Manaus, 4 de maio de 2024
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Cidades

Guarda Municipal armada pode criar falsa sensação de segurança para a população

A prefeitura transparece como se fosse uma solução mágica, porém, o poder de atuação dela não pode seguir as falas do próprio prefeito.

Guarda Municipal armada pode criar falsa sensação de segurança para a população

Foto reprodução

Seguindo a linha de que ‘não se deve dar moleza para bandido e vagabundo’, a Prefeitura de Manaus continua com ações para armar e aumentar o poderio de fogo da Guarda Municipal.

Desde a revolta do prefeito David Almeida, em junho de 2021, quando ataques criminosos comandados por facções criminosas em Manaus tomaram conta da cidade, a Guarda Municipal está sob remodelação e os trabalhos para que os agentes atuem com armas de fogo, em serviço e de folga, estão ficando mais intensos.

Na última segunda-feira (4), o secretário Sérgio Fontes, titular da pasta de Segurança Pública Municipal assinou um Acordo de Cooperação Técnica (ACT), com a Polícia Federal para garantir o porte funcional da arma de fogo para a instituição.

O documento foi assinado, com teor de celebração, pelo prefeito David Almeida (Avante), pelo secretário de segurança Sérgio Fontes e pelo superintendente da Polícia Federal Leandro Almada.

Durante o ato de assinatura, o prefeito disse que a Guarda Municipal não pode cumprir a sua missão pois a criminalidade está melhor equipada.

“Hoje a nossa guarda não pode exercer aquilo que é a sua missão, que é a defesa do patrimônio público e do cidadão. E ela não pode fazer isso porque a criminalidade está melhor equipada”, disse o chefe do Executivo municipal.

Sérgio Fontes, que possui vasta experiência no âmbito da segurança pública, passando por funções como superintendente da PF no Amazonas e secretário de segurança pública do estado, afirmou que o momento é histórico para o Executivo municipal.

“O armamento da guarda é uma promessa de campanha do prefeito que agora está sendo cumprida, mas, mais do que isso, ela é um marco na história dessa guarda, que tem 72 anos, mas que agora, de fato, está iniciando o seu trabalho. Esse acordo vem para mudar a forma como a guarda é vista pela população, já que ela passa a atuar como um braço amigo da segurança pública”, disse o secretário Fontes.

Entrega de armamentos para a Guarda Municipal

A postura de David em relação ao armamento da guarda ficou clara em seu discurso no ano passado, quando disse em tom incisivo que há “necessidade de mais segurança pública”.

O problema é que a estrutura regimentar da Guarda não dá a legitimidade necessária para tal ação. Segundo a própria prefeitura.

O site, com as informações pertinentes à instituição diz quais são as suas competências e atuações. (https://casamilitar.manaus.am.gov.br/sobre-a-guarda-municipal/), o Artº 4º fala sobre as principais competências da guarda, e acaba se desencontrando com a postura, de repressão a criminalidade, do prefeito.

‘Proteção de bens, serviços [..] públicos municipais e instalações do município’, o texto explicita a real função da guarda, que seria o zelo somente pelas estruturas do âmbito municipal.

A Guarda Municipal chegou a realizar um TAF (Teste de Aptidão Física), que é um requisito das polícias e forças militares para manter a excelência do trabalho em relação à condição física dos seus agentes.

O exame se deu para filtrar os guardas que participarão da nova turma de formação da guarda.

Bom demais para ser verdade

O cientista político Helson Ribeiro afirmou que a postura do atual prefeito se caracteriza um discurso eleitoreiro, pois vai ao encontro com uma necessidade real e uma solução não tão efetiva.

“Durante a campanha, o prefeito de Manaus enveredou o discurso da segurança pública, pois o tema ainda aflige a população de todo o Brasil. A população ainda padece com a violência na cidade e o combate ao crime tem grande aceitação na população”, analisou o especialista.

A população acaba recebendo muito bem a informação, pois acredita que a segurança realmente pode aumentar nas áreas em que a Guarda atua.

