Manaus, 7 de junho de 2024
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Manaus, 7 de junho de 2024

Opinião

Ruy Marcelo

A má qualidade do gasto público tem consequência?

As necessidades de custeio dos diversos serviços públicos são variadas e crescentes, ao passo que os recursos são limitados e disputados pelas diferentes demandas.

A má qualidade do gasto público tem consequência?

(Foto: Freepik/Reprodução)

(*) Ruy Marcelo

Nesta semana, a imprensa repercutiu a decisão da Justiça Amazonense que indeferiu pleito de repasse adicional de verba a hospital público, ao argumento de que o problema, no caso, não seria de insuficiência de recursos, mas de má-qualidade do gasto público.

Sem adentrar no mérito da ação judicial, destacamos que a postulação do eminente Defensor Público Arlindo Gonçalves e a respeitável decisão provisória da ilustre magistrada Etelvina Braga (da 3ª Vara da Fazenda Estadual da Capital) nos remetem a campo da ciência jurídica da mais alta relevância e indagação, que busca definir os meios de garantir a eficiência da gestão financeira do Estado, o denominado Direito Financeiro.

O básico do Direito Financeiro consiste em saber que a escassez é própria do desafio de todo e qualquer gestor público, quer em tempo de crise, quer de bonança. As necessidades de custeio dos diversos serviços públicos são variadas e crescentes, ao passo que os recursos são limitados e disputados pelas diferentes demandas.

Sendo assim, embora lhe seja garantida a reserva de fazer o possível, ao gestor não é dado, de ordinário, desculpar-se que deixou de ofertar o serviço essencial porque não havia recurso suficiente, pois a sua função é administrar a escassez sem se acomodar ou renunciar à reponsabilidade de prover as operações estatais obrigatórias, usando de revisão de planos e de inovação estratégica para superação dos obstáculos.

O método elementar para gerir a escassez e entregar o máximo e o melhor ao povo consiste na definição de planejamento no bojo do orçamento-programa. O fatiamento do bolo financeiro do Estado é realizado, no âmbito político, por meio da discussão e aprovação das leis orçamentárias, que garantem a planificação gerencial e financeira no setor público na esteira do processo democrático.

Não obstante, em qualquer lei orçamentária, devem ser observados os parâmetros e preferências ditados pela Constituição Brasileira. O legislador não é livre para formular o orçamento, distribuindo ao acaso, por exemplo, o dinheiro público, com sacrifício dos serviços essenciais em prol de atividades de relevância secundária. Tornou-se muito conhecido, por decisões exemplares do STJ e dos tribunais de contas, a rejeição de verbas milionárias para festejos enquanto carece do mínimo os serviços de saúde, educação e saneamento.

De igual modo, o gestor que aplica o orçamento aprovado também não pode agir indiferentemente ao que diz a Constituição, encarando a lei orçamentária como singela planilha autorizadora de gastos de equivalente magnitude, imune a adequações constitucionalmente impositivas. A disponibilidade de rubricas não basta para abonar o gasto público. É preciso aplicar o orçado, mês a mês, em estreita consonância com as prioridades constitucionais, reveladas nos direitos fundamentais.

Por outro lado, também são ilegítimas as despesas eventualmente realizadas com itens de luxo, supérfluos, inúteis, poluentes, insustentáveis, ineficientes, desnecessários ou ineficazes.

Não menos importante é que cada despesa, mesmo que passada pelo crivo acima (da legitimidade), revista-se de economicidade, considerando os preços praticados no mercado, sem espaço para ocorrência de sobrepreço e superfaturamento, inclusive pela má-qualidade do serviço tomado ou produto adquirido.

O gestor que gasta mal gera despesa ilegítima ou antieconômica, que, nessa qualidade, deve  ser convertida em condenação de ressarcir o erário, por meio de decisão do Tribunal de Contas ou do Poder Judiciário.

 

(*) Mestre em Direito Ambiental, professor de Direito e procurador de contas

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