Manaus, 26 de abril de 2024
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Cenário

Especialistas garantem: armar a Guarda Municipal não é solução mágica

A proposta de armar a guarda é defendida por David desde a campanha eleitoral, mas até agora nenhum plano de capacitação foi apresentado

Especialistas garantem: armar a Guarda Municipal não é solução mágica

MANAUS (AM) – Com o aumento da criminalidade e a onda de casos de vandalismo que ocorreram no mês de junho na capital amazonense, figuras da política começaram a se articular para armar a Guarda Municipal de Manaus. O ponta pé da proposta foi feito pelo prefeito de Manaus, David Almeida (Avante) que acredita no armamento para diminuir os casos de violência em Manaus. Porém, sem plano de treinamento eficaz para o efetivo, a iniciativa até o momento não se encaixa com a realidade, conforme especilaistas ouvidos pelo Portal Amazonas 1.

Atualmente, a Prefeitura de Manaus possui um efetivo de apenas 425 guardas municipais, segundo os dados da Casa Militar. Conforme prevê a legislação municipal n° 1.421, a atuação do efetivo limita-se à proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do município, porém os guardas não possuem competência de atuar com poder de polícia.

As propostas de armar a guarda municipal começaram a ganhar celeridade na Assembleia Legislativa de Manaus e na Câmara Municipal de Manaus após os ataques de violência que a capital registrou nos dias 6 e 7 de junho. David Almeida chegou a prometer ainda que enviaria uma mensagem com a proposta de criação da Secretaria Municipal de Defesa Social. Além disso, o projeto também visa autorizar que a prefeitura possa armar a Guarda Municipal. Mas, até o fechamento desta matéria a proposta ainda não recebeu a mensagem, segundo o SAPL.

Inconstitucional

Foto: Ruan Souza / Semcom

Na última quarta-feira (16), a PEC nº 03/2021, que altera o disposto no parágrafo 5º, artigo 125, da Constituição do Estado do Amazonas, retirando a restrição do porte de arma de fogo para os guardas municipais e a PEC nº 04/2021, que trata do treinamento, capacitação e utilização de armas de fogo e inclui as guardas municipais no rol dos órgãos integrantes do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e instituindo guardas municipais nos municípios do Amazonas, foram aprovadas na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), mas restringindo a competência do efetivo, assim os agentes continuam sem patrulhamento ostensivo.

Segundo o advogado e especialista em direito constitucional, Bernando Seixas, as propostas podem apresentar um conflito de poderes, o que ocasiona em um ato inconstitucional.

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“As propostas me causam uma certa estranheza, a Assembleia Legislativa é uma casa que regimenta o Estado. As guardas municipais são competência das Prefeituras dos municípios. Portanto, elas não poderão obrigar a implantação do efetivo, somente recomendar e a recomendação ficará optativa para cada Executivo municipal. Ou seja, poderão escolher ou não instaurar guardas municipais”.

Segundo o Estatuto do Desarmamento, o porte de arma de fogo pela Guarda Municipal foi liberado em municípios com mais de 500 mil habitantes e naqueles que têm entre 50 mil e 500 mil habitantes, quando em serviço.

Capacitação

Foto: Altemar Alcântara / Semcom

Atualmente os guardas municipais recebem capacitação prática e teórica de defesa pessoal e comunicação via rádio. No entanto, para armar os guardas a prefeitura precisar apresentar um plano maior de capacitação e qualificação do efetivo. Segundo o coronel e especialista em segurança pública, Walter Cruz, o Executivo precisa preparar um orçamento consciente para que os agentes sejam capacitados de forma qualificada.

“Não há como colocar um teto de gastos, mas vale lembrar que políticas públicas voltadas para a segurança não são baratas. A guarda municipal é fundamental para a população, apesar de ter sido deixada de lado por muito tempo. Por isso, é necessário que os agentes tenham um amplo treinamento e preparo para receber o porte de armas”, destacou.

Walter também explicou que a capacitação recomendada para os agentes deve ter duração de seis a dez meses, com treinamento de 100 tiros, local aquedado e treinamento de conflitos e planejamento de inteligência. Além de manter a reciclagem do efetivo.

“A Prefeitura precisa investir em reciclagem. Não podemos capacitar os agentes apenas uma única vez. A Guarda precisa ser treinada com frequência, para que esteja sempre preparada. Vale lembrar que o treinamento não descarta o preparo para o armamento não letal, cada armamento possui sua finalidade e deve ser usada em uma ocasião especifica”, afirmou Cruz.

Regimento Interno

Foto: Divulgação

Apesar de atuar com a competência de proteger bens públicos há 72 anos, a Guarda Municipal ainda não possui um estatuto próprio, o que pode apresentar conflitos na hora de implantar o armamento na pasta, conforme explicou Seixas.

“O estatuto próprio é fundamental para que todo o efetivo entenda quais seus deveres e direitos, bem como suas competências e os limites das suas ações. Além de regulamentar o órgão. Em um momento como este, que se implanta o armamento, a ausência do estatuto pode ser prejudicial”, enfatizou o especialista.

“Há 72 anos a guarda municipal vem atuando para assegurar a preservação do patrimônio público, bem como a ordem e zelo nos logradouros municipais. Na gestão do prefeito David Almeida, estamos empenhados em reformular a guarda e torná-la uma referência nacional. Já estamos elaborando o Estatuto da Guarda Municipal, bem como o Plano de Cargos e Carreiras, para dar celeridade ao processo de armamento dos agentes estatutários”, defendeu o secretário municipal da Casa Militar, tenente William Dias.

Comportamento

Fotos: Marcely Gomes / Semcom
Ruan Souza / Semcom

Na última quinta-feira (17), durante entrevista coletiva o Prefeito de Manaus, David Almeida (Avante) afirmou que pretende armar o efetivo para que bandido não seja tratado como cidadão e sim como vagabundo.

Questionado por jornalistas qual a necessidade de armar a guarda municipal, David se desestabilizou e justificou que a medida irá fortalecer a segurança pública da capital.

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“Vamos armar a guarda pela necessidade de ter uma segurança pública. Vou dar um exemplo, eu tinha três guardas municipais na Bola das Letras, chegaram três marginais, bandidos, vagabundos e os guardas ficaram assistindo eles tocarem fogo no local. Se eles tivessem armamento eles poderiam derrubar esses vagabundos, para servir de exemplo para todos. Eu sou do bairro Morro da Liberdade e para bandido e vagabundo não se pode dar moleza. Se eu puder dar arma, chicote, chibata eu vou dar para eles prenderem esses vagabundos”, disse.

Percebendo seu desequilíbrio, David tentou se desculpar com a jornalista, mas acabou se complicando ainda mais.  “Desculpa, mas é porque vagabundo ninguém pode tratar como ser humano, quer dizer, como ser humano não, cidadão. Tem que tratar como ser humano, mas também como vagabundo”, declarou o prefeito.

Para o cientista político Helso do Carmo, as falas do prefeito de Manaus soam como um discurso eleitoreiro, uma vez que a segurança pública ainda é um problema da capital amazonense.

“Durante a campanha, o prefeito de Manaus enveredou o discurso da segurança pública, pois o tema ainda aflige a população de todo o Brasil. A população ainda padece com a violência na cidade e o combate ao crime tem grande aceitação na população. Acredito, que dar uma arma a alguém tem um custo alto. Somos o país em que a polícia mais mata e também mais morre, é uma triste estatística. Logo, a medida exige uma capacitação qualificada”, analisou o especialista.