Manaus, 4 de maio de 2024
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Cenário

Em ano de eleição, políticos disputam a atenção de fiéis em igrejas

Durante os períodos eleitorais, é comum a presença de políticos buscando apoio e votos nos templos religiosos.

Em ano de eleição, políticos disputam a atenção de fiéis em igrejas

Políticos sempre buscam votos de evangélicos durante as eleições - (Fotos: Reprodução/Freepik/Redes Sociais e Assessoria)

Manaus (AM) – Em ano de eleição, é comum observar políticos buscando todas as formas possíveis para garantir visibilidade e conquistar votos. Entre as estratégias, uma das mais controversas e discutidas é a presença de políticos em igrejas, onde muitas vezes disputam a atenção dos fiéis.

Conforme dados do Censo 2022 divulgados, dia 2 deste mês, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Amazonas tem mais estabelecimentos religiosos do que o total somado de instituições de ensino e unidades de saúde. São mais de 19 mil templos em todo o estado. Em Manaus, são 7.865 igrejas e templos, enquanto o número de escolas é 1.743, e hospitais e Unidade Básica de Saúde (UBS) somam 1.056.

As igrejas, como instituições que exercem influência significativa sobre seus membros, tornam-se alvos estratégicos para os políticos em busca de apoio e votos. A presença nesses locais oferece uma plataforma privilegiada para que os candidatos possam expor suas propostas e tentar conquistar a simpatia dos fiéis.

No entanto, essa prática levanta debates dentro e fora da igreja. Alguns argumentam que a presença de políticos em ambientes religiosos confunde as fronteiras entre o sagrado e o secular, instrumentalizando a fé para fins eleitorais. Além disso, há preocupações quanto à manipulação emocional dos fiéis e à possibilidade de coação implícita para que sigam determinadas orientações políticas.

Por outro lado, defensores dessa prática argumentam que a liberdade religiosa e a liberdade de expressão devem ser preservadas, permitindo que os políticos frequentem igrejas e exponham suas ideias, desde que respeitem os espaços e as crenças dos fiéis.

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Alberto Neto em culto religioso durante a campanha de 2020 – (Foto: Divulgação)

A busca por votos dentro de igrejas não é uma prática nova, mas ganhou grande popularidade durante a campanha para presidente da República, em 2018. Bolsonaro levantava a bandeira do conservadorismo e tinha como slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Ele teve grande apoio do público evangélico.

Dois anos depois, durante as eleições municipais de 2020, a bandeira da defesa da família continuou a ser erguida com o objetivo de atrair mais os eleitores evangélicos. Em Manaus, 11 candidatos que disputaram o pleito para prefeito: Alfredo Nascimento (PL); Amazonino Mendes (Podemos); Capitão Alberto Neto (Republicanos); Chico Preto (Democracia Cristã); Coronel Menezes (Patriota); David Almeida (Avante); Gilberto Vasconcelos (PSTU); José Ricardo (PT); Marcelo Amil (PCdoB); Ricardo Nicolau (PSD); Romero Reis (Novo).

Desses nomes, apenas David Almeida e Chico Preto são declarados evangélicos. Chico Preto é frequentador da Nova Igreja Batista (NIB) e David faz parte da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Inclusive, David, publicamente, teve apoio de várias denominações e participou de reuniões com líderes evangélicos no pleito.

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Alberto Neto aproveitou para distribuir material politico durante a Marcha para Jesus em Manaus – (Foto: Divulgação)

Já o Coronel Alfredo Menezes e Alberto Neto se declaram “cristãos” e alinhados ao pensamento religioso do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Na época, Alberto Neto compartilhou uma foto recebendo orações durante uma visita a uma igreja evangélica. Na imagem, ele aparece com adesivos com seu número das urnas, o que ressalta que a visita ao templo religioso teve como objetivo reforçar sua campanha.

Em 2022, Alberto Neto aproveitou a Marcha Para Jesus, realizada em Manaus, para fazer pré-campanha e distribuiu vários panfletos com suas atividades como parlamentar.

Seguindo a mesma linha, Coronel Menezes também compartilhou cliques de sua visita à igreja durante a disputa em 2020. Na campanha de 2022, na qual disputou uma vaga ao Senado, Menezes também usou a igreja como palanque. Ele fez uma videochamada com o presidente Jair Bolsonaro (PL) na sede da igreja Evangélica Ministério Internacional da Restauração (Mir), na Ponta Negra.

