Manaus, 3 de maio de 2024
×
Manaus, 3 de maio de 2024

Cenário

Políticos do AM ficam apenas na teoria em relação ao ‘conservacionismo’

O Portal AM1 enviou uma solicitação para sete parlamentares, sendo quatro deputados estaduais e três vereadores, presidentes de comissões ligadas ao assunto, mas apenas um político respondeu.

Políticos do AM ficam apenas na teoria em relação ao ‘conservacionismo’

(Fotos: Reprodução/ Google/Assessoria - Kennedy Marques/MUSA)

Manaus (AM) – “Preservar o meio ambiente, preservar a natureza, sustentabilidade” são palavras que, com certeza, a maioria das pessoas já ouviu. Expressões que se tornaram comuns no mundo e no Brasil, a partir de discussões que envolvem o desenvolvimento e, ao mesmo, tempo a manutenção dos recursos naturais na busca por um ‘meio-termo’ entre preservar e desenvolver.

Nessa quarta-feira, dia 13 de março, é comemorado o ‘Dia do Conservacionismo’, um conceito não tão propagado com essa nomenclatura e, por vezes, até confundido com o ‘Preservacionismo’ ou apenas ‘preservação’.

O ‘conservacionismo’ é uma corrente que procura aliar o uso racional e manejo criterioso da floresta. O conceito nasceu por meio de uma reinvenção do capitalismo em meados da década de 70 e ganhou força no país com a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Para especialistas ouvidos pelo Portal AM1, é necessário que se tenha uma mudança de como pensar a própria economia atual, e só assim será possível a criação de políticas públicas que atendam e resolvam o problema do que eles chamam da ‘falta de cultura sustentável’, bem como mudar o modo de operação de produzir e reproduzir a vida para que se tenha uma mudança na “política de hábitos culturais”.

Nesse contexto, seria preciso uma mudança global, nas relações de consumo, que hoje são predominantemente capitalistas e, dessa forma, é possível afirmar, segundo estes especialistas, que os políticos amazonenses não têm muito interesse nisso, porque eles ficam quatro ou oito anos exercendo um mandato, sendo que os interesses deles são mais imediatos, e não em longo prazo como teriam que ser para que as mudanças necessárias fossem feitas nesta área ambiental.

A reportagem enviou uma solicitação para sete parlamentares, sendo quatro deputados estaduais e três vereadores, presidentes de comissões ligadas ao assunto na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam) e na Câmara Municipal de Manaus (CMM), mas apenas o vereador Kennedy Marques (PMN), que preside a Comissão de Meio Ambiente, Recursos Naturais, Sustentabilidade e Vigilância Permanente da Amazônia respondeu aos nossos questionamentos em relação o assunto.

O Portal AM1 perguntou dos políticos a importância dessa corrente, como eles contribuíam para o ‘conservacionismo’ por meio dos seus mandatos e o que era preciso fazer para melhorar as políticas públicas que colocassem em prática o conceito e beneficiar o Estado e a cidade de Manaus.

Sinésio Campos (PT); Joana Darc (União Brasil); Cabo Maciel (PL); Daniel Almeida (Avante); David Reis (Avante) e Sassá da Construção Civil (PT) foram os outros políticos que não responderam à solicitação.

O que é?

O pensamento conservacionista está presente na maioria dos movimentos ambientalistas, sendo o alicerce de políticas de desenvolvimento sustentável, que são aquelas que buscam um modelo de desenvolvimento que garanta a qualidade de vida, na atualidade, sem que se destruam os recursos necessários às gerações futuras.

O conceito procura reduzir o uso de matérias-primas; o uso de energias renováveis; redução do crescimento populacional; combate à fome; mudanças nos padrões de consumo; equidade social; respeito à biodiversidade e inclusão de políticas ambientais no processo de tomada de decisões econômicas.

Essa corrente propõe que se destinem áreas de preservação, por exemplo, em ecossistemas frágeis, com um grande número de espécies endêmicas e/ou em extinção, entre outros.

