Manaus, 26 de junho de 2024
×
Manaus, 26 de junho de 2024

Educação

‘Novo ensino médio não se aplica à realidade de alunos da rede pública do Amazonas’, diz professor

Profissional avalia que os alunos da rede pública estadual precisam recorrer cedo ao mercado de trabalho e que a proposta de reforma do novo ensino médio beneficia estudantes com estrutura, principalmente financeira.

‘Novo ensino médio não se aplica à realidade de alunos da rede pública do Amazonas’, diz professor

Alunos da rede estadual de ensino (Foto: Divulgação)

Manaus (AM) – De autoria da Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação no Senado, o Projeto de Lei n° 5230, de 2023, que propõe uma reforma do novo ensino médio, para, entre outros pontos, recompor a carga horária da formação geral básica, não se aplica à realidade de alunos da rede pública do Amazonas, segundo o professor Cleyson de Oliveira Carvalho.

Hoje, a carga mínima na formação geral é de 1,8 mil horas, alterada pela proposta, passa a 2,4 mil horas, somados os três anos do ensino médio.

“A realidade do Amazonas é bem diferente de outros estados e em relação à educação não se vê como uma grande prioridade e isso se deve pelo fato de ainda muito jovens, os alunos precisarem recorrer ao mercado de trabalho para que eles próprios consigam custear coisas que são do interesse deles, logo, a proposta do novo ensino médio não vai alcançar esse público que vê outros interesses para aquém da educação. O projeto pode ser lindo no papel, mas existem falhas na execução que não foram observadas”, disse o educador em entrevista ao Portal AM1.

De relatória da senadora Professora Dorinha Seabra (União), o PL é atualmente analisado pela Comissão de Educação e Cultura (CE) e após passar pela CE, o texto seguirá para votação no Plenário.

A proposta é uma alternativa apresentada pelo governo para substituir o novo ensino médio (NEM) definido em 2017, durante o governo Michel Temer. No entanto, as regras passaram a ser aplicadas cinco anos depois, em 2022.

Desde o início das discussões, o novo modelo é rejeitado por especialistas da área de educação, o que levou o Ministério da Educação a suspender a aplicação do projeto em 2023, para revisão das normas. Por ser um tema complexo, os próprios críticos se dividem nas opiniões.

Conforme Cleyson, um dos pontos positivos do PL está na elaboração das disciplinas, mas alunos de baixa renda não teriam o mesmo aproveitamento na visão do professor de língua inglesa.

“As disciplinas são ótimas, mas pensa comigo, eu estou preparando esse aluno para o vestibular, tendo em vista a faculdade, para o mercado de trabalho, para onde vai esse aluno. É confuso ainda esse novo ensino médio”, comenta.

Para ele, a proposta atende alunos pobres e ricos de maneira desigual.

“Os alunos não são atendidos com isonomia. O aluno, cujos pais são de baixa renda, pensa em sobreviver a cada dia. Se este aluno pensa em estabilidade financeira, almejando o futuro emprego, por meio dos estudos, essa nova proposta do ensino médio é um pesadelo, em comparativo, o aluno, cujos pais tem boa estrutura financeira, consegue por vários meios preparar os filhos sem que este precise se preocupar com as compras do final do mês, ou qualquer outra coisa”, declarou.

O professor compartilha sobre as dificuldades enfrentadas por seus alunos, relatadas em sala de aula, e demonstra preocupação sobre o futuro profissional dos estudantes.

“Eu vejo meus alunos, muitos não possuem condições de participar de atividades que necessitam da compra de materiais para realização dela, ou que a merenda é a única, ou a melhor refeição do dia, ou que tem o filho para criar, sofre abusos, tem transtornos psicológicos e tem uma demanda gigantesca de atividades que não consegue dar conta e que quando for prestar vestibular estará tão castigado dessas demandas em relação ao aluno que tem bons recursos, que simplesmente estará despreparado e terá baixas perspectivas em relação ao próprio futuro”, avaliou Cleyson.

Outro ponto levantado pelo profissional é que o modelo não prepara os professores profissionalmente dentro de suas formações específicas. Segundo ele, os temas distribuídos são ampliados e os professores se adequam por conta própria. Além de não terem decisão sobre a ampliação da carga horaria.

“Nenhum de nós teve escolha na distribuição da carga horária, ou você aceita, ou você procura outra escola para complementar a sua carga e isso é muito injusto e totalmente irresponsável”, expõe o professor da rede estadual de ensino.

⁠Para Cleyson, se pensou numa revolução na educação pública, mas sem pensar no profissional que nela atua.

De acordo com ele, a ideia se encaixaria ao conceito de tempo integral. “Eu acreditava que isso seria apenas para as escolas de tempo integral, lá sim o novo ensino médio faria mais sentido, mas nas demais escolas regulares? A matemática não bate. Não se pensou na estrutura, os funcionários precisam engolir essas mudanças goela abaixo e entregar resultados positivos”, denuncia.