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Menezes na sede da igreja Restauração durante pré-campanha em 2022 – (Foto: Divulgação/Assessoria)

Na Câmara Municipal de Manaus (CMM), a representatividade de evangélicos é ainda mais expressiva. Na atual legislatura, vários vereadores foram eleitos e reeleitos com a bandeira cristã. Dentre eles está o parlamentar mais votado em 2020, João Carlos (Republicanos). Ele é pastor na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), além dele Joelson Silva, Eduardo Alfaia (PMN), Yomara Lins (PRTB), Roberto Sabino (Podemos) também são pastores.

Um exemplo claro e conhecido do poder do voto evangélico no Amazonas é dos irmãos Câmara. Silas Câmara (Republicanos), pastor da Assembleia de Deus do Amazonas (IEADAM), exerce o cargo de deputado federal há 25 anos. Sua família é a responsável pela fundação da IEADAM, sendo que a igreja sempre foi o principal suporte eleitoral de Silas. Nas eleições de 2022, o irmão de Silas, Dan Câmara (Podemos), também foi eleito como deputado estadual.

Durante um culto, em 2022, Silas pediu voto dos fiéis para Dan Câmara, e para o vereador Joelson Silva, que também disputou uma na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam) e não saiu vitorioso.

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Silas durante oração para Bolsonaro – (Foto: Divulgação/Redes Sociais)

Na busca pela reeleição em 2022, Wilson Lima também recorreu à fé. Ele participou de um evento na Igreja Evangélica Assembleia de Deus Ministério de Madureira e ficou de joelhos para receber a oração. Na época, David Almeida, que estava empenhado na campanha de Wilson, também participou do evento.

Para as eleições deste ano, os políticos já iniciaram as visitas em templos religiosos. Em novembro do ano passado, o deputado estadual Roberto Cidade (UB), que é pré-candidato à Prefeitura de Manaus, junto do deputado federal Fausto Jr. (UB) e o vereadores Diego Afonso (UB) e Capitão Carpê (Republicanos), esteve reunido em uma congregação evangélica no bairro Compensa, zona Oeste da cidade. Nas redes sociais, eles afirmaram que estavam “prestando conta com a comunidade”.

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Roberto Cidade durante visita a igreja na Compensa junto com vereadores e Fausto Júnior – (Foto: Divulgação/Redes Sociais)

De acordo com dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010, Manaus tinha 640.785 mil pessoas consideradas evangélicas. Os dados do novo Censo sobre o perfil religioso dos brasileiros ainda não foram divulgados, mas outros levantamentos apontam que esse crescimento continuou de 2010 para cá.

Em 2020, por exemplo, uma pesquisa do Datafolha indicou que 31% da população brasileira se declarava evangélica, tornando esse segmento central na política nacional.

Para o cientista político, que esteve à frente da Comissão de Reforma Política e Combate à Corrupção Eleitoral da Ordem dos Advogados do Amazonas (OAB-AM), em 2022, a interseção entre religião e mandato eletivo é problemática, pois é difícil estabelecer uma fronteira clara entre os interesses religiosos e o bem comum da sociedade como um todo.

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Wilson Lima se joelhos para receber oração durante campanha de 2022 – (Foto: Reprodução/Vídeo)

“A instrumentalização da fé para ganhar poder político, vencer eleições, ter cargo eletivo é muito perigoso, até porque o Estado, na figura dos seus representantes no âmbito do judiciário, do executivo e do legislativo, não podem perseguir ou ir contra uma manifestação religiosa. No entanto, não podem privilegiar uma determinada religião, grupos religiosos, por isso que o tribunal regional e eleitoral do Rio de Janeiro, na última semana, cassou um parlamentar por abuso do poder religioso. Então, o eleitorado, mesmo com muita fé, muito religioso, praticante de igrejas, não pode confundir uma atividade pastoral com uma atividade política para o bem da sociedade, para o bem da coletividade. Quem representa a sociedade representa todos, independentemente da crença”, afirma Santiago.