A equipe de reportagem do AM1 procurou ouvir a população e também especialistas no âmbito da segurança.

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O cozinheiro Fabiano Félix, 37, acredita que a guarda armada poderia ser uma boa opção, principalmente nos terminais e coletivos. “A guarda civil metropolitana armada seria uma boa, pois ia ter mais segurança para a população”, disse o usuário de transporte público.

Outra questão que também é abordada no assunto seria a real efetividade do uso de armas de fogo pela Guarda, levando em conta que a sua área de atuação seria a resguarda do patrimônio público do município.

Para o instrutor de Armamento e Tiro da Juliet Papa, João Paulo, a ideia do uso das armas exige uma efetividade no treinamento.

 “Não existe um tempo máximo ou tempo mínimo, como instrutor, passamos as informações que julgamos serem necessárias. Não tem como uma instituição definir o tempo, mas sim buscar a efetividade no que for passado”, afirmou o especialista em treinamento com armas de fogo.

Jota, instrutor de tiro da Juliet Papa

A psicóloga Nataly Oliveria enxerga a situação por um campo mental, no qual a instituição precisa fornecer o amparo total ao agente, pois o contato com a arma de fogo necessita de um preparo físico, técnico e emocional.

“É impossível não associar o uso da arma de fogo com a saúde mental, pois o uso em combate pode vir a abalar a estrutura emocional de uma pessoa. Os agentes que usarão as armas estão com o preparo e aptidão psicológica para tal serviço? Essa é uma das principais perguntas que devemos fazer”, ressaltou a psicóloga.

Posições

A falta de comunicação por parte da prefeitura e das secretarias competentes deixa em aberto questionamentos como: caso o agente não passe nos filtros necessários para a habilitação no uso da arma de fogo, o que acontecerá com ele?

E principalmente: como seriam os procedimentos cabíveis no caso de uma ação da GMM semelhante ao da Polícia Militar, como num assalto, por exemplo?

O prefeito David Almeida segue com a postura de que a guarda armada terá permissão para ‘derrubar’ e de que “vagabundo merece ser tratado como vagabundo”, como afirmou na entrevista coletiva de 2021.

“Vamos armar a guarda pela necessidade de ter uma segurança pública. Vou dar um exemplo: eu tinha três guardas municipais na Bola das Letras, chegaram três marginais, bandidos, vagabundos e os guardas ficaram assistindo eles tocarem fogo no local. Se eles tivessem armamento eles poderiam derrubar esses vagabundos, para servir de exemplo para todos. Eu sou do bairro Morro da Liberdade e para bandido e vagabundo não se pode dar moleza. Se eu puder dar arma, chicote, chibata eu vou dar para eles prenderem esses vagabundos”, disse

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O investimento milionário por parte da Prefeitura de Manaus na aquisição das armas de fogo, munições e equipamentos está acontecendo, e novamente, o Executivo se pondo em contradição; mas o cerne da discussão ainda continua sem resposta. A GMM irá proteger o cidadão manauara ou as estruturas da cidade?

Sem resposta

Indagado sobre a efetividade do armamento da Guarda e também sobre as ações pertinentes, o secretário Sérgio Fontes respondeu à equipe de reportagem, mas apagou a resposta, conforme mostra o print abaixo.

Print da conversa com o secretário Sérgio Fontes

A demanda enviada para a Secretaria Municipal de Segurança Pública (Semseg) foi encaminhada, a pedido, para a Secretaria de Comunicação. E até o momento, não a equipe de reportagem não obteve retorno.

Print da demanda feita

A falta de comunicação por parte da prefeitura e das secretarias competentes deixa em aberto perguntas feitas pela equipe.

O prefeito David Almeida anunciou, em novembro de 2020, que um concurso público para a Guarda Municipal iria acontecer neste ano. Até o momento, no entanto, a promessa não foi realizada.

O espaço para o posicionamento do Executivo municipal segue aberto.