Manaus, 25 de abril de 2024
×
Manaus, 25 de abril de 2024

Cidades

Após um ano do ‘Caso Flávio’, Justiça ainda não chegou ao desfecho do assassinato

O Portal AM1 mostra, ponto a ponto, todos os desdobramentos ocorridos nesses 12 meses após o assassinato do engenheiro Flávio Rodrigues, em setembro de 2019

Após um ano do ‘Caso Flávio’, Justiça ainda não chegou ao desfecho do assassinato

Foto: Reprodução

Há exatamente um ano, o caso policial envolvendo o engenheiro Flávio Rodrigues, de 42 anos e Alejandro Valeiko, que é enteado do prefeito Arthur Neto (PSDB), chocou a cidade de Manaus. Repleto de desdobramentos, o acontecimento e as investigações ainda não tiveram desfecho.

Em entrevista exclusiva à reportagem do Portal AM1, familiares de Flávio relembraram o caso e afirmam esperar que a justiça seja feita, de fato. “Eu espero que essa justiça venha, porque se não vier, vai ser muito ruim para nós, principalmente para mim, que sou a mãe. Fui praticamente mãe e pai dele”, desabafou dona Maria Irecê, mãe da vítima.

Ainda hoje, a família vai realizar uma missa de um ano da morte de Flávio Rodrigues, na paróquia Imaculado Coração de Maria, no bairro Morro da Liberdade, zona Sul de Manaus. Logo em seguida será realizada uma carreata pedindo ‘Justiça por Flávio’.

Foto: Portal AM1

Cronologia

Tudo começou quando Flávio foi encontrado morto, no dia 30 de setembro do ano passado, em um terreno no bairro Tarumã, zona Oeste de Manaus. Antes do seu desaparecimento, ele havia participado de uma festa particular no condomínio de luxo ‘Passaredo’, onde morava Alejandro Valeiko, que é filho da primeira-dama de Manaus, Elisabeth Valeiko, esposa de Arthur Neto.

Participavam da festa que ocorreu na casa de Alejandro, além dele e Flávio, José Edvandro Martins de Souza Junior, Elielton Magno e Vitório Del Gato, que era cozinheiro e morava junto com o enteado do prefeito. A família de Flávio afirma que ele teria ido para a festa na casa de Alejandro junto com José Junior.

Leia mais: Caso Flávio: juízes declinam e se declaram suspeitos para atuar em processo

Num primeiro momento, as suspeitas apontavam que, possivelmente, o engenheiro teria sido morto dentro da residência. Além disso, o cadáver não apresentava marcas de sangue, dando a entender que o crime teria sido cometido por arma branca.

Sequestro

Em depoimento no 19º Distrito Integrado de Polícia (19º DIP), responsável pela investigação, José Júnior afirmou que Flávio havia sido sequestrado por um homem encapuzado, que entrou na casa armado.

Em seguida, José Júnior se trancou no banheiro e não viu mais nada do que aconteceu. Ao sair, ele soube que Alejandro foi atingido por uma coronhada e Elielton Magno havia sido esfaqueado nas costas, enquanto Flávio foi sequestrado. Um vídeo mostra o momento em que Magno está no chão, aos gritos com as costas ensanguentadas.

Tal versão apresentada, afirmando que o engenheiro teria sido sequestrado, foi sustentada horas depois pelo prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, em um texto publicado de madrugada em suas redes sociais. Em tom de desabafo, ele afirmou que Alejandro é dependente químico e não tinha nada a ver com o homicídio.

Além disso, no texto, Arthur afirmou, ainda, que Flávio teria sido sequestrado por criminosos para cobrar “pagamento pelo trabalho maldito que leva pessoas à perdição”. A declaração não agradou aos familiares do engenheiro, que repudiaram as afirmações do prefeito e disseram que Flávio não tinha envolvimento com tráfico e drogas.

Em seguida, o próprio condomínio, por meio de sua assessoria jurídica, afirmou que não ocorreu nenhuma invasão no local no dia 29, quando Flávio teria sido sequestrado e morto. Essa informação contesta o que foi alegado pelo prefeito Arthur.

