Manaus, 27 de abril de 2024
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Cenário

Com discurso de ‘injustiçado’, Adail Pinheiro quer voltar a comandar Coari

Condenado por favorecimento à prostituição infantil, desvios de recursos públicos e improbidade administrativa, Adail tenta voltar à Prefeitura de Coari, afirmando que tudo não passou de uma grande "injustiça".

Com discurso de ‘injustiçado’, Adail Pinheiro quer voltar a comandar Coari

Adail durante evento com a população de Coari - (Foto: Divulgação/Instagram)

Manaus (AM) – O cenário político no município de Coari, ao que tudo indica, não terá grandes novidades nas eleições deste ano. Isso porque Adail Pinheiro pretende retornar ao comando da cidade. Apesar de condenado por favorecimento à prostituição infantil, desvios de recursos públicos e improbidade administrativa, Adail vem se apresentando como um possível candidato e pode dar continuidade ao reinado da família Pinheiro, que já dura décadas no município.

O atual prefeito da cidade, Keitton Pinheiro (PP), sobrinho de Adail, já adiantou que não vai concorrer à reeleição e que o apoio será totalmente para eleição de Adail – o que caracterizou como “uma questão de honra para a família Pinheiro”.

Na conta criada no Instagram, em setembro de 2023, Adail demonstra um perfil de pré-candidato, postando vídeos de depoimentos de eleitores da cidade e de reuniões com vários grupos de moradores. Ele, inclusive, chegou a fazer uma carreata no município e reuniu um número expressivo de pessoas. O chefe da família Pinheiro ensaia a volta ao poder após ficar três anos inelegível.

Nos vídeos, ele sorri e abraça as pessoas, o típico comportamento de pré-candidatos em período de eleição. Em um dos vídeos, publicado nas redes sociais, Adail afirma “Estou de volta” e agradece o apoio dos moradores da cidade com um discurso manso e calmo, afirmando que foi “vítima de uma grande injustiça, mas agora está revigorado”.

Em um outro vídeo, gravado durante uma outra reunião com moradores da cidade, Adail já aparece com um tom mais exaltado ao afirmar que adversários querem “confundir” a população.

“Não adianta tentar deturpar as coisas, confundir a cabeça da população. Esse aqui é Adail Pinheiro que voltou, que gosta do povo. Confie nesse caboclo. Esse aqui é o amigo de sempre que voltou para ficar”, disse o ex-prefeito.

Na última pesquisa de intenção de votos, divulgada em novembro de 2023 pelo Instituto Perspectiva Mercado e Opinião, o nome de Adail é lembrado por 20,3% dos eleitores na opção espontânea, quando não são apresentados os candidatos.

Já na estimulada, quando são apresentados os nomes dos candidatos, Adail aparece em segundo lugar com 34,1%, ficando atrás do advogado Harben Avelar, que aparece com 40,4%. Ele será o principal adversário do chefe do clã dos Pinheiros no pleito deste ano.

Força política

Mesmo com o histórico de condenações e com o nome nacionalmente conhecido pelo caso de exploração sexual infantil, Adail não perdeu a força política no município coariense. Prova disso, é que por trás das cortinas, ele conseguiu emplacar os filhos na vida pública. Adail Filho e Dra. Mayara Pinheiro venceram a eleição para a prefeitura do município em 2016. Em 2018, Dra. Mayara foi eleita com a maior votação para Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam).

Em 2022, Adail conseguiu mais um feito e emplacou o filho na Câmara dos Deputados, em Brasília. Na mesma eleição, Dra. Mayara foi reeleita deputada estadual.

No mesmo ano, ele ainda tentou concorrer a eleição em Coari, mas o Tjam rejeitou uma ação do ex-gestor de tenta recuperar os direitos políticos para eleições o manteve inelegível. Com isso, o Pinheiro da vez foi Kleiton que saiu vitorioso da pleito.

Analise

Para o cientista político Carlos Santiago Coari é um exemplo claro que a qualidade da política no Amazonas, em especial no interior do estado, não melhorou mesmo com a interiorização do ensino superior com unidades de universidades públicas e privadas nos municípios.

