Manaus, 17 de maio de 2024
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Manaus, 17 de maio de 2024

Cenário

Candidaturas indígenas devem ganhar força na disputa para prefeitos e vereadores

A notoriedade da participação indígena na última eleição pode ser uma demonstração de que os povos originários têm ganhado força em processos eleitorais no Amazonas.

Candidaturas indígenas devem ganhar força na disputa para prefeitos e vereadores

(Fotos: Reprodução/Redes sociais)

Manaus (AM) – As eleições municipais de 2024 devem ser marcadas por diversas candidaturas de representantes indígenas – o que pode ser uma demonstração de que os povos originários têm ganhado força na participação de processos eleitorais no Amazonas. Exemplo disso foram as eleições gerais de 2022, em que pelo menos três nomes ganharam destaque no cenário local: Anne Moura (PT), Vanda Witoto (REDE) e Israel Tuyuka (PDT).

Dos três nomes, Anne Moura e Israel Tuyuka concorreram ao cargo majoritário. Ela como vice-governadora na chapa do senador Eduardo Braga (MDB) e Tuyuka disputou o cargo de governador; Vanda disputou uma cadeira na Câmara dos Deputados, conquistou 25.545 votos, mas ficou de fora do quadro de parlamentares eleitos.

No primeiro turno, Anne e Eduardo receberam 401.817 votos, o que garantiu uma disputa entre eles e o atual governador Wilson Lima (União Brasil) no segundo turno, quando a chapa da indígena ganhou 795.098 votos.

Na mesma corrida eleitoral, Israel Tuyuka, que na época estava filiado ao PSol, obteve um número expressivo de votos, se for levado em consideração que foi a primeira eleição que ele disputou. Tuyuka alcançou com 21.229 votos (1,11%), terminando na sexta posição entre todos os candidatos ao cargo de governador.

O indígena ficou à frente até de nomes conhecidos do meio político, como do ex-vice-governador cassado Henrique Oliveira (Podemos), que terminou em sétimo lugar, com apenas 9.596 votos (0,50%).

Tuyuka é natural do município de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de distância da capital) e, durante a campanha eleitoral, defendeu pautas da população ribeirinha, sobretudo, dos indígenas, bem como pautas relacionadas às mulheres, jovens, comunidade LGBT+ e melhoria e profissionalização dos povos indígenas em diversas áreas, como: saúde, cultura, educação e outras.

Por sua vez, a indígena Witoto, que concorreu a uma vaga no Congresso, alcançando o total de 25.545 votos, não ficou nem como suplente, mesmo obtendo mais votos que outros candidatos conhecidos da política local, como Pauderney Avelino, Delegado Pablo, Diego Afonso, todos do União Brasil; Marcelo Ramos (PSD) e Alfredo Nascimento (PL).

Dados

O Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado recentemente, mostra que o Amazonas é o estado que concentra a maioria dos indígenas do país, com exatamente 28,98%.

São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga são os municípios que contam com o maior número de indígenas de todo o país. No ranking das dez cidades brasileiras com a maior quantidade de indígenas aparecem também os municípios de São Paulo de Olivença, Autazes e Tefé.

As informações apontam, ainda, que o Amazonas é o estado que possui mais indígenas que moram em terras indígenas.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022, das 581 candidaturas deferidas no estado, apenas 16 se tratavam de indígenas, o que corresponde a um percentual de 2,75% do total de candidatos. Desses 16, dez não alcançaram êxito, cinco ficaram apenas como suplentes e somente uma disputou o segundo turno, que foi Anne Moura.

Falta de valorização e movimentos fragilizados

O Portal AM1 ouviu o cientista político Ademir Ramos*. Ele destaca que a participação dos povos originários no processo eleitoral melhorou “muito” se olharmos para trás, mas, alerta que é preciso combater sistematicamente o preconceito e defender efetivamente políticas públicas – diante de um cenário onde os movimentos indígenas se encontram, infelizmente, fragilizados, fragmentados e divididos.

“A questão das candidaturas indígenas passa diretamente pelo partido político como todas as outras, mas tem partido, por exemplo, que valoriza e prioriza mais essa questão, como o PSol e o PDT, mas é preciso uma estratégia mais incisiva no sentido de valorizar cada vez mais essas candidaturas, porque ainda está tudo no papel. Os movimentos estão fragilizados, fragmentados, não têm força e, por isso, estão profundamente divididos”, explicou.

