Manaus, 24 de abril de 2024
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Manaus, 24 de abril de 2024

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Seminf reserva R$ 619 milhões para empresas do ramo de asfalto, mas Manaus continua ‘só buraco’

Duas licitações milionárias amarram a Seminf a mais de 10 empresas em contratos que somam R$ 619 milhões; enquanto isso, bairros de Manaus continuam sem ter asfaltamento

Seminf reserva R$ 619 milhões para empresas do ramo de asfalto, mas Manaus continua ‘só buraco’

MANAUS, AM – Desde o início da gestão do prefeito David Almeida (Avante), a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf), comandada pelo vice-prefeito e secretário de Infraestrutura, Marcos Rotta, vem realizando diversos gastos, por meio de contratos milionários, para o serviço de requalificação viária, recapeamento, asfaltamento e drenagem. Porém, por onde se anda, é possível ver que as ruas de Manaus continuam cheias de buracos e em completo abandono, com vasta reclamação da população nas redes sociais. Especialmente nas ruas periféricas. O Portal AM1 flagrou esta semana bairros nobres, como o Vieiralves, sendo asfaltados, enquanto a população menos privilegiada não tem a quem recorrer.

Em todo o ano passado, a Seminf gastou mais de R$ 23,5 milhões em contratos firmados com empresas diferentes para obras de infraestrutura nas ruas da cidade. Ao todo, segundo a área de “contratos” no Portal da Transparência de Manaus, foram firmados oito contratos sendo eles com a Astec, Pomar Comércio, Mabole, CBAA Asfaltos, Nunes Comércio de Materiais de Construção, Delta Comércio.

Já neste ano, em menos de três meses, duas licitações milionárias amarram a Prefeitura de Manaus em contratos com empresas tradicionais na capital no ramo da construção e asfáltico. Somando os dois certames, a Seminf vai pagar R$ 619.286.939,10 para tapar os buracos das ruas.

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A primeira licitação, de nº 003/2021, foi aberta ainda em 2021 e declarou 15 empresas como vencedoras do certame: Ardo Construtora e Pavimentação; Construtora Etam; Iza Construções e Comércio; Construtora Soma; Pomar Comércio de Derivados de Petróleo e Construção; Compasso Construções; Solo Aluguel de Máquinas e Equipamentos Comerciais; Tercom Terraplanagem; CDC Empreendimentos; RNC Construtora; PS Serviços de Construções; JC De Oliveira Filho – Construções e Terraplanagem; Pontual Serviços; Maracanã; Nale Engenharia.

Juntas, as firmas vão abocanhar o total de R$ 310.775.040,00 dos cofres públicos municipais para prestação de serviços contínuos de usinagem de concreto betuminoso a quente [asfalto], incluindo o fornecimento de material.

Foto: Reprodução

Parte delas já fechou a “parceria” com a Seminf, uma vez que o contrato já foi até publicado no Diário Eletrônico de Manaus. Na edição do dia 25 de fevereiro, a pasta publicou 11 extratos de contrato, sendo nove firmados com empresas diferentes, e dois com apenas uma. Todos eles oriundos do Pregão Presencial 003/2021, o mesmo citado acima.

Se somado, o valor dos contratos chega a R$ 142.438.560,00. Enquanto nove firmas vão receber R$ 12,9 milhões, cada, a empresa Iza Construções e Comércio vai faturar R$ 25.897.920,00, já que emplacou dois contratos para o mesmo serviço.

Mais licitação

Não sendo o bastante, no dia 23 de fevereiro, já deste ano, a Seminf realizou uma nova licitação no processo chamado Concorrência nº 005/2021. Nesse certame, mais 16 empresas serão pagas pela prefeitura para “prestação de serviços contínuos de recuperação viárias na cidade”. O valor total das contratações é de R$ 308.511.899,10.

Vale destacar que das 16 firmas, 12 são as mesmas vencedoras no pregão nº 003/2021: Ardo Construção; Construtora Soma; CDC Empreendimentos; Nale Engenharia; Construtora Etam; Tercom Terraplanagem; Compasso Construtora; Pomar Comércio; Solo Aluguel de Máquinas e Equipamentos; JC de Oliveira Filho – Construções; Iza Construções e Comércios; e Pontual Serviços.

O certame também inclui a Holmes Transporte, Construtora Escala, Mabole Construção, JL Construção e Locação.

De novo

Essa não é a primeira vez que Marcos Rotta autoriza contratações da ordem de R$ 300 milhões para a pasta que ele comanda. Em setembro de 2021, o Portal AM1 noticiou que a Seminf homologou uma licitação que totalizava mais de R$ 220 milhões em futuros contratos com cinco empresas diferentes. Algumas delas amarradas a mais de um negócio com a secretaria.

