Manaus, 17 de maio de 2024
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Manaus, 17 de maio de 2024

Cidades

Indígenas relatam falta de assistência médica durante a pandemia no AM

Mais de 15,5 mil indígenas foram infectados com a covid-19, no Amazonas. E, desses, 280 morreram em um ano de pandemia, segundo dados da FVS-AM

Indígenas relatam falta de assistência médica durante a pandemia no AM

Foto: Arquivo Pessoal Kamila Mura /Elenir Tikuna

Amazonas – Em ano de pandemia provocada pelo novo coronavírus, os povos indígenas também foram bastante afetados com a infecção pelo vírus, bem como no caso das mortes de indígenas provocadas pela covid-19.

Desde o início da pandemia, em março de 2020, 15.544 casos de indígenas foram registrados no Amazonas. Além disso, 280 índios morreram por conta da doença. Desses casos, 6.259 foram registrados em 2021.

Os dados são da Fundação de Vigilância e Saúde (FVS-AM), atualizados até o dia 21 de março deste ano.

Entre os municípios que registraram mais casos, estão: São Gabriel da Cachoeira, com 4.895 casos; Atalaia do Norte, com 944; Santo Antônio dom Içá,  com 795; Barcelos, com 792; São Paulo de Olivença, com 753 e Tabatinga, com 619 casos.

Embora os sete municípios tenham tido o maior número de casos, os óbitos ocorreram em sua maior parte em São Gabriel da Cachoeira, com 96 mortos, seguidos de Manaus, com 29 mortos e Barcelos, com 20.

Para a presidente do Instituto de Apoio aos Povos Originários da Amazônia (Iapoam), a indígena Kamila Katusawa Mura, que conversou com a equipe do Portal AM1  os indígenas precisam receber atendimentos de saúde, principalmente na pandemia da covid-19.

“A covid-19 trouxe um impacto muito grande para os povos indígenas. São 520 anos de resistência dos povos e a gente ainda não tem uma saúde 100%. Eu creio que o Brasil e o Amazonas vêm sofrendo esse impacto, porque tem pessoas que não entendem da gestão e de como se desenvolve um atendimento em saúde,  principalmente quanto à indígena, que vem se tornando bem grave, em nível municipal, em Manaus, porque nunca existiu uma área de atendimento específico para os indígenas que moram na capital”, disse Kamila Katusawa Mura.

Segundo ela, só na capital, há mais de 90 mil indígenas que necessitam de tratamento especializado e também da vacina contra a covid-19. “Hoje, tem mais de  58 aldeias e mais de 90 mil que moram aqui, inclusive a gente ainda não recebeu a vacina, só quem está tendo essa visibilidade são as aldeias, que são demarcadas e os municípios do Amazonas, e muitos deles ainda não receberam a vacina!”, enfatiza Kamila.

Cacique e tuxauas em reunião para definir a inclusão da saúde indígena do Amazonas/ Foto: Kamila Mura

Foto: Kamila MuraKamila Katusawa

Kamila Katusawa defende que a saúde indígena deve ser prioridade e, após sete anos de busca, o Iapoam conseguiu um prédio para instalações de uma unidade de atendimento, que segundo ela, recebeu o local vazio e tem trabalhado para colocar em funcionamento novamente.

“Estávamos lutando há mais de sete anos por uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e nós recebemos essa unidade indígena. Nós imaginávamos que ela estava organizada, mas não, ela estava toda suja e estamos recolhendo doações de materiais para limpeza, higiene e material de construção para tentar organizar. Já fiz pedido para o Dsei, Sesai e Casai, três órgãos que cuidam da saúde indígena para ativar a UBS, mas não tivemos retorno”, comentou a indígena.

