Manaus, 4 de maio de 2024
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Cultura

Livraria Nacional completa 48 anos de compromisso e resistência

Livraria Nacional chega aos 48 anos com a fama de "a mais completa de Manaus"

Livraria Nacional completa 48 anos de compromisso e resistência

O livreiro José Maria Mendes há 48 anos na linha de frente da Livraria Nacional (Foto: Antônio Mendes/AM1)

MANAUS – Aos 48 anos de atividades em Manaus, a Livraria Nacional tem cara e voz. José Maria Mendes, incansável, junto aos irmãos João Batista e Paulo Roberto representam o sonho de fazer de uma paixão pessoal um negócio e, desse negócio, realizar o sonho de outras pessoas.

Pioneiros, inovadores e corajosos, os irmãos Mendes ajudaram, nessas quase cinco décadas, a formar uma boa parte da comunidade acadêmica amazonense.

Hábil nas palavras e nos negócios, José Maria Mendes iniciou sua vida de livreiro ainda na adolescência ao se empregar na Livraria Dom Quixote, na cidade de Belém.

Os primeiros passos da Livraria Nacional

Mas é aos 24 anos, já em Manaus, que o livreiro dá forma a sua mais duradoura e prazerosa atividade, quando em 17 de março de 1975, abre em um antigo prédio na rua Alexandre Amorim, bairro da Aparecida, a primeira sede da Livraria Nacional.

“Nós começamos graças a um esforço dos engenheiros e arquitetos que existiam em Manaus e que eu, como vendedor de livros, visitava quase que diariamente. Então, eles depositaram em nosso Livro de Ouro uma quantia em dinheiro, que depois seria retirada em livros, quando eu retornasse de uma viagem a São Paulo que era a minha proposta inicial”, relatou.

Segundo Mendes, o acervo começou de forma modesta. “Inauguramos com duas estantes de livros, a maioria deles emprestados pela Livraria Sete, para que eu fizesse uma estante bonita. Um ano depois, passamos a ocupar um prédio na 10 de Julho, onde ficamos até 1988”, relembra o livreiro.

Novos ares

De acordo com Mendes, esse foi o período de consolidação da Nacional e de uma renovação no mercado e nos leitores.

“À época, tínhamos a recém-lançada Constituição, então, a ânsia pela leitura, principalmente do livro ideológico, era muito profunda e muito disseminada. Nós chegamos a trazer todas as obras de Karl Marx, ainda em espanhol. Dizíamos ter uma ‘Sala Vermelha’ que ficava na cozinha da casa da 10 de Julho. Lá, realizamos inúmeros lançamentos – o que nos permitiu mudar para a 24 de Maio”, lembra sorrindo.

O atual prédio da Nacional, na 24 de Maio, foi adquirido em 1983 e após cinco anos de reformas, em agosto de 1988, tornou-se o lar do acervo da livraria. Desde então, a Nacional passou por alguns perrengues, sendo o maior deles um incêndio no segundo andar do prédio, em junho de 1995.

Os prejuízos milionários balançaram as estruturas da livraria, mas era preciso continuar.

“O incêndio de 1995 levou embora um milhão de dólares em livros, metade tivemos que pagar às editoras e a outra era de nosso acervo próprio. Mas não podemos desistir”, orgulha-se.

Acervo mais completo de Manaus

O acervo de mais de 60 mil títulos em formato físico faz da Nacional a mais completa livraria de Manaus, marca que demorou a ser alcançada, que trouxe alegrias e hoje retrata o prazer de se folhear e sentir o cheiro de papel.

O velho e rico acervo da Nacional, hoje, é assombrado pelo moderno fantasma do livro digital e dos sites de compra, fazendo com que Mendes pense em estratégias de sobrevivência num mundo cada vez mais veloz e voraz.

“Nossas vendas são as mais variadas possíveis e, para manter o movimento constante, precisaríamos de um site com todas as prerrogativas que esse formato tem hoje – quando uma busca te leva dois ou três outros títulos do mesmo autor ou editora. Infelizmente ainda estramos na época dos dinossauros com relação a isso”, lamenta.

Se o livreiro lamenta a concorrência desleal com os sites, sobra espaço na memória e no coração para a boa convivência com sebos e antigos leitores e clientes.

“O que me orgulha muito é que a maioria dos sebos revendem os livros que nós vendemos há 10, 15, 20 anos. Sabemos que, hoje, a maior parte dos leitores de livros físicos estão aposentados e outros a Covid levou. Assim como perdemos amigos e entes queridos, também perdemos clientes e infelizmente”, comentou.