“A força dos Pinheiros, em Coari, não é diferente de outros municípios que são controlados por políticos da mesma família. Isso demonstra que mesmo a população tendo acesso ao ensino superior a política não mudou no interior. Para piorar, a desigualdade e a pobreza crescem no Amazonas e isso faz com que políticos caciquistas se mantenham no poder”, afirmou o especialista ao Portal AM1.

Já o sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio Nascimento, explica que o fato da população continuar apoiando a família Pinheiro, mesmo após todos os crimes praticados por Adail, é a expressão máxima de um tipo de sociedade que normaliza crimes, que são abjetos em qualquer sociedade, além de representar uma alienação.

“A violência sexual co1ntra crianças e adolescente é inadmissível em todas as hipóteses. Quando parte da população de Coari manifesta interesse em eleger Adail está dizendo que sabe quem ele é, do que é capaz, mas ainda assim continua o apoiando. Esse comportamento é um tipo de alienação próprio da síndrome de Estocolmo, em que a vítima se apaixona pelo sequestrador. A população de Coari foi sequestrada pelos Pinheiros, sobretudo a população mais pobre. O mais grave é que parte dessa população não está preocupada e acabam normalizando a situação”, frisa Luiz Antônio.

Foto: Divulgação/Instagram

Riqueza e pobreza lado a lado 

Coari é o quinto maior colégio eleitoral do estado, com 51.739 eleitores, conforme dados do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) e o segundo município com maior PIB do estado, ficando atrás somente da capital amazonense. Isso se dá por conta dos royalties de Petróleo.

Em 2021, conforme a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o município recebeu R$ 104 milhões de participação especial sobre a produção de petróleo e gás natural.

O Censo de 2022 apontou que a população da cidade é de 70.496 pessoas, o que representa uma queda de -7,2% em comparação com o Censo de 2010.

Entretanto, a riqueza que tanto se fala quando se refere à Coari por conta do Petróleo não reflete na população. A vida dos moradores continua marcada por problemas graves de saneamento básico, segurança pública, saúde e educação.

(Foto: Divulgação/Prefeitura)

Histórico

Adail teve três mandatos à frente da Prefeitura de Coari (2001- 2014), mas em 2014, foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A primeira prisão de Adail ocorreu, em 2008, durante a “Operação Vorax”, que desarticulou um esquema milionário de fraudes em licitações e desvios de recursos públicos da Prefeitura do município, que era comandado por ele. O mandatário foi condenado a 57 anos e 5 meses pelos crimes.

Em fevereiro de 2014, Adail foi preso novamente e, em novembro do mesmo ano, foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) a 11 anos e 10 meses de prisão, acusado de liderar uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes. Já em novembro de 2016, ele passou a cumprir a pena em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica.

Em 2017, Adail conseguiu na Justiça a extinção da pena de mais de 11 anos de prisão por exploração sexual de crianças e adolescentes. A decisão foi assinada pelo juiz Luís Carlos Valois, da Vara de Execuções Penais, e teve parecer favorável do Ministério Público do Estado do Amazonas.

A Justiça e o Ministério Público entenderam que o caso de Adail se enquadra nos requisitos do Decreto Presidencial 8.940/16, de 22 de dezembro de 2016. O decreto concede perdão da pena “nos crimes praticados sem grave ameaça ou violência à pessoa, quando a pena privativa de liberdade não for superior a 12 anos, desde que tenha sido cumprido um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes”.

Além disso, o ex-prefeito responde ainda a outros processos na Justiça por irregularidades diversas em prestações de contas. Ele chegou a ser condenado pelo TRE-AM por abuso de poder econômico e político em 2008.

Em 2022, o desembargador Jomar Ricardo Saunders Fernandes, do Tjam, manteve a inelegibilidade de Adail por três anos. Ele perdeu os direitos políticos em 2020 em razão do crime de improbidade administrativa. O prazo terminou ano passado.

Na época, o Ministério Público acusou Adail de violar o princípio da impessoalidade por ter contratado irregularmente um funcionário enquanto era prefeito.

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