Manaus, 26 de junho de 2024
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Cenário

‘Voto de Cabresto’: o fiel ainda segue as orientações do líder religioso?

Os deputados Silas Câmara, João Luiz e os vereadores João Carlos, Joelson Silva, Marcel Alexandre e Raiff Matos, são alguns nomes eleitos pelo 'voto evangélico'.

‘Voto de Cabresto’: o fiel ainda segue as orientações do líder religioso?

(Fotos: Divulgação)

Manaus (AM) – Este ano acontece mais uma eleição, momento em que a população deverá escolher um prefeito para comandar Manaus e 41 vereadores que serão os representantes do povo pelos próximos quatro anos e, com a chegada do pleito, muitos líderes religiosos já começam a ‘indicar’ os seus candidatos aos fiéis.

No entanto, o que no passado poderia ser considerado algo comum, hoje, não tem a mesma facilidade, uma vez que muitos desses religiosos não seguem mais as determinações desses pastores, apóstolos, bispos ou simplesmente líderes de denominações evangélicas.

Com o passar do tempo, alguns desses nomes que foram eleitos pelo segmento religioso se tornaram ‘figuras’ conhecidas no meio político, não somente por pertencer a essa parcela da população, mas por acabarem não correspondendo aos anseios desse eleitorado.

Outro fator é o envolvimento em polêmicas, como acusações de corrupção, elevados gastos com o dinheiro público, um número expressivo de ausências nos Parlamentos e o enriquecimento desses candidatos “ungidos”.

Diante desse cenário, esses eleitos perdem a credibilidade e, por consequência, os “cabeças” não conseguem mais uma adesão massiva de apoio dos fiéis aos seus projetos políticos, como era comum na década passada.

Sobre esse assunto, o Portal AM1 ouviu dois especialistas para entender melhor esse fenômeno na sociedade.

Políticos ligados às igrejas

Alguns dos eleitos pelo “voto evangélico” são bem conhecidos no cenário político local, como o deputado federal Silas Câmara (Republicanos), membro da igreja Assembleia de Deus, que atualmente está no seu sexto mandato consecutivo na Câmara dos Deputados, ou seja, ocupa uma das oito vagas do Amazonas desde 1999.

Há também outros nomes conhecidos que, hoje, exercem cargos eletivos: João Luiz (Republicanos), que está em seu segundo mandato como deputado estadual e o vereador João Carlos, do mesmo partido, que foi o vereador mais votado nas eleições de 2020, obtendo 13.880 votos.

Ambos são da Igreja Universal do Reino de Deus. João Luiz também foi o vereador mais votado de Manaus quando concorreu ao cargo no pleito de 2016, com exatamente 13.978 votos.

O atual quadro de vereadores da Câmara Municipal de Manaus (CMM) conta com diversos nomes ligados a denominações evangélicas. Entre eles estão: Joelson Silva (Avante); Marcel Alexandre (PL); Eduardo Alfaia (Avante); Jaildo Oliveira (PV); Márcio Tavares (Republicanos); Professor Samuel (PSD) e Raiff Matos (PL).

Na esfera estadual, além de João Luiz, o segmento conta com outros representantes que são: Dan Câmara (Podemos) e Daniel Almeida (Avante).

Teologia do domínio               

O sociólogo e teólogo Celso Corsino disse à reportagem que essa relação do líder evangélico indicar seu candidato ao fiel é abusiva, uma vez que não há na Bíblia, nem na Constituição Federal, a permissão sobre orientar o voto de outra pessoa.

Além disso, o sociólogo afirma que, para embasar o argumento de que o membro da igreja precisa seguir as suas orientações em relação ao voto, esses pastores e líderes religiosos, em geral, utilizam a chamada ‘teologia do domínio’, que em resumo, é um conjunto de ideias que visa submeter a vida pública ao domínio religioso.

A atitude, segundo o especialista, é uma forma de convencer o fiel que o candidato indicado é amigo da igreja, diferente dos que a igreja não apoia.

“Muitos líderes, principalmente, de igrejas pentecostais, usam textos do antigo testamento para disseminar essa teologia do domínio, que prega que a Igreja deve dominar este mundo, em todas as áreas, educação, ciência, política e outras, ou seja, de que a igreja deve se infiltrar em todos os espaços de poder”, explica.

