Manaus, 2 de maio de 2024
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Cidades

Após prisão, Zé Roberto ‘assiste’ a mortes de familiares na guerra entre facções criminosas

Zé Roberto foi do "Do senhor do tráfico" a espectador do caos e agora testemunha, das grades de uma unidade federal, as execuções dos familiares como vítimas da violência inimiga que um dia comandou.

Após prisão, Zé Roberto ‘assiste’ a mortes de familiares na guerra entre facções criminosas

Familiares de Zé Roberto foram executados pelo Comando Vermelho (Fotos: Divulgação/Polícia Civil)

Manaus (AM) – Luciano da Silva Barbosa, o “L7”, foi executado no dia 23 de junho de 2022. Cloves Fernandes Barbosa, conhecido como ‘Clovinho’ e o filho dele, Jardson Nunes de Melo Barbosa, foram assassinados no dia 27 de outubro de 2023. O que eles têm em comum? Todos são parentes do narcotraficante José Roberto Fernandes Barbosa da Silva, o “Zé Roberto da Compensa”, que está preso em uma unidade de segurança máxima – e de lá “assiste” aos familiares serem assassinados pelos inimigos em uma guerra pelo poder do tráfico de drogas em Manaus.

Zé Roberto da Compensa, em tempos passados, detinha o status de um dos principais líderes do tráfico de drogas na capital amazonense. Foi no bairro da Compensa, na zona Oeste de Manaus, que ele estabeleceu as bases da facção criminosa Família do Norte (FDN), juntamente a João Pinto Carioca, conhecido como “Mano Branco”, e Gelson Carnaúba, também chamado de “Mano G”, em 2006. No mesmo ano, ele fundou o time “Compensão”, que se tornou uma dos maiores equipes do Amazonas na categoria “amador”.

A FDN ascendeu ao posto de terceira maior organização criminosa do país, controlando uma das principais rotas de tráfico de cocaína do mundo: a via fluvial do rio Solimões, que se estende da tríplice fronteira (Brasil, Peru e Colômbia) até a cidade de Manaus, além de manter pontos de venda de drogas em diversos bairros da capital, mas perdeu força após um racha entre os líderes. Depois disso, João Branco e Mano G migraram para o Comando Vermelho.

Após a prisão do pai, Luciano herdou o comando da FDN e era investigado por suspeita de participação em vários crimes na capital. Ele foi preso pela última vez em setembro de 2021, e conseguiu fugir, indo se refugiar no município de Anamã, interior do estado, onde foi executado.

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Luciano foi brutalmente executado pelos inimigos do pai – (Divulgação/Polícia Civil)

A mãe de L7, única sobrevivente do ataque, relatou à polícia que cerca de 20 homens encapuzados e fortemente armados chegaram de lancha ao local, arrombaram a residência da família e abriram fogo contra Luciano.

Na ação criminosa, o padrasto de Luciano, Silviney, tentou correr e pular a janela, mas acabou atingido pelos disparos e morreu.

Depois de morto, Luciano foi decapitado e os criminosos gravaram um vídeo mostrando a cabeça do filho de Zé Roberto como um “troféu”.

Dias antes da execução, L7 chegou a gravar um vídeo em que dizia não querer participar mais da criminalidade, pois queria viver em paz com a família e criar o filho pequeno, mas os inimigos do pai dele não tiveram compaixão e executaram o “príncipe da Compensa”.

Outro baque

Em 2023, Zé Roberto teve outra perda. O irmão dele, “Clovinho”, e o sobrinho, Jardson Nunes, foram executados também por integrantes do Comando Vermelho em um condomínio, na avenida Torquato Tapajós, no bairro Tarumã, zona Oeste de Manaus.

Clovinho era conhecido pelo perfil violento e, conforme as investigações da Polícia Civil do Amazonas, fazia parte do comando do Cartel do Norte (CDN), antiga FDN, que buscava voltar ao comando da cidade. O filho dele também era suspeito de envolvimento com o tráfico de drogas.

Em 2016, Cloves foi um dos alvos da operação “La Muralla”, deflagrada pela Polícia Federal, que investigava crimes praticados pela FDN. Ele chegou a passar um tempo no presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, mas retornou para Manaus em 2021 e tentava, sob influência do irmão, erguer o legado criminoso da família.

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Cloves estava no comando da CDN, antiga FDN – (Foto Divulgação/PC)

Perda de poder

Para o tecnólogo em Segurança Pública, Jorge Gama, os assassinatos dos familiares de Zé Roberto da Compensa, atribuídos ao Comando Vermelho, representam uma clara demonstração de poder e uma estratégia para enfraquecer sua influência no crime organizado em Manaus.

“Esses assassinatos intensificam as disputas pelo controle do território e dos pontos de tráfico, aumentando a violência e a instabilidade na região. Além disso, evidenciam a complexidade das relações entre as facções criminosas e suas ramificações dentro e fora do sistema prisional, o que requer uma abordagem multidimensional por parte das autoridades para enfrentar essa realidade”, pontuou.