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São elas: PR Construções e Terraplanagem; DR7 Serviços de Obras de Alvenaria; Holmes Transporte Rodoviário; Pomar Comércio de Derivados de Petróleo de Construção; e Iza Construções e Comércio Eireli. Nota-se que essas três últimas também são as que aparecem como uma das vencedoras nas licitações citadas anteriormente nesta reportagem.

O serviço licitado foi de usinagem de Concreto Asfáltico (CA), incluindo o fornecimento dos materiais e outra para execução de serviços comuns de drenagem superficial e microdrenagem.

10 mil ruas

É importante ressaltar que a soma dos dois certames citados anteriormente, que somam mais de R$ 600 milhões, tem um destino. No final do ano passado, o prefeito David Almeida afirmou que ia providenciar o recapeamento de 10 mil ruas em toda a cidade e que o processo licitatório já estava encaminhado.

Em entrevista, o gestor apontou que o gasto com as obras seria aproximadamente mais de R$ 600 milhões. Almeida voltou a fazer essa afirmação no mês passado, quando vistoriou obras municipais nos conjuntos Sérgio Pessoa Neto e Francisca Mendes, zona Norte, e Parque das Laranjeiras, zona Centro-Sul.

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Foto: Arquivo AM1

As licitações citam os lotes, mas não dão detalhes sobre as zonas e regiões da cidade, que possivelmente serão contempladas. No entanto, o que se vê são ruas e mais ruas esburacadas, principalmente em bairros mais afastados do Centro de Manaus.

Buraqueira

Enquanto David Almeida e Marcos Rotta se empenham em firmar contratos milionários para asfaltamento, o serviço não está chegando aos moradores da cidade. São incontáveis os números de reclamações nas redes sociais e de denúncias que o Portal AM1 recebe sobre o problema.

Nas últimas semanas, a via que bateu recorde de reclamações por conta dos buracos foi a rua Mantiqueira, esquina com a rua Cubatão, no bairro Redenção, zona Centro-Oeste da cidade. O problema que apareceu devido a uma obra de reparo em uma tubulação já é antigo e há anos causa transtorno aos moradores, mas, com a nova gestão, continuou sendo o pesadelo das famílias que moram na região.

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Sem qualquer tipo de assistência da prefeitura, mesmo fazendo cobranças, os moradores decidiram cantar “parabéns” para o buraco, numa espécie de aniversário, já que o problema estava completando um ano e nada de ser solucionado.

Outro bairro enfrentando problemas com buraco nas ruas é o bairro Santo Antônio, na zona Oeste. No local, os moradores reclamaram de um serviço incompleto feito pela Seminf. Segundo eles, a pasta teria recapeado apenas o trecho da rua que passa em frente a uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas na parte inferior da rua, a via estava completamente esburacada.

“Isso é só um serviço superficial. O ideal é fazer o serviço completo, que é recapear toda a via, e não jogar apenas o asfalto. Daqui a pouco, esses buracos estão abertos de novo”, disse um dos moradores ao Portal AM1.

Acidentes

No final do mês passado, foi a vez de moradores da zona Norte relatarem à reportagem a falta de recapeamento nas ruas Francisco Lima, chamada também de ‘Rua Bem-Te-Vi’ e na Almíscar, ambas localizadas no bairro Colônia Terra Nova, zona Norte, que são verdadeiras buraqueiras a céu aberto.

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Nos locais, o buraco e a falta de assistência da prefeitura já causaram até a queda de um jovem que acabou quebrando o braço durante o acidente; além disso, uma moradora com câncer enfrenta dificuldades para sair de casa por conta da buraqueira.

Até mesmo acidentes de trânsito são ocasionados por buracos não recuperados pela Seminf. No último dia 14 de fevereiro, um ônibus da linha 418 se chocou contra uma carreta, na avenida Abiurana, no Distrito Industrial, zona Sul de Manaus. Uma pessoa ficou ferida no acidente.

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O ônibus passou por um buraco e acabou quebrando o pino do eixo traseiro do veículo. Com o impacto, o motorista perdeu o controle e bateu na carreta, que estava parada. A lateral do ônibus foi arrancada e os bancos ficaram expostos.

Asfalto na rua do prefeito

Vale lembrar do episódio que ocorreu logo no início da gestão de David Almeida, em fevereiro de 2021, quando parte da rua em frente à casa em que o prefeito morou, no bairro Morro da Liberdade, na zona sul da cidade, foi a única a receber recapeamento asfáltico em uma operação de tapa-buracos da Seminf.

Embora não more mais lá, Almeida usa o terreno, que ainda é seu, como escudo, querendo mostrar que ainda mantém as raízes humildes do ‘menino do Morro’. A sede da campanha dele foi toda nessa residência.

