Manaus, 26 de abril de 2024
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Cidades

Professores são contaminados pela Covid após retorno às aulas em Manaus

O prefeito David Almeida vem descartando qualquer possibilidade de terceira onda da covid-19 na capital amazonense

Professores são contaminados pela Covid após retorno às aulas em Manaus

Foto: Reprodução

Manaus, AM – Quatro escolas municipais da capital amazonense registraram, nesta semana, casos de professores que foram diagnosticados com covid-19 logo após o retorno das aulas presenciais nas unidades de ensino, retomadas no dia 31 de maio. As informações são do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Amazonas (Sinteam), que vem realizando atos públicos que conscientizam a população para não aderir à volta das atividades em formato presencial.

A preocupação dos professores, que não é de hoje, se dá em razão de nem todos os educadores terem sido vacinados contra a covid-19 para o início dos trabalhos nas unidades de ensino. Essa volta às aulas, inclusive, pode estar relacionada à hipótese de uma terceira onda do coronavírus em Manaus, conforme apontam especialistas.

Em negação aos fatos e dados científicos, o prefeito de Manaus, David Almeida, vem afirmando que não há possibilidades de ocorrer uma nova onda da pandemia na cidade. Apenas 20% da população de Manaus tomou as duas doses e completou a imunização.

Até agora, segundo denuncia o Sinteam, as escolas municipais Dr. Raymundo Nonato Magalhães Cordeiro, na zona leste; Profª Marly Barbosa Garganta, zona leste; Nossa Senhora do Rosário, também na zona leste e o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Professora Naíde Soares de Oliveira, zona oeste, apresentaram casos de docentes infectados com coronavírus após o retorno das aulas.

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A Escola Municipal Dr. Raymundo Nonato Magalhães Cordeiro, inclusive, fechou as portas, nessa semana, por tempo indeterminado e segue sem aulas presenciais. Duas servidoras testaram positivo para covid-19 na última sexta-feira (11) e foram isoladas. O caso foi confirmado pela própria Secretaria Municipal de Educação (Semed), que, em nota, também anunciou uma testagem em massa em servidores e alunos da escola.

As aulas presenciais na rede municipal estavam previstas para o dia 18 de maio, mas foram adiadas para o dia 31 do mesmo mês. Segundo a Semed, a retomada só aconteceria quando todos os servidores estivessem vacinados. A aplicação das vacinas nos docentes teve início no dia 19 de maio. Embora nem todos estejam imunizados até hoje, de acordo com o Sinteam, a Semed manteve o retorno das aulas no dia 31.

“Eles (professores) podem se contaminar, contaminar os alunos e os alunos contaminar suas famílias porque as aulas são híbridas somente para os estudantes. Os trabalhadores estão todos os dias na escola atendendo presencial e remotamente os que estão em casa”, disse a presidente do Sinteam, Ana Cristina Rodrigues.

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“O risco de não vacinar ou tomar somente uma dose da vacina é praticamente o mesmo. Temos relatos de colegas contaminados e que contaminaram familiares que precisaram de internação”, continuou.

Vacinados

A educadora diz que o diálogo com o prefeito David Almeida e com a prefeitura é difícil. Até mesmo os números exatos referentes aos professores já vacinados na capital não são informados pela Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), apesar de já solicitado.

“O ideal, sim. Não temos. Já solicitamos a informação à Semsa e FVS, mas ainda não responderam. O que sabemos é que a maioria dos trabalhadores só recebeu a primeira dose da vacina e a imunização só acontece, segundo a bula das vacinas e a Anvisa, 15 dias após a segunda dose das vacinas”, disse ao Portal AM1.

A reportagem procurou a Semsa, via e-mail, solicitando os dados referentes ao número de professores da rede pública vacinados com a 1ª e 2ª doses da vacina contra a covid-19. Porém, não houve retorno.

Greves

Por conta disso, a categoria aderiu a uma greve. Nem todos os professores não vacinados estão indo dar aulas presenciais com receio da contaminação.