Seis facadas

O laudo do Instituto Médico Legal (IML) indicou que Flávio morreu com seis facadas: duas nas costas, duas no abdômen e duas na coxa esquerda. Ele morreu devido a uma anemia aguda. Além disso, conforme o laudo, a vítima teria tido, ainda, sinais de asfixia e enforcamento. Ainda conforme o documento, marcas no corpo do engenheiro indicavam que ele foi arrastado de um local para outro.

No mesmo dia, o laudo pericial identificou vestígios de sangue na casa de Alejandro, em cômodos como a sala e a calçada do imóvel. O material coletado foi levado para exame de DNA. Na ocasião, também foram coletadas amostras de barro e manchas de sangue que estavam no sapatênis de Alejandro.

Prisões temporárias

No dia seguinte, 3 de outubro, José Junior, Elielton Magno e Vitório Del Gato, o cozinheiro da casa, foram presos suspeitos de envolvimento na morte do engenheiro. Nesse momento, apenas Alejandro ainda não havia sido preso. Ele se encontrava em uma clínica para dependentes químicos no Rio de Janeiro, onde estava internado desde o dia em que o corpo de Flávio foi encontrado pela polícia.

Leia mais: Alejandro Valeiko se apresenta à polícia com advogados e seguranças

Já no dia 4, foram presos, temporariamente, Mayc Vinícius Teixeira Parede e o sargento da Polícia Militar Eliseu da Paz de Souza, que trabalha na equipe de segurança da Prefeitura de Manaus, conhecido como ‘Da Paz’. Ambos são suspeitos de fazer a remoção do corpo para fora da casa, conforme vídeo das câmeras de segurança do condomínio Passaredo.

Essa situação, inclusive, foi contestada pelo vereador de oposição na Câmara Municipal de Manaus (CMM), Chico Preto (DC), que chegou a apresentar requerimento cobrando explicações à prefeitura. Porém, o documento foi anulado por maioria de votos.

Alejandro foragido

Durante esse período, Alejandro não estava em Manaus, mas sim no Rio de Janeiro, em tratamento para dependentes químicos. Ele foi para o estado carioca, acompanhado de duas pessoas, logo após ter prestado esclarecimentos no 19º DIP. No depoimento prévio, ele sustentou que a casa foi invadida por dois criminosos armados.

Com mandado de prisão expedido, Alejandro foi considerado foragido no dia 5 de outubro, um sábado. Na mesma noite, o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) acatou o pedido da defesa de Alejandro e converteu o pedido de prisão temporária em prisão domiciliar.

O enteado do prefeito, entretanto, só chegou à capital na segunda-feira, dia 7. No mesmo dia, ele seguiu para a sede da DEHS para prestar depoimento. Horas depois, Alejandro teve a prisão domiciliar revogada pelo TJ-AM, sob a justificativa de que a necessidade de tratamento psiquiátrico não é o suficiente para invalidar a prisão temporária.

Inicialmente, Alejandro ficou preso no Centro de Detenção Provisória Masculino (CDPM) 1. Porém, diferente dos demais suspeitos, que estavam presos na DEHS, ele foi transferido para o 19 DIP, por determinação judicial.

Mayc assume autoria

No dia 9, uma quarta-feira, o lutador de MMA Mayc Parede assumiu ter matado o engenheiro Flávio Rodrigues. A confissão, no entanto, não convenceu os investigadores, visto que os depoimentos dos seis envolvidos no crime eram muito contraditórios.

A família de Flávio, por sua vez, acreditava que Mayc havia sido forçado a assumir a autoria do crime.

Acareação

Devido a alguns pontos dos depoimentos se desencontrarem e serem contraditórios, a polícia resolveu realizar uma acareação entre os suspeitos Elielton Magno e Mayc Parede. Na ocasião, Magno manteve a sua versão de que Flávio estava vestido no local e Mayc negou-se a responder, recorrendo ao direito constitucional de permanecer calado.

Além do depoimento dos suspeitos, a polícia também ouviu outras pessoas, entre elas, seguranças e demais funcionários da portaria do condomínio Passaredo, além de pessoas que tenham presenciado alguma coisa do ocorrido na noite do dia 29.

Primeira-dama e filha depõem

A primeira-dama de Manaus, Elisabeth Valeiko, foi até a DEHS para depor no dia 21 de outubro, após ser convocada duas vezes e faltar aos depoimentos.

Ela depôs por cerca de 2h. No dia seguinte, foi a vez de sua filha, irmã de Alejandro, Paola Valeiko. As duas foram algumas das primeiras pessoas a visitar o local após o crime.