Equilíbrio entre a cultura e a natureza

politicos-do-am-ficam-apenas-n

(Foto: Reprodução/Google)

Para o cientista político, antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ademir Ramos, o assunto se originou a partir dos anos 70, na conhecida Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU), em Estocolmo, Suécia, quando o capitalismo se reinventou procurando trabalhar não no sentido predador, mas de buscar na natureza uma resposta objetiva para a multiplicação do seu capital, ou seja, buscar o equilíbrio.

Na visão de Ademir, o desafio é como estabelecer esse equilíbrio: “Esse equilíbrio os homens têm que buscar sustentado na cultura; esse é o grande desafio. Existe um conjunto de leis, norma geral que regram sobre essa questão do meio ambiente, existe a regra geral, a Constituição, mas o importante é que se tenha uma cultura de equilíbrio entre o homem e a natureza, como se fazia no passado, nas culturas originárias se havia um equilíbrio. A partir do momento que o capitalismo se consolida no continente latino-americano, a partir do século XVI, XVII aí começa esse desequilíbrio em relação à natureza e esse domínio brutal e bárbaro em relação aos povos e à própria natureza”, explicou.

O professor cita outros desafios para se estabelecer, de fato, o conceito no contexto amazônico, onde as pessoas não têm o que comer, onde passam graves necessidades básicas – uma desigualdade social bárbara. Por esses motivos, ele afirma que existe um grande desafio nesse modelo de “capitalismo sustentável”.

“As políticas públicas têm que ser holísticas, uma política de ampla ação, de totalidade, que possam compreender o todo. Quer dizer, vai na questão da economia, na questão da cultura, educação, o meio ambiente, a infraestrutura. Na nossa cultura, por exemplo, a construção de um condomínio, mesmo que popular, se destrói tudo, deixa a terra vermelha, não se tem trato nenhum com a natureza”, exemplificou.

Ramos também lembrou a questão sanitária em que se jogam os esgotos para os rios, igarapés ou para o mar. É por esses motivos, segundo o especialista, que seria necessário reinventar as pessoas, a partir de uma nova perspectiva, uma perspectiva mais humanitária, sustentável, de sociedade para se combater o crime social, combatendo o crime contra o meio ambiente.

“É preciso mudar os modos operantes, a política de hábitos culturais. Isso passa tanto pela escola, como pelas novas práticas civilizatórias de infraestrutura, por exemplo, código da construção civil, um novo modelo de se trabalhar em termos de ações, transformações. Nesse contexto, do conceito de conservacionismo, os políticos, na verdade, não têm muito interesse, porque o interesse deles é mais imediato”, pontuou Ademir.

Limitações

politicos-do-am-ficam-apenas-n

(Foto: Reprodução/Google)

A nossa equipe também ouviu a opinião do sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufam, Marcelo Seráfico, sobre o assunto.

O sociólogo disse que existe um grande debate em torno de conservacionismo e preservacionismo e que são conceitos com limitações elevadas, uma vez que boa parte dos recursos necessários para fazer os bens de circulação global e proporcionar certas condições de vida, em sociedades capitalistas, particularmente, depende da exploração de recursos naturais que são esgotáveis.

“Existem os recursos naturais que são possíveis repor, outros parcialmente e outros não. Quer dizer, a noção de conservação é importante, porque chama atenção para um problema do uso desse ponto de vista ecológico e racional, mas é um uso que tem a sua racionalidade e que racionalidade é essa? É uma racionalidade econômica, para satisfação de determinadas necessidades de vários grupos humanos, mas também para satisfação de alguns interesses muito específicos que tem mais a ver com acumulação de riquezas”, frisou.

Marcelo enfatiza que é difícil formular qualquer perspectiva de política pública sem colocar em causa o modo pelo qual se dinamiza a economia, e particularmente, os modos pelos quais hoje isso é avaliado e considerado, citando que, em nossa sociedade, permanece a perspectiva de que o desenvolvimento pode e deve ser medido por meio de alguns indicadores econômicos e de alguns, quando muitos, indicadores sociais – o que segundo ele é uma ideia que está muito associada ao desenvolvimento econômico capitalista.

