Manaus (AM) – Durante evento para discutir o combate à violência contra a mulher nessa sexta-feira (29), o Ministério Público do Amazonas (MPAM) aprovou uma moção de repúdio ao Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 164/12, a chamada “PEC do Estupro”, que proíbe que as mulheres tenham direito ao aborto, inclusive em situações que envolvam estupro, aprovado na última quarta-feira (27) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
De autoria da procuradora de Justiça do Ministério Público de Goiás (MPGO), Ivana Farina Navarrete Pena, a moção obteve aprovação imediata da procuradora-geral de Justiça do Amazonas, Leda Mara, e da ouvidora-geral e da Mulher, Jussara Pordeus.
Navarrete avaliou que a atitude do Legislativo vai na contramão dos acordos internacionais assinados pelo Brasil em 1979, na Convenção sobre Direitos Políticos da Mulher da Organização das Nações Unidas (CEDAW, em inglês) — equiparados à emenda constitucional em 1984 e incluídos na Constituição Federal de 1988.
“A PEC 164/12 representa um retrocesso civilizatório inadmissível, em afronta direta aos direitos das mulheres, pois ignora a grave realidade de violência e sofrimento em que o aborto legal é buscado”, criticou a procuradora.
Na ocasião, Leda Mara destacou o número de feminicídios no Brasil em 2024, que registrou 1.467 casos, maior resultado desde a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública e acrescentou que, no Amazonas, o número de casos de violência contra a mulher aumentou 42,9% no período de 2021 a 2023, com base em dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP).
“Enganam-se aqueles que pensam que a luta pela igualdade de gênero no Brasil avançou o suficiente para que as propostas de igualdade entre homens e mulheres obtivessem igual evolução. Estes ainda são os nossos desafios, especialmente no sistema de Justiça, para que possamos comemorar resultados positivos, a despeito da positivação de gênero”, comentou.
Em 2024, a Ouvidoria da Mulher do MPAM recebeu cerca de 350 denúncias de mulheres e meninas sobre violência doméstica e dificuldade de acesso a direitos fundamentais que lhes são conferidos.
De acordo com Jussara Pordeus, o compromisso com o protocolo é ético e institucional: trabalhar mudanças de uma realidade que, infelizmente, ainda marginaliza mulheres e grupos historicamente marginalizados.
“Durante a nossa atuação, precisamos levar em conta os impactos da desigualdade de poder na descriminalização de gênero, o que inclui a capacitação contínua dos membros do Ministério Público, parlamentares que elaboram as leis, servidores da Justiça e das polícias, profissionais da psicologia e do serviço social, para ajudar na luta pela paridade de gênero”, afirmou a ouvidora.
Perspectiva de gênero
A atuação com perspectiva de gênero pelo sistema de justiça brasileiro norteou o ciclo de palestras organizado pela Ouvidoria da Mulher do MP.
Com a presença de vozes femininas locais, o encontro teve como objetivo estimular que as vítimas de violência de gênero, desigualdade ou discriminação se manifestem e possam ser ouvidas com o devido cuidado e respeito, garantindo que os relatos recebidos não sejam minimizados pelos órgãos.
O evento também discutiu sobre as necessidades de participação das mulheres em espaços da política e programas de perspectiva de gênero, além de mencionar ataques constantes aos direitos conquistados pelas mulheres.
A conferência destacou os três anos do lançamento do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como um instrumento que regulariza, de maneira uniforme, a atuação dos investigadores e operadores de Justiça.
O protocolo recomenda obrigatoriedade de diretrizes de processamento, investigação ou procedimentos preparatórios, além de padronizar os canais de atendimento, buscando alinhar o respeito à diversidade e o direito à antidiscriminação.
Reflexões
Ainda na programação, Navarrete propôs uma reflexão coletiva sobre a necessidade de mudar o quadro atual no combate à violência contra a mulher.
Segundo ela, as mobilizações das instituições jurídicas e classes da sociedade não devem resumir seu papel a cores, símbolos ou debates sobre o tema nas datas comemorativas.
A procuradora de Justiça mencionou que o CNJ, na gestão do Ministro Dias Toffoli, assinou a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, em que, dentre os 17 objetivos gerais estabelecidos, o número 5 prevê a igualdade de gênero, para acabar com todas as formas de discriminação, além de eliminar todas as formas de violência contra as mulheres nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e a exploração sexual e outros tipos.
Para ela, o objetivo ainda está distante de ser cumprido, pois “é notório saber que não existem mulheres em cargos de chefia, diretoria, nem comando nos locais, principalmente na administração pública”.
A procuradora citou também o fato de o Estado do Amazonas e a cidade de Manaus nunca terem sido comandados por mulheres, além dos 200 anos de existência da Assembleia Legislativa, período em que apenas 20 deputadas mulheres foram eleitas.
CCJ
Na última quarta-feira (27), a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou, por 35 votos a 15, a admissibilidade de uma proposta de emenda à Constituição que garante a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. A aprovação dividiu a opinião entre os parlamentares e causou protestos.
A proposta justifica que, atualmente, a Constituição já assegura a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, mas não há uma definição do momento em que esse direito começa a vigorar.
Os autores do projeto, que “estabelece que o direito à vida será considerado a partir da concepção do feto”, são os ex-deputados Eduardo Cunha (RJ) e João Campos (GO).
Na prática, o texto proíbe o aborto em casos hoje autorizados em lei. No Brasil, o procedimento só é permitido em três situações: risco de morte para a gestante, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal (má-formação do cérebro).
Com a decisão da CCJ, a PEC 164/12 seguirá agora para análise de uma comissão especial e, depois, do Plenário da Câmara. Para ser aprovado no Plenário, o texto precisará dos votos favoráveis de pelo menos 308 parlamentares, em dois turnos.
Com informações do MPAM e Agência Câmara
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