“O sindicato decretou greve sanitária com paralisação das aulas presenciais e manutenção das aulas remotas até a imunização de toda a categoria, com as duas doses da vacina e 15 após para o efeito do imunizante. Enquanto isso, a visita às escolas continua e todas as denúncias serão encaminhadas ao Ministério Público Estadual”, diz um post publicado nas redes sociais do Sinteam.

As greves também foram aderidas pelo Sindicato dos Professores e Pedagogos de Manaus (Asprom) que, na última terça-feira (15), realizou uma manifestação contra o Projeto de Lei 20/2021. O PL obriga o retorno de aulas presenciais durante a pandemia no Amazonas.

“Já sabíamos que isso ia acontecer como foi no ano passado. Já temos a vacina. Por que não esperar um pouco mais e voltar com segurança?”, questionou Ana Cristina nas redes sociais.

3ª onda

O retorno das aulas presenciais, em setembro do ano passado, foi o grande causador da segunda onda da covid-19 na capital, em janeiro, quando houve uma explosão de novos casos diários, além do colapso no sistema de saúde pública, conforme aponta Lucas Ferrante – que é biólogo epidemiologista e pós-doutorando no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

“O primeiro ponto é que em um artigo científico publicado na revista Cientific Repost foi mostrado que crianças têm uma carga viral equivalente à dos adultos e transmitem o coronavírus, mesmo quando estão assintomáticos […] De fato, o retorno das aulas presenciais foi o causador da segunda onda em Manaus e também o causador da variante P.1, porque nós tivemos um aumento da circulação de mobilidade no transporte público com o retorno dessas aulas em mais de 40% para Manaus”, explicou.

Segundo o pesquisador, não adianta o poder público apenas adotar protocolos de segurança e sanitários nas escolas, quando os professores, demais servidores das unidades de ensino, além dos alunos, estarão se expondo ao se locomover para ir até a escola. Ele também explica que o retorno das aulas presenciais é inviável – uma vez que Manaus ainda se encontra na fase de ‘transmissão comunitária’.

Foto: Reprodução. Lucas Ferrante, biólogo epidemiologista e pós-doutorando no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

“Inclusive, em um segundo artigo publicado na Science, coloca-se que é consenso que, mesmo entre aqueles defensores do retorno das aulas presenciais sem a vacinação de que não se deve fazer tal retorno quando uma localidade está em transmissão comunitária. Então, o caso de Manaus é de transmissão comunitária, nós não identificamos todos os casos de Manaus e conseguimos fazer controle dessas pessoas em casa. Então, uma localidade que ela não está em transmissão comunitária, você consegue monitorar caso por caso – o que não é o caso de Manaus. Manaus tem milhares de casos ativos e está em transmissão comunitária”, alertou.

O ideal seria os professores e alunos voltarem para as unidades de ensino somente quando todos os docentes fossem imunizados de fato, ou seja, recebessem a 1ª e 2ª dose da vacina contra a covid. Isso porque, segundo o especialista, tomar somente a 1ª dose não significa que a pessoa está protegida ou que não transmitirá a doença.

“E por que a gente tem que considerar só quem teve a segunda dose? A primeira dose, é importante que se diga, ela foi criada com base na variante que deu origem na pandemia e as segundas doses são as doses de reforço que protegem contra as variações do vírus, e as variantes são responsáveis pela totalidade de casos hoje. […] Então, de fato, quem tomou a primeira dose não está definitivamente imunizado e nós temos que considerar os imunizados”, disse.

Riscos

Lucas Ferrante aponta, também, que os riscos para as crianças estudantes são ‘enormes’. “Já se tem observado sim mortalidade, internações e sequelas em crianças. Embora a taxa proporcionalmente aos adultos seja menor, mas o risco não é zero, existe o risco de mortalidade, existe o risco de internação e existe o risco de sequela”, explicou.

Prefeito mentiu

Na contramão do que dizem os cientistas e pesquisadores, na última terça-feira (15), o prefeito de Manaus, David Almeida, afirmou, com todas as letras, que não há possibilidade de ocorrer uma terceira onda da covid-19 em Manaus. A hipótese já foi levada em consideração até pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC).

“Tivemos um mutirão de 34 horas vacinando, mais de 141 mil pessoas imunizadas, de 40 a 51 anos, população essa que corresponde a 91% das que vieram a óbito na segunda onda da Covid-19, com isso, eu afirmo: vivemos um momento diferente em Manaus, nós já não vamos passar pela terceira onda, nos preparamos para isso”, afirmou o prefeito.

O pesquisador Lucas Ferrante rechaçou a declaração de David Almeida e disse que ele mentiu e vem mentindo ‘sistematicamente’, principalmente sobre o número de vacinados na cidade.

“Quando um político vai à televisão ou à rádio falando que não existe risco, ele mentiu, como o prefeito de Manaus mente sistematicamente. Outros fatos que mostram que o prefeito mente sistematicamente é que a população de vacinados em Manaus não é a que o prefeito de fato tem anunciado. A população de vacinados de fato, de vacinados que a gente considera imunizados, ela gira em torno de 13% – que é de fato a população que recebeu a segunda dose”.

Ao negar a possibilidade de uma terceira onda, David Almeida coloca toda a população amazonense em risco, conforme afirmou Lucas Ferrante.

“Então, nós já vemos e damos o alarme de que a terceira onda está ocorrendo. Quando o pico da terceira onda vai ocorrer, é relativo. Mas o prefeito mente e coloca a população em risco em falar que não existe risco de terceira onda. Isso é uma mentira deslavada! Isso já foi reconhecido até pelo Governo do Amazonas, que existe risco de terceira onda, e o prefeito não sabe o que ele fala, não tem competência para estar no cargo”, disparou.

“Os dados são incisivos, não é minha opinião, e é importante dizer que opinião não contraria estudo científico, muito menos a do prefeito – que não tem se pautado por consultar técnicos, né. É importante dizer que esses artigos mostram risco de terceira onda sim e que não é viável o retorno das aulas presenciais até vacinarmos de 90% a 95% de toda a população de Manaus com a segunda dose. Então, a vacinação ainda tem que avançar muito. Não enviem seus filhos para as escolas, é uma recomendação que eu dou para os pais”, finalizou o pesquisador.

Semed

A reportagem procurou a Semed para questionar os supostos casos de professores contaminados pela covid-19 em quatro escolas municipais, após o retorno das aulas. Mas a pasta, em nota enviada via e-mail, se esquivou de falar do assunto. Foi informado apenas que, “até o momento, os servidores que testaram positivo apresentaram sintomas leves e seguem se recuperando em casa. Não há casos confirmados envolvendo alunos”.

As demais informações na nota são voltadas apenas para as ações que vêm sendo realizadas nas escolas para o enfrentamento da pandemia.

Leia na íntegra:

A Secretaria Municipal de Educação (Semed-Manaus) informa que as aulas na rede municipal de ensino, que iniciam no dia 31 de maio em formato híbrido, com atividades presenciais e remotas, seguem normalmente.

O órgão reitera que criou um comitê intersetorial, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), que monitora, entre outras coisas, o número atual de infectados e o índice de propagação do vírus em cada zona da cidade.

O grupo de trabalho, dividido em 6 eixos (Pessoal, Controle Epidemiológico, Comunicação, Infraestrutura, Logística, Tecnologia e Pedagógico), realiza estudos para adequação das unidades de ensino, com a aplicação de cartazes e adesivos com informações sobre o distanciamento social e de prevenção à Covid-19.

A Secretaria esclarece que o procedimento padrão da rede municipal para evitar a propagação do coronavírus nas unidades é realizar o teste imediatamente em quem apresentar qualquer sintoma.

Profissionais ou alunos que testarem positivo serão afastados das atividades presenciais até que estejam 100% recuperados. A Semed afirma ainda que, junto com a Semsa e a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), irá monitorar os casos suspeitos, assim como o estado de saúde de quem testar positivo para Covid-19. Até o momento, os servidores que testaram positivo apresentaram sintomas leves e seguem se recuperando em casa. Não há casos confirmados envolvendo alunos.