 

Unidade disponibilizada para atendimento indígena em Manaus - Foto: divulgação / Kamila

Unidade disponibilizada para atendimento indígena em Manaus – Foto: divulgação / Kamila

Ela também disse que se não houver uma atenção maior à saúde dos indígenas, a cultura pode desaparecer. “Queremos atendimento básico, agentes de saúde que possam visitar as comunidades indígenas. Imagina, hoje, no século 21, nós termos essas mortes dos povos indígenas, nossa cultura vai morrer. É preciso que o poder público tenha visibilidade com o cidadão amazonense, mas prioridades com os povos indígenas. Já tivemos etnias extintas aqui em Manaus. Tem muitos parentes até sofrendo depressão e cometendo suicídio!”, relata Kamila Mura.

Outro relato feito pela indígena é quanto o preconceito com os índios, principalmente nos atendimentos em locais de serviços públicos. “Os povos indígenas precisam de saúde e também combater o preconceito ao chegar nos prontos-socorros e , infelizmente, não tem quem atenda especificamente o índio. Já imaginou um indígena que não fala português e chega, por exemplo, no João Lúcio? Não tem ninguém por ele, então deixa ele aí!”, disse ela sobre seus parentes sofrerem preconceitos no atendimento público.

A sede do Iapoam funciona na rua Saldanha Marinho, no Centro de Manaus, no prédio da Antiga Escola Saldanha Marinho, com atendimentos nas áreas da dança, música, grafismo, comidas e artesanato indígena, além de atendimentos específicos aos povos indígenas.

Equipe de saúde indígena das etnias Mura, Satere Mawe e Kokama - Foto: Kamila Mura

Equipe de saúde indígena das etnias Mura, Satere Mawe e Kokama – Foto: Kamila Mura

Já a indígena Elenir Tikuna sofreu na “pele” a doença provocada pelo coronavírus. Ela foi infectada e diz que até hoje sofre com as sequelas da doença. Elenir  contou que é difícil ser índio na cidade de Manaus, e a situação piora ao contrair a covid-19.

“Para mim, foi muito difícil, pois quando você chega na cidade não tem assistência, mesmo que a lei determine uma saúde diferenciada, quando você chega aqui, você não é mais índio [..] quando a gente busca os órgãos de saúde indígena eles dizem que não temos mais direitos”, comentou ela.

Elenir Tikuna disse, ainda, que na sua comunidade houve morte de um índio e os moradores é quem retiraram o corpo de dentro da comunidade. Ela também criticou o atendimento diferenciado dado aos venezuelanos, que segundo ela, os índios não têm a mesma prioridade.

“Teve um senhor que morreu de covid-19 e nós chamamos os órgãos e eles não vieram. A comunidade teve que fazer uma “cotinha” para tirar ele de lá. Mas você vê os venezuelanos, eles vêm da Venezuela e continuam sendo venezuelanos. Eles têm uma recepção rápida para tirar um documento e ser encaminhado para médico, mas o índio não, o índio deixa de ser índio quando chega em Manaus”, criticou a indígena.

Elenir disse que não só ela se sente abandonada, na questão da saúde, mas todas as comunidades indígenas instaladas em Manaus, principalmente na pandemia.

“Nas aldeias não tem trabalho, então a gente vem para Manaus e, na covid, ficou mais complicado ainda, porque não há como trabalhar, não tem assistência e não é só com a minha etnia, são com todas as outras. Quando a gente chega na UPA ou na Casinha da Saúde, o que ouvimos é que não fazemos parte da área de atendimento deles. Então, fica difícil com essa covid, foi horrível para a gente!”, relatou Elenir.

Indígena em tratamento da covid-19 - Foto: Arquivo Pessoal / Kamila

Indígena em tratamento da covid-19 – Foto: Arquivo Pessoal / Kamila

O Portal Amazonas1 entrou em contato com o Distrito Sanitário Especial Indígena de Manaus (DSEI), a fim de verificar quais são os atendimentos disponibilizados aos indígenas e sobre a denúncia de falta de assistência na pandemia, pelo telefone (92-3625-5578), disponibilizado na Fanpage do órgão, mas não obteve êxito. O espaço fica aberto para quaisquer esclarecimentos futuros.