Celso disse que as pessoas que seguem as orientações, em sua maioria, se dedicam à fé e veem o líder como alguém a quem deve obediência. Além disso, pela falta de conhecimento bíblico, elas acabam achando que essa obediência pode também entrar no campo político; e, na verdade, não pode.

Segundo o teólogo, na época em que Jesus esteve na Terra, ele não se envolveu com nenhum movimento político, mesmo existindo vários grupos, como os dos saduceus, fariseus, herodianos e outros.

Ele enfatiza que Jesus não teria se envolvido pela simples razão de que, se ele se envolvesse, ele perderia a autoridade para fazer aquilo que era a missão dele, que é a mesma de uma denominação religiosa hoje: pregar o evangelho e amar todas as pessoas indistintamente.

“Ao definir um lado, a Igreja em vez de unir, atrair, ela vai dividir e o papel da denominação não é governar, não é papel de poder; mas é de servir as pessoas. A política libertadora é aquela que a pessoa faz o bem, sem olhar a quem, é pragmática, é quando o eleitor quer boa educação não importa o candidato, ele quer saúde não importa em que candidato ele vai votar. Não precisa ser somente um candidato da igreja”, frisou o estudioso.

 

(Foto: Acervo Pessoal)

Influência reduziu

Para Corsino, essa influência do pastor sobre os liderados era em torno de 20% a 30% há alguns anos; e hoje, é uma porcentagem muito menor. Segundo ele, algo em torno de 15%, mas que em sua opinião, de qualquer forma, faz a diferença numa eleição municipal.

De acordo com Celso, a força do segmento pode ser medida pela quantidade de pessoas que, hoje, compõe a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso, a qual é também conhecida como bancada evangélica.

A FPE, hoje, conta com 228 congressistas e é uma das bancadas com mais influência no Parlamento em Brasília.

“Essa pequena fatia já faz uma grande diferença, porque são votos cativos que já estão seguros, em que esses candidatos, geralmente, nem precisam fazer campanha, basta o líder falar. A demonstração disso é que os políticos quase não falam com os membros, eles falam com os pastores e, depois, os pastores fazem esse trabalho nos bastidores, de convencimento, para votar naquele determinado político e usando argumentos religiosos para isso”, pontuou.

O objetivo é o ‘poder’

(Foto: Acervo Pessoal)

Na visão de Raimundo Nonato Silva, cientista político, antropólogo e membro do Laboratório de Estudo em Economia Política e Cultura (ECOPeC) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), assim como demonstra na gravura do alemão Albrecht Dürer, de 1513, século XVI, intitulada ‘O cavaleiro’, a morte e o diabo, nos remete a compreender o drama vivido pelos pastores de igrejas neopentecostais e de igrejas protestantes em nossa sociedade.

Para ele, o campo da religião se fundamenta no sagrado, na revelação. Ele explica que a sistematização e a interpretação do sagrado é o que se espera de um líder espiritual, que o fiel nutre a crença nas palavras divinas, e consequentemente incorpora para si a ética protestante e a ética pentecostal.

O cientista afirma que, no campo da política, a ética e a virtude são colocadas nas trevas, fazendo surgir a cosmogonia política (doutrinas, princípios), fazendo com que os fins justifiquem os meios para se alcançar o poder, já que no entendimento do especialista, quem entra na arena política visa ao poder.

“Esses dois campos são percebidos pelos fiéis; há insatisfação de pessoas que frequentam as igrejas neopentecostais e as igrejas protestantes, em relação ao uso e abuso do espaço sagrado para a catequização política. As pessoas buscam no templo o conforto espiritual. O templo do político é a rua, a praça, o diretório partidário”, defendeu.

Raimundo acrescentou, em conversa com o AM1, que os interesses que movem muitos pastores a se vincular a determinados candidatos fazem com que as igrejas neopentecostais e as igrejas protestantes passem a fazer parte do que ele denomina de “coronelismo pastoral”. Os fiéis eleitores podem ser percebidos como ovelhas eleitorais.

“Ressalta-se, nem toda ovelha segue o rebanho, em outros tempos os fiéis, em sua maioria, seguem mais as palavras de Deus, do que as palavras políticas dos líderes religiosos”, concluiu o antropólogo.

 

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