumentou 7,0%.

Ainda em 2022, 756 mil crianças e adolescentes exerciam as piores formas de trabalho infantil, os quais envolviam risco de acidentes ou eram prejudiciais à saúde e estão descritas na Lista TIP.

Esse marco legal brasileiro regulamentou termos descritos na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que definiu a expressão “piores formas do trabalho infantil” como:

Todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, o que inclui, a venda e o tráfico de crianças ou adolescentes, a sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado e o recrutamento forçado para conflitos armados;

Trabalho infantil é toda forma de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, conforme a legislação. Sendo, no Brasil, o trabalho proibido para quem ainda não completou 16 anos, como regra geral.

Quando realizado na condição de aprendiz, é permitido a partir dos 14 anos. Se for trabalho noturno, perigoso, insalubre ou atividades da lista TIP a proibição se estende aos 18 anos incompletos.

O trabalho infantil é crime, e esta quarta-feira (12), Dia de Combate ao Trabalho Infantil, permite refletir sobre os direitos fundamentais das crianças, bem como a ação necessária para coibir essa prática ilegal e garantir uma infância segura e saudável.

Precisamos cuidar dos pequenos, cuja fragilidade física e psíquica podem levá-los a riscos muito maiores que os de acidentes de trabalho.

Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil

Na manhã desta quarta-feira (12), durante o Seminário Nacional “Infâncias Invisibilizadas: Reflexões Sociais e Práticas Institucionais”, que está sendo realizado no Auditório Arnaldo Lopes Süssekind, no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília/ DF.

O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (FNPETI) lançou  hoje “O Trabalho Infantil no Brasil: análise dos microdados da PnadC 2022”

A análise e divulgação de dados estatísticos sobre o trabalho infantil é uma das estratégias do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (FNPETI).

O documento traça o perfil do trabalho de crianças e adolescentes no Brasil e em suas macrorregiões, considerando as pessoas de 5 a 17 anos, como o universo de crianças e adolescentes. Os dados apresentam a fração do contingente de crianças e adolescentes que exercem trabalho infantil, com recortes por sexo, cor, faixa etária (5 a 9 anos, 10 a 13 anos, 14 a 15 anos e 16 a 17 anos), frequência à escola, localização do domicílio (urbana ou rural), realização de afazeres domésticos ou cuidados a moradores, as principais ocupações e atividades exercidas, bem como uma aproximação das crianças e adolescentes expostas às piores formas de trabalho conforme as categorias da Lista TIP.

Confira os dados mais recentes

  • A Região Norte conta com a maior proporção de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil (7,4%). O Pará lidera o ranking da Região com mais de 191 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos;
  • Os Estados da Bahia e do Maranhão contam com os maiores números absolutos na Região Nordeste: 187 mil e 100 mil, respectivamente. O Piauí, por sua vez, tem a maior proporção (8,3%);
  • No Sudeste, Minas Gerais (6,6%) tem a maior proporção de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil. Em números absolutos, São Paulo lidera com quase 272 mil;
  • Na Região Sul, o Rio Grande do Sul conta com a proporção de 5,5% (102 mil), seguido do Paraná com 5,3% (109 mil);
  • O Estado do Mato Grosso tem uma proporção de 7,2% (50 mil), seguido de Goiás com 5,2% (69 mil);
  • Entre as crianças de 5 a 9 anos, houve aumento de 106 mil em 2016 para 132 mil em 2022 envolvidas em trabalho infantil;
  • O trabalho infantil é mais frequente nas cidades, porém, incide com mais força nas zonas rurais. A proporção de crianças e adolescentes é 3x maior em áreas rurais que nas zonas urbanas.

 

Em números absolutos, o total de crianças e adolescentes negras ocupadas (969 mil) e no exercício de cuidados e afazeres é maior que o das não-negras (516 mil), com a Região Nordeste obtendo cerca de 35% do total do número e crianças e adolescentes negras ocupadas.

 

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