A reforma (Lei 13.415, de 2017) alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB — Lei 9.394, de 1996) e, além disso, determinou que disciplinas tradicionais passassem a ser agrupadas em áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas).

Reforma ensino médio (Foto: Divulgação/Senado)

O projeto também determina que os próprios alunos montem a sua grade de disciplinas, ao escolher os chamados itinerários formativos, com a ideia de se aprofundar em uma dessas áreas.

Outras mudanças

O total de horas do ciclo é de 3 mil, são previstas 5 horas em cada um dos 200 dias letivos de cada ano.

Para complementar a carga de 2,4 mil horas de formação geral básica, os alunos vão escolher áreas para aprofundar os estudos.

Pelo projeto, serão 600 horas em itinerários formativos (em vez das atuais 1,2 mil).

A proposta determina que os sistemas de ensino garantam que todas as escolas de ensino médio ofertem no mínimo dois itinerários.

A montagem dos itinerários dependerá de diretrizes nacionais a serem definidas pelo Ministério da Educação.

O projeto também retira a obrigatoriedade do ensino de língua espanhola.

No texto aprovado, foram incluídas emendas para garantir benefícios a estudantes do ensino médio de escolas comunitárias que atuam no âmbito da educação do campo.

As mudanças em discussão atingem quase 8 milhões de alunos, conforme dados do último Censo Escolar, de 2023.

Críticos avaliam que os alunos de escolas públicas, que são maioria, são justamente os que mais perdem com as mudanças desde 2017.

Entidades ligadas à educação apontam risco de um aprofundamento ainda maior das desigualdades sociais.

No novo modelo, segundo especialistas, os jovens de escolas públicas perdem porque muitas escolas não têm infraestrutura adequada.

Conforme o Ministério da Educação, os estudantes, principais interessados nas mudanças, foram ouvidos no processo de elaboração do novo projeto.

Entidades ligadas à educação se manifestaram a favor de algumas das mudanças, mas ainda demonstram preocupação com outros pontos do texto.

O movimento Todos pela Educação afirmou que o texto da Câmara é um passo importante para a reestruturação da reforma do ensino médio.

Já outros pesquisadores atribuem ao projeto falhas como a abertura de brechas para a privatização.

Movimentos pedem que o Senado faça as correções em determinados pontos, que “representam imensos riscos para a segurança e a garantia de direitos de crianças e adolescentes, especialmente aquelas mais vulnerabilizadas e invisibilizadas”.

Controvérsia

De acordo com Lambert Melo, Coordenador Jurídico do Sindicato dos Professores e Pedagogos de Manaus (Asprom/Sindical), o projeto hoje no Senado “melhorou” em certos aspectos, mas ainda há perigo, segundo ele, em tópicos como a desobrigação de disciplinas fundamentais.

“A respeito da nova reforma do ensino médio, nós entendemos que o projeto é um pouquinho melhor do que o que estava antes. Houve aí uma intervenção da sociedade e o governo Lula teve que dar uma recuada e foi elaborado outro anteprojeto que tem algumas mudanças, uma delas foi essa do aumento da carga horária, que é positivo, logicamente quanto mais tempo o aluno permanece na escola mais chance ele tem de estudar e aprender, no entanto, o projeto continua com problemas graves que já estavam na proposta anterior, como a desobrigação de matérias fundamentais. Os estabelecimentos de ensino ficam desobrigados a oferecer essas matérias fundamentais, como História, Filosofia, Sociologia, diminuindo a carga horária dessas matérias e disciplinas ou até mesmo deixando de fora do currículo”, analisa Lambert.

O coordenador também critica a possibilidade de profissionais que não são licenciados lecionarem. O que, segundo ele, vai precarizar a qualidade desse ensino, principalmente nas escolas públicas.
Para ele, o projeto em curso no Senado distancia os alunos pobres das universidades e colabora diretamente com o ciclo de desigualdade em que esses estudantes já estão inseridos.
“O que nós vemos é que o objetivo principal do projeto é proporcionar um tipo de ensino, de estudo, que não prepara esses estudantes das escolas pública para a entrada nas universidades, o que vai dificultar profundamente que os filhos dos pobres, os filhos dos trabalhadores tenham acesso ao nível superior, possibilitando essa pauperização e fazendo com que haja um aumento da pobreza e da miséria por conta desse tipo de ensino precarizado”, lamenta.
O profissional acrescenta que o projeto precisaria ser “melhorado”. Segundo ele, hoje está em andamento nas escolas públicas a implementação do chamado novo ensino médio no modelo anterior. O que precisa ser “freado imediatamente e reformulado com uma nova proposta totalmente inversa”.
“Lamentavelmente, o que está em curso é muito ruim e esse projeto que foi aprovado pelo governo Lula não melhorou quase nada do que estava antes, infelizmente”, conclui Lambert Melo.

LEIA MAIS: