Manaus, 3 de maio de 2024
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Cenário

Redução de ICMS proposto por deputado beneficia empresa familiar

Empresa Navegação Cidade Ltda, do pai do deputado Roberto Cidade, opera no Amazonas com fretamento de embarcações

Redução de ICMS proposto por deputado beneficia empresa familiar

Foto: Reprodução

O deputado estadual Roberto Cidade (PV), que até 2018 era dono de 99% do capital da empresa Navegação Cidade Ltda, apresentou, no último dia 21, uma indicação ao Governo do Estado solicitando redução ou isenção da alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) sobre os combustíveis utilizados por embarcações no Amazonas, medida que – por coincidência – beneficia a empresa da sua família.

Presidente da Comissão de Transporte da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), o parlamentar usa como justificativa que a maior preocupação é com os proprietários dos transportes fluviais que, segundo ele, com a redução da lotação das embarcações de 60% para lanchas rápidas e de 40% para balsas e navios motor – devido à pandemia de covid-19 –acaba ocorrendo dificuldades no custeio da atividade.

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Empresa Familiar

No entanto, o pedido atua em benefício da família do próprio deputado, já que ele foi dono da empresa Navegação Cidade Ltda, que realiza serviço de “organização logística do transporte de carga”.

De acordo com a prestação de contas feita pelo deputado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018, 99% da cota empresarial da Navegação Cidade Ltda era do próprio Roberto Cidade. Com a eleição para a Assembleia Legislativa (ALE-AM), quem assumiu a titularidade da empresa foi o pai do deputado, Roberto Maia Cidade.

A empresa da família do deputado, inclusive, presta serviços ao Governo do Estado, por meio de contratos com as secretarias de Estado de Educação (Seduc) e de Segurança Pública (SSP), que somam mais de R$ 28 milhões.

‘Não é ilegal, mas é imoral’

O requerimento solicitando redução ou isenção da alíquota do ICMS sobre os combustíveis utilizados por embarcações, tendo em vista que o próprio autor da medida se beneficiará, pode caracterizar quebra de decoro.

Conforme o Código de Ética e Decoro, previsto no artigo 55 da Constituição Federal de 1988, parágrafo 1º “prevê como falta de decoro o abuso das prerrogativas pelo parlamentar, percepção de vantagens indevidas e atos definidos como tal nos regimentos internos”.

Segundo o advogado e sociólogo Carlos Santiago, a medida não é ilegal, mas pode ser considerada imoral. “Não é ilegal, não existe nada que impeça esse tipo de ação parlamentar, mas pode ser imoral, porque é legislar para o seu interesse também”, explicou.

Para Santiago, o parlamento amazonense precisa de regras que impeçam os deputados de legislarem em causa própria.

“Falta no parlamento do Amazonas e em outros uma norma que impeça legislar em causa própria e também que proíba empresas de legisladores, secretários, prefeitos e seus parentes contarem com a administração pública. A representação política tem que ser transparente e coletiva”, afirmou.

“Lei da Tilápia”

Essa não é a primeira vez que um político da família Cidade tenta agir em benefício próprio, seja com indicações ao governo, votos, vetos ou criação de leis.

Em 2016, a “Lei da Tilápia”, como ficou conhecida a proposta de nº 4.330/2016, que permitia a criação de peixes exóticos, como a africana tilápia – espécies que podem causar danos ambientais nos lagos e rios da bacia amazônica – foi altamente defendida pelo então deputado Orlando Cidade, que além de ser tio de Roberto Cidade, produz peixes no Estado e é fundador da Cooperativa dos Piscicultores, Aquicultores, Produtores Rurais e Extrativistas do Amazonas (Cooperpeixe).

Na época, a propositura – que virou polêmica a nível nacional – chegou a ser sancionada pelo então governador José Melo. E enquanto diversos ambientalistas e até parlamentares da base do governo pediam a revogação da Lei, o ex-deputado Orlando Cidade alegava que a proibição do cultivo de peixe exótico iria prejudicar a economia do estado do Amazonas.

Meses depois, a medida foi revogada e substituída pela Lei de Aquicultura, que é o Projeto de Lei nº 58/2016, anulando integralmente a lei anterior.

O que diz o deputado

Em nota, por meio de sua assessoria, Roberto Cidade justificou que não é dono da empresa Navegação Cidade e que a apresentação do indicativo de isenção de ICMS ao Governo do Amazonas é uma resposta às “demandas relacionadas ao tema” que recebe por ser presidente da Comissão de Transporte da ALE-AM.

Em 2018, Roberto Cidade Maia Filho, declarou ao TSE ser dono de 99% da empresa Navegação Cidade Ltda.

Consulta feita na Receita Federal indica que a titularidade da empresa é do pai do deputado Roberto Maia Cidade.