Manaus, 1 de maio de 2024
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Manaus, 1 de maio de 2024

Política

Golpe militar completa 60 anos e Brasil vive polarização intensificada após ‘8 de janeiro’

O AM1 conta um pouco dessa história que marcou o país na década de 60, e apresenta a análise de especialistas sobre os acontecimentos envolvendo a direita.

Golpe militar completa 60 anos e Brasil vive polarização intensificada após ‘8 de janeiro’

(Fotos: Agência Brasil/Tânia Rego/ABr)

Manaus (AM) – Neste dia 31 de março, o ‘Golpe Militar’ de 1964 completa 60 anos e, nessa data, os recentes acontecimentos envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a direita, como os acampamentos na frente dos quartéis do Exército Brasileiro, a depredação dos prédios dos Três Poderes em Brasília, bem como a suposta ‘minuta do golpe’, reacendem a discussão sobre a democracia no país.

O Portal AM1 traz aos leitores, nesta reportagem, um pouco desta história que marcou o Brasil na década de sessenta, assim como os acontecimentos envolvendo os manifestantes da ala de direita e a visão de especialistas em relação ao assunto. Além dos especialistas, ouvimos advogados e empresários que falaram como o golpe militar é lembrado, hoje, na sociedade e se, na opinião deles, o movimento bolsonarista que iniciou após as eleições de 2022 teria sido inspirado no golpe de 1964.

As manifestações na frente dos quartéis iniciaram logo após a disputa eleitoral e se estendeu até janeiro, depois do conhecido ‘8 de janeiro’, em que o país assistiu pessoas vestidas de verde e amarelo tomando conta dos prédios dos Três Poderes e, logo depois, iniciando uma confusão, com invasão e depredação do local.

O episódio repercute até os dias de hoje, com diversos desses manifestantes presos e agora condenados por ruptura violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa, ameaça, perseguição, incitação ao crime e danos ao patrimônio público.

De acordo com a Polícia Federal, a ‘minuta do golpe’ encontrada no gabinete na sala do Partido Liberal (PL) seria uma das provas que implicam envolvimento do ex-presidente Bolsonaro numa conspiração para continuar no poder. O documento, segundo as investigações, previa o afastamento de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por interferência no resultado do pleito, pretendia revogar atos do Poder Judiciário e realizar novas eleições.

Plano insensato

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(Foto: Arquivo Pessoal)

Na opinião do professor de ciência política na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ludolf Waldmann Júnior, o bolsonarismo se inspira, em algumas de suas posições, em políticas e práticas autoritárias do regime militar – o que ficou claro com Bolsonaro no comando do país –, ao ter como pauta consistente da sua carreira a defesa da ditadura e de agentes da repressão. No entanto, em relação ao acontecimento de 8 de janeiro de 2023, ele não acredita que o movimento teve inspiração no golpe de 1964.

Para ele, o movimento golpista que completa 60 anos neste domingo foi muito mais organizado, liderado pelo alto comando das Forças Armadas, mas contando com apoio significativo (mais aberto ou velado) de vários setores da sociedade civil e de países estrangeiros dentro do contexto da Guerra Fria. Consistiu também, segundo o professor, numa evidente quebra da ordem institucional, com tropas na rua e seguindo o modelo “clássico” de um golpe de Estado.

Já a ação de janeiro do ano passado foi bem menos organizada e mais um ato violento e de vandalismo de um grupo que buscava provocar o caos, parecido mais com uma espécie de ‘putsch ou intentona’ (plano insensato, ataque imprevisto).

“Isso não significa que não houve uma coordenação sofisticada para financiar os acampamentos com o claro objetivo de agravar o cenário político de então. Informações divulgadas pela imprensa recentemente revelam que o ex-presidente e aliados esperavam utilizar o caos como justificativa para decretar estado de sítio e acelerar a guinada autoritária promovida pelo seu governo. Nesse sentido, está mais próxima de ações autoritárias contemporâneas de outros países, particularmente como a invasão ao Capitólio por apoiadores de Trump (Donald, ex-presidente) nos Estados Unidos”, explicou.

Ludolf disse, ainda, que de modo geral, o autoritarismo bolsonarista, assim como em outros países que atualmente são governados por grupos de extrema direita (por exemplo, os governos de Putin na Rússia, Orbán na Hungria e Duda, na Polônia) se baseou numa gradual corrosão das instituições democráticas, de modo a dar um verniz de legalidade para a escalada autoritária e evitar rupturas drásticas, fazendo com que após a derrota eleitoral, os bolsonaristas buscassem uma última e desesperada cartada para continuar no poder e manter seu projeto político.

“O golpe de 1964, bem como a ditadura militar, foram mobilizados de maneiras muito distintas por diferentes grupos políticos na sociedade brasileira. A esquerda, de maneira geral, sempre teve uma memória bastante crítica do golpe, uma vez que foi perseguida durante esse período e não houve um processo de transição que permitisse a superação do legado autoritário. Para a direita, a memória do golpe e do regime militar apresentou variações significativas dependendo dos atores e do momento histórico. Nos anos iniciais da nossa democracia contemporânea, por exemplo, muitos políticos e outros atores desse campo, inclusive, evitavam se identificar como de direita por receio de serem associados ao golpe e à ditadura”, destacou Waldmann.