O prefeito, na época, alegou não ter conhecimento do ocorrido e que a obra não tinha a sua permissão.

Bairros de luxo

Atualmente, um ano depois, enquanto a população de bairros pobres sente o abandono na sola do pé, sem asfalto em suas ruas, os mais ricos desfrutam de uma estrutura viária impecável e imediata.

A equipe de reportagem do Portal AM1 percorreu alguns bairros nobres da cidade e verificou de perto que, por lá, a prefeitura está sempre presente e o “trabalho não para” nesses conjuntos. No Vieiralves, zona Centro-Sul de Manaus, por exemplo, as ruas Jutaí, Rio Madeira e Rio Mar estão todas com asfalto novo e “lisinho”, um verdadeiro tapete asfáltico.

Especialista

A reportagem do Portal AM1 procurou um especialista sobre serviços de asfaltamento e recapeamento. Em conversa com o engenheiro civil Hiran Júnior, ele apontou que o valor de R$ 619 está quase no limite do considerado normal para contratações deste tipo.

“É um pouquinho aquém [sic], né. Acima do normal. São empresas antigas e tradicionais né na capital […] Vamos falar que está justo, que está suficientemente cheio, não está transbordando […]”, disse Hiran.

Porém, embora seja um alto valor, a quantidade de 10 mil ruas que deverão ser atendidas, conforme anúncio do prefeito, podem não ter um serviço de qualidade. Segundo o especialista, tudo vai depender do volume de asfalto que será colocado nessas ruas.

“Pelo valor que está colocado a quantidade de ruas, eu não creio que seja suficiente para atender com qualidade suficiente esperada pela população, porque ele pode colocar até 15 mil ruas, que seja, 10,5 mil ruas, mas o volume colocado por via vai ser o suficiente para que consiga tampar o buracos e consiga dar qualidade no asfalto? O cálculo de asfalto é feito por volume. Quanto de espessura ele vai conseguir colocar por via? Aí tem a ver com o quê? Com o objeto licitado, tem a ver com a fiscalização da própria prefeitura. Ele pode colocar 3 cm, que é, de um jeito bem grosso de falar, é uma polegada, né, e é o suficiente para tapar o buraco de uma rua? O ideal é que seja de cinco a dez. Ele vai conseguir colocar 10 cm de altura final para cada rua dessas 10 mil ruas?”, explicou.

Hiran Júnior também apontou que, agora, não seria o momento ideal para se iniciar frentes de trabalho para asfaltamento, isso porque a capital vive um período intenso de chuvas, que afetam significativamente na qualidade do asfalto e no resultado final do serviço.

“Se ele pega um material quente num tempo chuvoso, nublado, ele não vai ficar tão bom, não vai ser de melhor serventia para a população. Acaba que, se a rua não tiver quente, com o produto quente, com a liga quente e o tempo frio, não vai dar 100% de liga, de prensa, não dá 100% de qualidade no produto que está sendo pago. Esse serviço seria muito mais interessante que fosse feito em julho e agosto. Em expressão usada na engenharia se diz que é o ‘sol de papagaio’, ‘sol de praia’, e não nesse período de chuva né, março, abril, maio. Isso também contribui muito para a qualidade do serviço”, afirmou.

O especialista também explicou que um dos motivos pelo qual as ruas das zona Norte e Leste não recebem tanto serviço de asfaltamento é devido à fragilidade das estruturas das casas, visto que a maioria foi construída sem planejamento técnico. Por isso, quando máquinas pesadas, como tratores, passam pelas ruas, as casas tremem, o que pode gerar até rachaduras nas residências. Porém, ele explica que há, sim, a possibilidade de se usar máquinas e equipamentos mais leves, sem problema algum; mas é necessário interesse da administração.

“Por que na zona Norte e zona Leste não há tanto investimento de asfalto? Porque lá, as casas não têm uma construção mais técnica, eles não têm a preocupação de fazer uma casa sólida, porque lá é periferia, por si só. O que acontece é que as máquinas são pesadas. Retroescavadeira, caçamba, trator são de classificação de máquinas pesadas. Se uma máquina dessa passa subindo uma ladeira, descendo ladeira, as casas vão trepidar, vão rachar. Isso justifica alguma coisa. É justificativa de tudo? Não, porque existem máquinas mais leves e menores, existe como cobrar do contratante que ele tenha uma máquina na versão mini, mais leve. Mas, não existe tanto interesse também”, disse Hiran Júnior.

Sem resposta

O Portal AM1 procurou a Seminf, mais de uma vez, a fim de explicar sobre os trâmites do certame, como será desenvolvido esse serviço de recapeamento, que custará milhões, além de solicitar informações sobre os nomes dos bairros e ruas que serão beneficiados. Porém, não houve retorno até a publicação da matéria.