Na visão do antropólogo, as candidaturas indígenas devem fluir dos movimentos como acontece, como, por exemplo, com as candidaturas oriundas dos movimentos das mulheres, de gênero e LGBTQIAPN+.

Nesse sentido, o professor defende que os candidatos indígenas também tenham um vínculo direto com esse movimento.

“Além do partido político, que pouco ou quase nada faz, os movimentos indígenas ajudariam diretamente, teriam grande força, mas o problema é que a situação dos povos indígenas é tão miserável nesse país, que os índios, na verdade, estão bastante fragmentados, divididos e pedindo favores para se afirmarem num contexto mais adequado”, pontuou.

O especialista ressalta, também, que as eleições de 2024 são diferentes das do ano passado, uma vez que são municipais e, por isso, devem ter um grande número de candidatos indígenas que disputarão o cargo de prefeito, sobretudo, em municípios que registram o maior número desse povo, como São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga, Barcelos, Atalaia do Norte e Santa Isabel do Rio Negro.

O cientista político defendeu, ainda, a existência de um “Parlamento Amazônico”, o que até foi discutido recentemente em Belém (PA) durante a “Cúpula da Amazônia”.

“Há, ainda, outro contexto desfavorável aos povos indígenas que é o preconceito, há um preconceito muito grande na Amazônia, e, sobretudo, no Amazonas, quanto aos povos indígenas, e olha que já se conquistou grande espaço nesse campo, mas continua a se ter um grande preconceito contra os povos indígenas e esse preconceito exclui cada vez mais esses atores e agentes do processo político”, disse.

Ademir também afirma que o ex-candidato ao governo, Tuyuka, é uma figura “muito interessante e que merece ser respeitada”, uma vez que não possui vínculo direito com o movimento indígena, mas tem um vínculo acadêmico.

“Ele fez uma carreira acadêmica, aproveitou as cotas da UEA (Universidade do Estado do Amazonas) e hoje é um doutor, médico, respeitado e se impõe perante a sociedade pelo seu capital intelectual. Ele vai disputar as eleições para vereador e quiçá até uma candidatura de prefeito, por que não? Ele conhece bem a cidade, tem experiência e pode sair uma candidatura conjunta com o apoio do PDT”, enfatizou.

Sem representantes

Ramos lembrou também que o Amazonas tem a maior população indígena do Brasil, mas não tem deputado estadual e federal indígena.

“O que temos são alguns vereadores no interior e um ou dois prefeitos, mas é uma luta a conquistar. Precisamos fortalecer as instituições que representam o povo indígena, como a Fundação Estadual dos Povos Indígenas, com orçamento, meios, pessoas competentes para operar esse processo, fazendo isso existirá melhorias na ponta e uma repercussão favorável aos povos indígenas”, finalizou o especialista.

A reportagem também ouviu o sociólogo Gilson Gil**, que destacou que é preciso ver até que ponto uma candidatura indígena representa o segmento, de que maneira fala em nome dele e quem o diz representar.

O sociólogo também analisa o motivo pelo qual os partidos políticos não apostam em indígenas. “Os partidos recebem muito dinheiro hoje. Se eles não apostam em indígenas, deveríamos indagar a eles a razão. Por que PT ou PL, os partidos que mais dinheiro recebem, não possuem grandes nomes indígenas? Talvez tenham dúvidas sobre o apelo popular desse tema e seus líderes duvidem da viabilidade de candidatos com essa plataforma”, frisou.

Para Gil, o crescimento dessas candidaturas só poderá ocorrer se os próprios indígenas lançarem nomes, se lançarem na política e lutarem por mais verbas e mais visibilidade.

“É preciso, também, pensar suas plataformas e propostas. De que maneira podem harmonizar propostas direcionadas ao público indígena com o eleitorado de forma mais ampla?! É algo a solucionar”, pontuou.

(*) Além de cientista político, Ademir Ramos é antropólogo, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), fundador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI-CNBB) e defensor das causas dos povos indígenas.

(**) Gilson Gil, além de sociólogo, é cientista político, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e especialista em eleições.