Manaus, 2 de maio de 2024
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Manaus, 2 de maio de 2024

Economia

Governo e sindicato divergem sobre regras no transporte por aplicativo

No STF, os ministros discutem se existe vínculo empregatício entre "motoristas de aplicativo” e empresa criadora e administradora da plataforma digital.

Governo e sindicato divergem sobre regras no transporte por aplicativo

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Manaus (AM) – O Projeto de Lei (PL) apresentado pelo governo Lula (PT) para regulamentar o serviço de transporte por aplicativo é consenso entre trabalhadores, mas não foi bem aceito pela Federação Brasileira de Motoristas de Aplicativos (Fembrapp). Um dos pontos questionados pela Federação é que os motoristas devem ser pagos por hora e não mais por quilômetro rodado e tempo de viagem.

“O pagamento por hora não leva em conta as variações de demanda, não existe ganho real em pagamentos por hora em corridas, os ganhos precisam levar em conta o quilômetro rodado e tempo, trânsito, distância e tempo de espera, que são fatores que influenciam diretamente na renda dos trabalhadores. Além disso, o pagamento por hora pode incentivar a jornada excessiva e a exposição a riscos de acidentes e violência, bem como manipulação do algoritmo limitando os ganhos dos motoristas”, diz a nota oficial.

Entre os principais pontos da proposta, estão a criação de uma remuneração mínima por hora trabalhada aos motoristas e a fixação de uma jornada máxima de 12 horas diárias numa mesma plataforma.

A proposta também estabelece remuneração mínima proporcional ao salário mínimo, fixada em R$ 32,10 por hora trabalhada. No valor, estão R$ 8,03 de retribuição pelos serviços prestados e R$ 24,07 de ressarcimento pelos custos do trabalhador na prestação do serviço. Os valores serão reajustados mediante a valorização do salário mínimo.

Para o governo, o PL cria um mecanismo de inclusão previdenciária dos motoristas, que passarão a ser enquadrados como contribuintes individuais para fins previdenciários. O texto pretende instituir contribuições previdenciárias dos motoristas e das empresas operadoras de aplicativos, equivalentes a 7,5% (motoristas) e a 20% (empresas) do salário de contribuição.

As operadoras ficarão responsáveis pelo recolhimento das contribuições, não só as que estão a cargo delas, mas também as dos motoristas. Este ponto também é criticado pelo presidente da Associação de Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Amasp), Eduardo Lima de Souza.

“O formato que a Uber e governo acordaram isso não paga as nossas contas. Temos experiências em outros países. A partir do momento que se fixa um preço mínimo por hora, as empresas vão trabalhar para você ganhar aquilo por hora. Nós somos adeptos à livre escolha dos motoristas. Se ele quiser contribuir nesse formato, ok. Se ele quiser contribuir no formato MEI, ok também. Nós somos a favor disso, do direito de escolha”, afirmou ao “Isto é Dinheiro”.

Direitos previdenciários

Outros pontos importantes determinam que as mulheres terão acesso aos direitos previdenciários previstos no Auxílio Maternidade aos segurados do INSS.

Presidente do Sindicato de Motoristas em Aplicativo do Estado de São Paulo, Leandro Medeiros disse ser favorável à proposta que, segundo ele, é só um primeiro passo. Segundo Leandro, o próximo passo é trabalhar para que os motoristas tenham acesso a uma linha de crédito especial que os permita adquirir carros novos para trabalhar.

“Nosso trabalhador está trabalhando com um carro sucateado, não tem condições de trocar o veículo. Precisamos rever um projeto aqui, juntos, uma linha de crédito para esses trabalhadores. Hoje nossos trabalhadores estão reféns de locadoras de veículos. São 750 mil motoristas na mão de locadoras de veículos”, disse.

O que dizem os motoristas

Há quase sete anos trabalhando com transporte por aplicativo, Dora Nepomuceno, de 51 anos, disse acreditar que a regulamentação vai valorizar o trabalho, uma vez que as empresas retiram um valor alto de cada corrida e cita outros pontos que deveriam ser modificados.

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(Foto: Arquivo Pessoal)

“Hoje tem corridas que a plataforma chega a tirar 40% de percentual para ela, a questão de participação de renda e lucros da empresa, e alguns parceiros também acham que seria muito bom se fossemos autônomos vinculados, com mais alguns direitos em que as plataformas teriam que nos cobrir, como já existe em alguns países como Espanha e a França”, disse.