O especialista disse, também, que os únicos grupos que defendiam abertamente o golpe e a ditadura eram associações de militares da reserva de extrema direita, geralmente ligadas ao antigo aparato de repressão, mas explica que, com o tempo, essa visão foi mudando, em parte, diante da decepção em relação às medidas tomadas pelos diversos governos no regime democrático, como por exemplo, em relação à segurança pública, crises econômicas e corrupção.

“Isso foi levando a um certo revisionismo da memória do golpe e da ditadura, que ganhou grande força a partir da década passada, em especial a partir de 2013, quando os chamados grupos da “nova direita” ganharam grande expressão e resgataram uma memória positiva do período autoritário”, enfatizou.

Sem inspiração em 1964

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(Foto: Arquivo Pessoal)

Para Carlos Barros, professor, cientista político e advogado, o movimento bolsonarista registrado após a disputa eleitoral de 2022 não tem inspiração alguma no golpe de 1964.

“Primeiro é bom esclarecer: depredar patrimônio público é injustificável em qualquer situação. No mais, golpe sem armas, em um domingo, em prédios vazios é crime impossível na melhor interpretação jurídica. Lamentavelmente algumas imagens importantes sumiram, e há dúvidas genuínas sobre o ocorrido que poderiam ser esclarecidas com estas imagens. Por fim, não vejo um movimento bolsonarista neste tópico, envolvimento do ex-presidente, muito menos inspiração em 1964”, afirmou.

De acordo com o advogado, as pessoas estavam preocupadas com a lisura do processo eleitoral e isso é possível se observar ao ler as faixas que os manifestantes exibiam durante o período que estiveram acampados na frente dos quartéis do Exército.

“As pessoas estavam preocupadas com lisura eleitoral. É só ler as faixas. Hoje, nem se pode falar nisso, sob o risco de ser taxado de antidemocrático e ser visitado pelas autoridades. Em uma democracia – pelo menos uma real e não relativa – não deveria ser lícito a qualquer cidadão questionar o Estado e as autoridades públicas?”, contestou Carlos.

Sobre a sua visão de como o golpe militar é lembrado e debatido na sociedade, o professor defende que é visto de forma equivocada.

“É lembrado de forma equivocada, geralmente ligado a combate ao comunismo ou sendo um movimento de direita. O regime militar instituído em 1964 teve inspiração no ideário positivista, do ponto de vista ideológico, e contou com apoio do Congresso, na sessão da madrugada de 2 de abril de 1964, que declarou vaga a Presidência da República, empossando Ranieri Mazzilli. O direitista Carlos Lacerda era franco favorito a vencer as eleições presidenciais que ocorreriam em  outubro de 1965, fato ‘esquecido’ geralmente, como também a constituição da Frente Ampla em 1966, com apoio de João Goulart, mas criticada pela esquerda. Quando veio a redemocratização, e acabou o bipartidarismo, só existiam partidos de esquerda. Estranho para uma “ditadura de direita”, não acha?”, argumentou o advogado.

Esperança de ganhar no voto

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(Foto: Arquivo Pessoal)

O professor, pesquisador, analista político e administrador de empresas, Afrânio Soares, também não vê o golpe da década de sessenta como uma inspiração para o movimento bolsonarista, uma vez que não houve uma tomada de poder e pelo motivo do movimento ainda querer ganhar por meio do voto, segundo ele.

“Esse movimento (bolsonarista) não considera que houve um golpe em 1964, e sim uma revolução militar, como era o pensamento na época da ditadura na qual  havia uma negação. Se eles tinham essa intenção em janeiro do ano passado, ela não foi bem-sucedida. Em relação ao golpe de 64, a maioria dos brasileiros tem consciência de que houve de fato um golpe militar”, frisou.

Na visão do empresário, a intenção de pelo menos algumas pessoas ligadas à direita era, sim, de chegar a um limite extremo, o que não foi exitoso, por falta de apoio total das Forças Armadas.

História

O golpe militar foi realizado no governo do presidente João Goulart e foi articulado no dia 31 de março, iniciando-se uma rebelião militar que se estendeu até o dia 9 de abril, no dia em que foi publicado o Ato Institucional nº 1 (AI-1).

As elites na época estavam insatisfeitas com o governo devido a projetos realizados, como ‘Reformadas de Base’ e outros. O golpe contou com a ajuda dos Estados Unidos, que viam a política de João Goulart longe de atender aos interesses americanos.

Logo após a deposição de Goulart, o golpe foi oficializado e, pouco tempo depois, marechal Humberto Castello Branco foi escolhido como presidente por meio de eleição indireta. O período se estendeu até o ano de 1985, ou seja, durou 21 anos.

O golpe se concretizou especificamente porque existiam tensões na sociedade e na política brasileira, além dos choques de interesses entre o governo e a elite econômica do país que era aliada aos militares.

A situação no país ficou mais grave, uma vez que João Goulart perdia apoio político e dois polos da política passavam por uma radicalização. O golpe se iniciou no dia 31 de março de 1964 com uma rebelião que tinha como líder Olímpio Mourão Filho, que comandava a 4ª Região Militar em Juiz de Fora, Minas Gerais.

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