Prisões prorrogadas

Após cerca de um mês presos temporariamente, a juíza Ana Paula Braga prorrogou, por mais 30 dias, a prisão de Elielton Magno, José Edvandro, o PM Elizeu da Paz, Mayc Parede e Alejandro Valeiko.

O cozinheiro Vitório Del Gato foi solto devido a um tratamento de câncer na próstata.

Reconstituição

Com o objetivo de dirimir algumas dúvidas nas investigações conduzidas pelo delegado Paulo Martins, titular da DEHS, foi realizada, no dia 18 de novembro, a reconstituição do homicídio do engenheiro Flávio Rodrigues, no condomínio Passaredo.

Embora tenha colocado cada suspeito no mesmo posicionamento em que estavam na noite do dia 29 de setembro, conforme depoimento dos próprios envolvidos, a ação ainda foi marcada por contradições entre os suspeitos. O único que decidiu não fazer parte da reconstituição foi Mayc.

Indiciamento e prisão preventiva

Após a conclusão do inquérito, com as investigações sobre o que ficou conhecido como ‘Caso Flávio’, a Polícia Civil do Amazonas indiciou Mayc Vinicius, Alejandro Valeiko e o sargento Elizeu da Paz por homicídio, já Paola Valeiko foi indiciada por fraude processual, e Vittório Del Gato por omissão de socorro.

O documento foi enviado para o Ministério Público do Amazonas (MPAM) que, após análise, pediu à Justiça a prisão preventiva de Alejandro Valeiko, Elizeu Da Paz e Mayc Paredes. José Edvandro e Elielton Magno, os únicos que não foram indiciados, deixaram a prisão onde estavam desde o dia 3 de outubro.

No entanto, os advogados de defesa, Yuri Dantas, Félix Valois, Clotilde de Castro e Marco Aurélio Choy consideraram acertadas as conclusões do inquérito em relação à tese de omissão por parte do enteado no assassinato. Todavia, apontaram e contestaram algumas contradições no documento.

Audiência de custódia

No dia 2 de dezembro do ano passado, Alejandro Valeiko passava pela audiência de custódia. Dois dias depois foi a vez de Mayc Parede e o sargento da PM Elizeu da Paz, que chegaram no local em horários diferentes, além de terem permanecido em celas diferentes, também.

Na ocasião, Mayc relatou ter sofrido uma série de abusos que teriam ocorrido durante os 60 dias em que permaneceu preso temporariamente na DEHS, como por exemplo, ser retirado da cela onde estava durante a madrugada para prestar esclarecimentos sem a presença do advogado, falta de alimentação e, ainda, intimidação.

Internação

Após cerca de dois meses de prisão no 19º DIP, Alejandro Valeiko teve que ser internado em UTI com suspeita de rabdomiólise – uma lesão muscular com liberação de conteúdo intracelular com grande incidência em dependentes químicos.

O laudo médico revelou que o enteado do prefeito consome drogas (álcool, maconha e cocaína) desde os 13 anos de idade. Além disso, conforme o exame, devido ao cárcere, naquele período, Alejandro teve ganho de peso de aproximadamente 15 quilos.

No dia seguinte, sábado, dia 7 de dezembro, após os exames, Alejandro foi ao Instituto Médico Legal (IML), para realizar exame de corpo e delito. No local, todas as suspeitas de doenças em Alejandro foram descartadas por meio de laudos médicos.

Ele seguiu, então, para o Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM), onde dividiu cela com outros sete presos.

Busca e apreensão

No dia 11 de dezembro, a Justiça do Amazonas cumpriu mandados de busca e apreensão na casa da irmã de Alejandro, Paola Valeiko. Porém, o alvo das buscas era o marido dela, Igor Gomes. Visto que é o proprietário da casa que Alejandro morava, no condomínio Passaredo, o marido de Paola foi apontado como um dos envolvidos no Caso Flávio.

No local, foram apreendidos dinheiro, aparelhos celulares e documentos. Além disso, os policiais estiveram na casa de um policial militar, que trabalha para Prefeitura de Manaus.

Denúncia do MP-AM

Cinco dias depois, o MP-AM apresentou denúncia contra Alejandro, Mayc e Elizeu da Paz por homicídio; José Edvandro por denunciação caluniosa; e Paola Valeiko por fraude processual. O órgão, porém, não ofereceu denúncia contra Elielton Magno e o cozinheiro Vittorio Del Gatto.