Dora explica que trabalha como motorista de aplicativo pelo fato de ser autônoma, ter liberdade de horário e o que ganha, nenhuma empresa vai pagar com a escolaridade que tem. “Amo dirigir e amo trabalhar com atendimento ao público”, mas a atividade também tem seus perigos como conta a motorista.

“É assédio moral, assédio sexual e até agressão física e verbal”, disse Dora, que também conta com ao apoio dos colegas. Temos uma rede de apoio com mais de 5 mil motoristas espalhados na cidade de Manaus, onde fazemos um acompanhamento tanto com localização em tempo real como comunicação em tempo real”, disse.

Veja a proposta

  • Jornada de 8 horas- mas pode a 12 horas, se houver acordo coletivo;
  • Salário mínimo de R$ 32,09 por hora trabalhada. R$ 8,02 relativos ao trabalho e R$ 24,07 referente a custos do motorista;
  • Reajuste anual – percentual igual ou superior ao salário mínimo;
  • Sem exclusividade – motorista pode trabalhar e mais de uma empresa;
  • Sindicatos – categoria será criada para trabalhadores e patrões;
  • Suspensão e exclusão de motoristas – serão criadas diretrizes para excluir trabalhadores do aplicativo;
  • Previdência – trabalhador pagará 7% sobre o salário de contribuição e 25% da renda bruta e empresa pagará 20%

Por fim, o PL também vai determinar diretrizes para as empresas. Elas terão direito de:

  • Adotar normas e medidas para garantir a segurança da plataforma, dos trabalhadores e dos usuários, para coibir fraudes, abusos ou mau uso da plataforma, observadas as regras previamente estipuladas;
  • Adotar normas e medidas para manter a qualidade dos serviços prestados, inclusive suspensões, bloqueios e exclusões, observadas as regras previamente estipuladas;
  • Utilizar de sistemas de acompanhamento em tempo real da execução dos serviços e dos trajetos realizados; de sistemas de avaliação de trabalhadores e de usuários;
  • Ofertar cursos ou treinamentos, benefícios e incentivos aos trabalhadores, de natureza monetária ou não, ainda que de caráter continuado.

O que diz a Uber

Ao Portal AM1, a Uber disse que considera a proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho Tripartite do governo federal como um importante marco visando a uma regulamentação equilibrada do trabalho intermediado por plataformas.

“O projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos para geração de renda. A empresa valoriza o processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros.”

A empresa informou, ainda, que seguirá acompanhando a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional, quando seu debate ganha a participação de parlamentares e de toda a sociedade, sempre permanecendo à disposição para contribuir com o diálogo e o entendimento que serão cruciais nas próximas etapas até a implementação da nova legislação.

Por fim, a Uber reafirma seu compromisso em seguir buscando, de forma sempre equilibrada, melhorias para os milhões de brasileiros que encontraram no aplicativo novas formas de mobilidade e de geração de renda.

Contra a urgência

O coordenador da Frente Parlamentar dos Motoristas de Aplicativos, deputado Daniel Agrobom (PL-GO), disse em suas redes sociais que vai analisar o projeto, mas que é contrário à urgência na análise.

“Eles [o governo] gastaram um ano para analisar o projeto, discutir. E nós, parlamentares, não podemos ter somente 45 dias para analisar, discutir e aprovar”, argumentou o parlamentar.

Daniel Agrobom é autor de um projeto que regulamenta a profissão e estabelece outra metodologia de remuneração mínima (PL 536/24). Pelo texto, enquanto esse cálculo não for aprovado localmente, o motorista teria que receber R$ 1,80 por quilômetro rodado e R$ 0,40 por minuto.

No Supremo

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem decidir se existe vínculo empregatício entre “motoristas de aplicativo” e empresa criadora e administradora da plataforma digital. Em deliberação unânime do Plenário Virtual, foi reconhecido que a matéria tem repercussão geral, ou seja, é relevante do ponto de vista social, jurídico e econômico e ultrapassa os interesses das partes envolvidas no processo.

A questão é tratada no Recurso Extraordinário (RE) 1446336 (Tema 1291), apresentado ao STF pela plataforma Uber, que narra existirem mais de 10 mil processos sobre tema tramitando nas diversas instâncias da Justiça do Trabalho.

 

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