Além das execuções, o Comando Vermelho avança no território de Zé Roberto, no bairro da Compensa. Sua antiga fortaleza, agora, é palco do domínio de seus inimigos. O cenário é um reflexo da perda de poder.

Zé Roberto também assistiu, de dentro da unidade prisional federal, execuções de seus aliados, como a de Alan Barbosa Rolim, vulgo “Zaqueu”. Considerado homem de confiança de Zé, o traficante foi morto com tiros na cabeça, na rua Emilio Moreira, nas proximidades do bairro Praça 14, zona Sul de Manaus, em junho de 2022.

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Zé Roberto começou no mundo do crime aos 12 anos e já foi temido pelos inimigos – (Divulgação/Polícia Civil)

De aliados a inimigos declarados

O Comando Vermelho chegou ser aliado da FDN, inclusive, um dos resultados dessa união, na época, foi a chacina que resultou na morte de 56 internos, em 2017, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). Grande parte dos mortos era do Primeiro Comando da Capital (PCC).

O primeiro a sair da FDN foi “Mano G”. Ele foi expulso após Zé Roberto e João Branco descobrirem que o antigo aliado estava traçando um plano de “traição”.

Depois, foi a vez de João Branco, após divergências com Zé Roberto. Conforme informações da Polícia Civil, o traficante queria ser líder de uma facção própria e chegou a criar a “FDN Pura”.

A briga entre Zé Roberto e João Branco resultou no segundo maior massacre da história do Amazonas com 55 presos executados dentro do sistema prisional amazonense em maio de 2019. Os detentos estariam no meio da divisão interna que a FDN estava passando.

A partir daí, vários integrantes da FDN migraram com os outros chefões para o Comando Vermelho e começou a guerra entre as duas facções – o que resultou no enfraquecimento da FDN e crescimento assustador do CV no Amazonas.

Atualmente, o Comando Vermelho domina praticamente todos os bairros da capital amazonense, além de possuir tentáculos em vários municípios do interior. FDN passou a ser Cartel do Norte (CDN), mas após as mortes dos parentes de Zé Roberto, vem perdendo força.

A disputa do CV, agora, é com o PCC, que teve uma crescente em Manaus nos últimos anos.

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CV avança na Compensa, reduto de Zé Roberto – (Foto: Divulgação/Marcos Holanda)

Desafios na segurança

Com o crescimento do domínio de facções, o especialista avalia que o Amazonas ainda enfrentará desafios significativos na segurança, caso não sejam tomadas medidas eficazes.

“É crucial adotar medidas assertivas e integradas que visem combater o tráfico de drogas, desarticular as estruturas criminosas e fortalecer as instituições de segurança. Isso inclui investimentos em inteligência policial, capacitação de agentes, fortalecimento do sistema prisional e implementação de políticas sociais voltadas para a prevenção da criminalidade e a reinserção de indivíduos em situação de vulnerabilidade. O enfrentamento do crime organizado requer uma abordagem abrangente e de longo prazo, com o envolvimento de diferentes esferas do poder público e da sociedade civil”.

Jorge Gama, que é natural do Rio de Janeiro, possui estudos sobre o avanço do Comando Vermelho no país e afirma que o Amazonas é estratégico para a organização.

“A origem do Comando Vermelho remonta ao Rio de Janeiro, mas sua influência se expandiu para além das fronteiras cariocas, conquistando territórios em diversos estados. No caso do Amazonas, a presença do CV representa um grande atrativo, dada a importância estratégica da região como um dos principais corredores para o tráfico de drogas. O controle dessa rota não apenas fortalece a facção, mas também proporciona lucros astronômicos, estimados em milhões de reais, alimentando ainda mais sua expansão e poder no cenário nacional”, pontuou.

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Manaus está cheias de pichações com a sigla do CV – (Foto: Divulgação/Marcos Holanda

Para o sociólogo Luiz Antônio Mendes, o aumento da presença de facções criminosas no Amazonas acarreta uma série de consequências negativas.

“Socialmente, cria um ambiente de medo e insegurança, afetando diretamente a qualidade de vida dos cidadãos. Além disso, o domínio das facções dificulta o desenvolvimento de políticas públicas eficazes e a atuação das instituições governamentais. Em termos de segurança, o aumento da violência, dos homicídios e do tráfico de drogas são algumas das principais consequências observadas”, diz.

O sociólogo afirma que, diante do cenário que Manaus enfrenta em relação à criminalidade, é fundamental reconhecer que a resposta ao crescimento das facções não pode se restringir a abordagens repressivas e punitivas. “É preciso investir na construção de políticas públicas que abordem as causas estruturais da criminalidade, promovam a inclusão social e econômica das comunidades marginalizadas”, acrescenta.

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