Compromisso com o público leitor

E seguindo as tradições das clássicas livrarias, a Nacional ainda promove encontros entre leitores e autores – um compromisso da livraria com a comunidade amazonense.

“Um dos ilustres que sempre está com a gente é o Márcio Souza. Para se ter uma ideia, quando foi lançado ‘Mad Maria’, no início dos anos de 1980, tínhamos filiais em Porto Velho e Rio Branco (Rondônia e Acre, respectivamente) e o levamos a lançar a obra nessas cidades”, comentou.

“E no aniversário de 48 anos da Nacional, teremos aqui sete autores de minha amizade, que estão sempre envolvidos com a questão do escritor e do leitor, busquei fazer um leque bastante amplo com um escritor de cada área para causar maior interesse nos nossos clientes”, completou Mendes.

O “Diálogo Com Autores Amazonenses” será um evento para coroar as atividades da Nacional nesses 48 anos.

O bate-papo com os autores inicia às 10h e contará com o historiador Aguinaldo Figueiredo; o poeta Efraim Amazonas; o economista Jessé Rodriguez; o teatrólogo Jorge Bandeira; a filósofa Neiza Teixeira; o também filósofo Victor Leandro e o jornalista Wilson Nogueira, que ganhará homenagens pela abertura dada à leitura em todos os jornais por onde atuou.

Resistência

A Nacional chega, então, aos 48 anos como foco de resistência e amor aos livros.

“Planos? Sim, temos. Ainda acredito que estejamos passando por um período turbulento com relação à leitura, mas hoje temos professores se especializando na arte de contação de histórias, de metodologias do ensino da leitura, o que vai possibilitar uma sobrevida às livrarias e sebos nos próximos cinco ou dez anos”, afirma Mendes.

Sobre o compromisso de manter viva a chama do debate e da leitura, Mendes é enfático: “Vou continuar sempre trazendo autores para fazer esse envolvimento com seus leitores e públicos, fazendo com que esse público aumente mais para que a gente consiga fazer mais autores, porque se não for leitor, jamais será autor”.

Homenagens à Nacional

O mais recente evento da Nacional, também celebra o aniversário da livraria. Nome ilustre no encontro “Diálogo Com Autores Amazonenses”, o historiador Aguinaldo Figueiredo relembra suas primeiras visitas à Nacional.

“Conheci a Nacional quando começava minha lida como professor. Manaus era carente desses espaços, principalmente para adquirir obras daqui; então colegas mais antigos me indicaram a falar com Zé Maria, que, além de comerciante, é um incentivador da cultura. Vim e disse que obras precisava, ele me atendeu com esses empréstimos e, desde essa situação, fiquei freguês da casa. E quando lancei meus próprios livros, estes foram expostos e vendidos aqui. Admiro a insistência e a persistência do Zé em permanecer nesse ramo. Deve ser muito amor pelos livros, pela leitura, pela cultura, porque boa parte desses espaços, como a Nacional, já fechou com o advento da internet. A Nacional é um espaço que deveria ser tombado como patrimônio cultural”, finalizou.

Economista e escritor, Jessé Rodriguez mostra sua gratidão à Nacional pelo papel na formação dos pensadores amazonenses.

“A nacional tem um papel histórico por trazer essa conexão do meio acadêmico com o comércio de livros, abrindo uma janela para quem produz e quem lê os livros, consolidando essa prática. O encontro entre professores e leitores era muito raro, creio que aqui foi inaugurada essa prática, daí a importância da Nacional entre os produtores e buscadores de conhecimento. Isso resume muito bem a importância da livraria para nossa comunidade”, afirma Jessé.

Grato a tudo o que a Nacional representa, o filósofo e poeta Efraim Amazonas vê a livraria como um troféu à nossa cultura.

“Quando a conheci, na década de 1990, a Nacional já era referencial para qualquer estudante manauara. Se não a primeira, uma das primeiras, portanto uma pioneira na venda das obras acadêmicas e foi passagem de grandes escritores. Em 2020, tive a oportunidade de lançar aqui ‘Poemas de Agosto’ – meu quarto livro – que teve uma boa repercussão também devido ao veículo usado no lançamento, que foi a Nacional. A Nacional se tornou, para os leitores e autores, uma moldura intelectual da nossa cidade, e esses 48 anos são um grande troféu para Manaus e para o Amazonas”, disse.

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