Segundo o documento, que está assinado pelo promotor de Justiça Igor Starling Peixoto, titular da 16ª Promotoria de Justiça, há indícios de autoria e prova da materialidade de crime praticado por Elizeu, Mayc e Alejandro contra Flávio.

Habeas Corpus

Em 27 de dezembro, o enteado do prefeito deixava o CDPM1, após decisão liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedendo habeas corpus a Alejandro Valeiko.

Ele ficou em casa sendo monitorado por meio da tornozeleira eletrônica, além de ter sido proibido de sair de Manaus. A decisão chocou a família do engenheiro Flávio, que demonstrou ter ficado decepcionada, mas não surpresa.

Justiça aceita denúncia

Em mais um desdobramento do Caso Flávio, pouco mais de dois meses após ter sido apresentada, já em fevereiro de 2020, a juíza Ana Paula Braga aceitou denúncia do MP-AM que acusou Alejandro, Elizeu da Paz e Mayc Parede por homicídio, tornando-os réus.

Já Paola Valeiko responderá por fraude processual, enquanto José Edvandro por denunciação caluniosa.

‘Todos por Flávio’

Morador do bairro Morro da Liberdade, Flávio Rodrigues recebeu uma homenagem em fevereiro deste ano, durante o período de carnaval, realizada pela torcida da Reino Unido da Liberdade.

Faixas e cartazes em lembrança ao ‘Caso Flávio’ marcaram e chamaram a atenção na arquibancada, em meio a festa de carnaval. Os cartazes pediam por justiça ao engenheiro.

De volta para a prisão

Em março deste ano, o filho da primeira-dama de Manaus, Alejandro Valeiko Molina, retornou para o CDPM1, após ter ficado quase três meses em liberdade provisória. A decisão de prisão preventiva a Alejandro foi da juíza Ana Paula Braga. Os seus advogados tentavam impedir a prisão buscando como argumento a pandemia de coronavírus, que naquele período registrava os primeiros casos no Amazonas.

Nove dias depois, a juíza Ana Paula Braga revoga a prisão preventiva do enteado do prefeito, determinando que ele permaneça em liberdade, porém, sendo monitorado por meio de tornozeleira eletrônica. A decisão, no entanto, teve parecer contrário do MP-AM.

Além disso, a magistrada decretou as medidas cautelares de ele não se ausentar da capital amazonense sem autorização prévia e comparecer mensalmente perante o juiz para justificar as suas atividades, entre outras coisas.

Arthur Neto investigado

O desdobramento mais recente em relação a morte do engenheiro Flávio Rodrigues, em setembro do ano passado, foi a abertura de investigação pelo Ministério Público contra o prefeito Arthur Neto. Ele está sendo investigado por suposto uso de veículos oficiais e agentes públicos em benefício do enteado, Alejandro Valeiko.

Leia mais: Caso Flávio: Arthur Neto é investigado por improbidade administrativa

Juízes suspeitos

Neste mês em que completa um ano da morte de Flávio Rodrigues, pelo menos três juízes do TJAM se declinaram  do caso, afirmando serem suspeitos para atuar no processo, sob alegação de ‘foro íntimo’.

O mais recente foi o titular da 3ª Vara do Tribunal do Júri, Adonaid Abrantes de Souza Tavares, em despacho na última sexta-feira (25).

o novo procurador-geral do MP-AM, Alberto Rodrigues do Nascimento Júnior afirmou um dia antes (24), em entrevista exclusiva ao Portal AM1, que pretende dar celeridade nas investigações envolvendo o caso.

Leia mais: Novo procurador-geral diz que MP dará celeridade no Caso Flávio

Onde estão os envolvidos

Segundo o Ministério Público, atualmente, Alejandro responde em liberdade monitorada eletronicamente; Elizeu da Paz cumpre prisão preventiva; Mayc Parede cumpre prisão preventiva; José Edvandro denunciado por denúncia caluniosa, responde em liberdade e Paola Valeiko Molina, denunciada por fraude processual, responde em liberdade.

Além disso, o MP informou que um novo juiz será definido com a redistribuição do processo, após todos os juízes que pegaram o caso terem se declarado suspeitos.