“Para a gente de fato imaginar formas de organização da sociedade e de uso de recursos naturais e de uso da natureza de um modo a não comprometer o futuro, nós precisaríamos discutir por certo outros modos de apropriação dessa riqueza, quer dizer, de transformação da natureza em bens que satisfazem as necessidades humanas. A gente teria que pensar em novas escalas de produção, teria que pensar em novas formas de distribuição da própria riqueza e, portanto, teria que pensar em novas formas de organização da sociedade”, disse o professor.

Seráfico reafirma que pensar uma política pública que permita equacionar os problemas vinculados ao cumprimento de objetivos conservacionistas significa repensar a própria economia, o que ele reconhece não ser uma tarefa que possa ser feita a partir dos critérios que predominam, hoje, na própria formulação de boas partes das políticas públicas e, particularmente, da política econômica, política monetária, política financeira, política industrial e política mineral. Políticas que derivam de uma concepção de desenvolvimento, que termina sendo mais predatória do que social, ambiental, econômica e culturalmente sustentável, em sua visão.

“No final das contas, como nós vemos, hoje, as políticas públicas se assentam sempre numa ideia do aumento do consumo. A discussão precisa envolver aspectos vários e, um deles, é essa relação entre conservacionismo e consumismo e o que está no meio, que é a economia política do desenvolvimento capitalista”, pontuou o especialista.

Mudança na estrutura governamental

politicos-do-am-ficam-apenas-n

(Foto: Diego Mesquita/Assessoria)

O vereador Kennedy Marques, que foi o único a responder à nossa equipe, disse que é possível produzir, ter uma vida confortável de forma responsável, preservando e cuidando do meio ambiente, evitando consumo desenfreado. Ele reconhece que a sociedade ainda está distante de entender que precisa assumir responsabilidades individuais e coletivas.

O político disse que, no início do seu mandato, contratou alguns engenheiros ambientais e profissionais da área e desenvolveu um projeto intitulado ‘Plantando Uma Nova Semente’, que era um estudo e projeto para mudar o modo de trato e destinação dos resíduos sólidos na cidade de Manaus, mas que, infelizmente, não avançou por falta de interesse da sociedade.

Marques disse que propôs um projeto de lei  que institui o programa ‘Moeda Verde’ na cidade, que tem como objetivo principal incentivar o engajamento dos munícipes nos programas de coleta seletiva, ampliar a quantidade de pontos de coleta de resíduos, promover a educação ambiental e a conscientização sobre a importância da reciclagem e do consumo ambientalmente consciente e valorizar o trabalho dos catadores e das cooperativas. Outro projeto do parlamentar instituiu a ‘Política de Redução do Uso de Papel pela Administração Pública do Município de Manaus’.

“Atuo em várias denúncias de suspeitas da prática de crimes ambientais, já fiz diversas representações junto ao Ministério Público para que os suspeitos respondam pelos seus atos, além de levar para as escolas da rede municipal palestras de conscientização. Faço, ainda, parte de um projeto onde os alunos juntam tampinhas de garrafas pet, onde conseguem vender e, com esse valor, custeiam metade do valor da castração de seus animais e eu me responsabilizo pela outra parte do pagamento, para ensinar as crianças que podemos ter consciência ambiental e realizar coisas positivas que impactam em várias áreas da nossa vida e da coletividade”, afirmou.

O parlamentar disse que a estrutura governamental dificulta o desenvolvimento de políticas públicas efetivas. Ele exemplificou a afirmação citando o fato de que ele, enquanto vereador, não pode propor projetos que onerem o Executivo.

“Como vou propor que o Executivo, por exemplo, implante em seus prédios um sistema de reaproveitamento de águas pluviais, se isso irá causar oneração (obrigação) para ele? A solução, atualmente, é fazermos isso por meio de indicações, que sabemos que não tem o poder de impor, apenas de sugerir que o poder público implante. Então, eu acredito que precisamos mudar a estrutura para possibilitar que projetos sejam implementados. Se essa mudança da estrutura acontecer, aí, é preciso ter mais investimento em educação ambiental, punições e incentivos”, finalizou o vereador.

 

LEIA MAIS: