Manaus, 28 de abril de 2024
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Manaus, 28 de abril de 2024

Opinião

Ruy Marcelo

Saneamento ecológico: multar não é suficiente

Obviamente, não foi apologia à impunidade, defesa de uma renúncia à função repressiva nem muito menos declaração de descrença ao poder sancionador que assiste aos tribunais de contas.

Saneamento ecológico: multar não é suficiente

(Foto: Semulsp/Divulgação)

(*) Ruy Marcelo

Por ocasião do seminário alusivo ao dia mundial da água, sobre os desafios de governança e preservação dos igarapés de Manaus, realizado pelo MP de Contas e ECP/TCE/AM, afirmei que multar os gestores omissos era ineficiente.

Obviamente, não foi apologia à impunidade, defesa de uma renúncia à função repressiva nem muito menos declaração de descrença ao poder sancionador que assiste aos tribunais de contas. Nada disso. Fiz referência à necessidade de emprego de outros métodos de controle da Administração Pública como condição para exercício do papel indutor de políticas públicas e alcance de resultado mais satisfatório na busca e realização concreta do interesse público.

As sanções (no caso, não apenas a multa, mas também a reprovação das contas, a condenação ao ressarcimento e a perda do cargo), são importantíssimos meios para reprimir a ilegalidade e a má-gestão, seja por erro grosseiro ou negligência, seja por atos ilícitos dolosos (propositais), até porque penalidade exemplarmente aplicada produz efeito dissuasório ou inibitório sobre novas condutas semelhantes.

A mensagem é que não basta, é preciso ir além a fim de que o controle externo realize o fito de cooperar e contribuir decisivamente ao avanço das políticas públicas e à maior eficiência do Estado na realização de seus fins. Nesse campo, combinam-se outros instrumentos processuais, de feição estruturante, que ajudem e incentivem o gestor público a galgar as metas de realização.

Dessa natureza são, por exemplo, em primeira linha, as ações de capacitação. O erro pode ser fruto da ignorância e boa-fé. O maior avanço pode depender da criação de fóruns, cursos e outros espaços de orientação e discussão aprofundada de assuntos de maior complexidade técnica, financeira e operacional.

Nessa mesma direção, também se apresentam as recomendações ao gestor (obviamente vinculantes), no bojo do julgamento das contas, das auditorias, dos acompanhamentos, das representações ministeriais. O MP de Contas pode fazê-lo desde o primeiro momento, pré-processual, ainda que sem caráter vinculante, de acordo com seu estatuto nacional, poupando o tempo e trabalho dos auditores e conselheiros para outras atividades de controle.

Somam ainda as técnicas de mediação e solução consensual via ajustamento de gestão, em pleno desenvolvimento, especialmente no TCU, sob a liderança de seu Presidente Ministro Bruno Dantas.

Em qualquer estratégia, a dinâmica de fiscalização há de ser intensiva (como hoje vemos estimular, no Amazonas, a Conselheira Presidente Yara Amazônia Lins dos Santos, pelo “Blitz TCE”), pois, somente assim, amiúde e continuamente, torna-se possível assegurar eficácia, eficiência e economicidade dos programas de curto, médio e longo prazo.

No caso do saneamento dos igarapés de Manaus, há um vasto, complexo e oneroso caminho pela frente.

É preciso fortalecer comando e controle para garantir o uso múltiplo, lícito, inclusivo e sustentável em cada bacia hidrográfica, inclusive nos terrenos do entorno, que devem receber requalificação urbanística e ecológica, para abrigarem as matas ciliares, protetoras das águas e das populações (contra inundações e eventos erosivos), sem prejuízo da paralela política habitacional, em favor das populações vulneráveis situadas em áreas de risco e submoradias alagáveis.

Igualmente, relevante implantar os serviços, estruturas e instrumentos da política de gerenciamento e governança das bacias hidrográficas. Ativar postos que deem visibilidade ao comitê de bacia e ao gestor público, que deve atuar no território em posição administrativamente análoga a de um subprefeito distrital de usos. Por enquanto, temos precariamente instalado apenas o comitê de bacia do Tarumã-açu.

Por outro lado, não menos imprescindível é o grande desafio de implantar o saneamento básico no entorno dos igarapés e na cidade toda, capaz de eliminar o despejo de grande quantitativo de lixo e lançamento de esgoto não tratado nas águas.

Nesse rumo, a Prefeitura de Manaus deu um grande passo ao regularizar a concessão municipal por meio da aprovação de plano diretor de expansão da rede de tratamento de esgotos com horizonte de universalização para 2033 de acordo com o novo marco do saneamento (Programa Trata Bem Manaus).

Mas a Administração ainda está a dever o plano diretor de drenagem e os projetos de manejo de resíduos sólidos urbanos, que, em consonância com a Política Nacional, contemplem não somente nova planta de aterro sanitário, mas também a ampliação da coleta seletiva, das centrais de triagem, contratação de catadores e indústrias de reciclagem, as usinas de compostagem de orgânicos e cobrança da logística reversa da indústria e do comércio. Oxalá, tais medidas estejam entre as novidades a serem anunciadas em abril, como antecipou o Secretário Municipal de Meio Ambiente no evento mencionado acima.

 

(*) Mestre em Direito Ambiental, professor de Direito e procurador de contas

 

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