O especialista ressalta que o aumento de templos religiosos proporciona mais oportunidades para políticos explorarem a fé como meio de conquistar votos.

“Quanto mais igrejas são construídas maior é o espaço para que políticos usem a fé para ganhar poder. Ou que religiosos usem as instituições religiosas para ingressar no mundo, e isso é muito negativo, porque misturar religião com mandato eletivo fica difícil mensurar uma fronteira até onde vão os interesses de uma religião e até onde vão os interesses do bem comum de toda a sociedade”, pontua.

O sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antonio Nascimento, afirma que a ausência do Estado e da educação é vista como uma forma de manter as pessoas dependentes e suscetíveis à influência de líderes religiosos, como acontece nas igrejas neopentecostais. Essas instituições demonizam a educação, o que é uma característica dos regimes autoritários, pois quanto mais ignorantes as pessoas ficam, mais propensas estão a seguir os líderes religiosos e a votar conforme sua vontade. Isso resulta na criação de currais eleitorais modernos, onde milhões de votos são direcionados para candidatos sem compromisso com a realidade das pessoas, mas que são ungidos pelos líderes religiosos.

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David Almeida recebeu apoio de várias denominações na campanha de 2020 – (Foto: Divulgação/Assessoria)

O sociólogo compara os fiéis de uma igreja a ovelhas e cabras que seguem o pastor cegamente. Diz que quando o pastor apoiar um candidato, seus seguidores vão interpretar isso como vontade de Deus e votar no candidato indicado, mesmo que não o questionem ou conheçam suas propostas, seguindo o pastor de forma dócil e obediente assim como animais seguem o pastor no pasto.

“Quando você tem um pastor numa igreja dessa, os súditos dessa igreja não vão questionar a vontade do pastor, pelo contrário, eles vão seguir obedientemente, docilmente ao pastor, assim como a cabra e o carneiro seguem docilmente e obedientemente o pastor lá no pasto, porque afinal de contas é o pastor que vai levá-los à segurança contra uma tempestade, contra o lobo. O pastor vai levar os teus fiéis a um espaço de segurança, de prosperidade, de bonança. Dito isto, quando o pastor se apresenta e diz, olha, o fulano é o nosso candidato a deputado, a vereador, e vocês devem votar nele, esse público vai interpretar isso como uma expressão da vontade de Deus. Afinal de contas, se é o pastor o que está dizendo, e ele é expressão da vontade de Deus, logo, o que ele está orientando é também vontade de Deus”, frisa.

O Portal AM1 entrou em contato com a Ordem dos Ministros Evangélicos do Amazonas (Omeam) para obter o posicionamento da instituição em relação à presença de políticos em templos religiosos em busca de votos.

O pastor e membro da Omeam, Valdiberto Rocha, disse que a instituição não possui políticos na composição da diretoria, que é formada por membros de denominações distintas. Entretanto, é conhecedor que políticos sempre procuram igrejas por conta do grande eleitorado, mas que todas as situações são analisadas.

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O Prefeito de Manaus durante evento na Nova Igreja Batista ao lado de Chico Preto e vereadores – (Foto: Divulgação/Assessoria)

“Algumas denominações têm representantes no parlamento, como é o caso da Assembleia de Deus, da Igreja de Deus Pentecostal do Brasil (IDPB) e da Adventista. Então, vai muito de cada representante. A Omeam, em si, não estipula candidatos. Deixamos os membros escolherem quem deve governar a cidade. Claro que somos conhecedor que a política tem uma presença marcante em nossas vidas, inclusive nas igrejas e buscamos sempre analisar os candidatos e propostas”, afirmou Valdiberto, que é membro da Igreja Quadrangular do Amazonas e apoiou David Almeida na eleição de 2020, mas não adiantou se o apoio também será declarado no pleito deste ano.

Debate no TSE

Em 2020, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abordou a possibilidade de sancionar o poder religioso, contemplando a cassação dos mandatos dos candidatos eleitos com o apoio de igrejas e templos religiosos.

A discussão girava em torno da analogia desse tipo de influência com os abusos de poder econômico e político, que já são passíveis de levar à cassação de mandatos. Contudo, em agosto do ano seguinte, a Corte Eleitoral descartou a criação do crime de abuso de poder religioso em processos que poderiam resultar em cassação.

 

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