Manaus, 26 de abril de 2024
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Cenário

Silas Câmara e Átila Lins viram distribuidores de emendas e deixam papel de legislar de lado

Silas e Átila focam na distribuição de recursos ao interior para garantir suas reeleições e se esquecem das demais atribuições como parlamentares

Silas Câmara e Átila Lins viram distribuidores de emendas e deixam papel de legislar de lado

Fotos: Reprodução/Internet

Algumas das principais funções de um parlamentar, que podem ser vereadores, deputados e senadores, são criar leis em benefício da população e fiscalizar a administração pública municipal, estadual ou federal. Além disso, a própria palavra “parlamentar” é originária do verbo “parlar”, que significa realizar um acordo por meio de negociações.

Mas, nos últimos anos, alguns parlamentares se tornaram apenas distribuidores de recursos, por meio de emendas, para o interior, como é o caso dos deputados federais da bancada amazonense, Silas Câmara (Republicanos) e Átila Lins (PP), que estão no cargo há 18 anos. Vale destacar, inclusive, que ambos comandam, a nível nacional, suas respectivas legendas.

De acordo com o advogado e cientista político, Helso do Carmo, as atribuições políticas citadas são algumas das principais característica de um sistema democrático.

“Em qualquer lugar do planeta, em que seja adotada a democracia representativa, como é o caso do Brasil, acho que de todos, hoje, que são democratas, o parlamentar tem duas funções. A primeira, como o nome diz, do Poder Legislativo, é de elaborar projetos de lei, que, porventura caso sejam aprovados, se transformarão em leis. Então, essa é uma das funções”, explicou.

“A segunda é fiscalizar os demais Poderes. Então, cabe a deputado federal, um senador, fiscalizar o presidente da República, os ministros, enfim, a administração pública. Cabe a um deputado estadual fazer o mesmo na sua unidade federativa, né, propor leis e fiscalizar o governador, os secretários, os entes daquela unidade federativa”, disse.

Outra atribuição dos parlamentares é fazer a indicação de emendas parlamentares, recursos do orçamento, que terão uma destinação pública. Geralmente, as emendas estão relacionadas ao interesse temático e eleitoral dos parlamentares. Graças a isso, alguns políticos focam seus trabalhos apenas nessa distribuição de emendas, com o objetivo de garantir a reeleição.

E isso vem dando certo para Silas Câmara e Átila Lins, que, entre todos os oito deputados federais do Amazonas, são os únicos mais antigos, ocupando o cargo há quase 20 anos seguidos. Os demais foram todos eleitos em 2018.

Com R$ 16,2 milhões em recursos parlamentares, cada um, para enviar ao interior neste ano, Átila Lins destinou cinco emendas para o Amazonas, sendo uma para infraestrutura, quatro para saúde e outra para o desenvolvimento sustentável.

Já o deputado líder da bancada evangélica, Silas Câmara, indicou sete emendas individuais ao orçamento da União, sendo três para a saúde e duas para infraestrutura pesqueira em Itacoatiara.

Montante de emendas

Ano passado e neste ano, Átila e Silas tiveram direito a R$ 15,9 milhões e R$ 16,2 milhões, respectivamente, para destinar verbas ao interior. Porém, em 2020, os deputados conseguiram que R$ 8,9 milhões e R$ 9,1 milhões, respectivamente, fossem destinados aos municípios do Amazonas. Dados são do site da Câmara dos Deputados.

Mas, se for feita uma análise mais profunda, pegando os números desde 2014, ano em que as emendas parlamentares impositivas entraram em vigor, os deputados Átila Lins e Silas Câmara já conseguiram enviar, cada um, cerca de R$ 125,9 milhões e R$ 61,4 milhões para as cidades do Amazonas. Somado, esse valor chega ao montante de R$ 187,3 milhões.

Esse valor quase chega perto do orçamento financeiro de municípios como Presidente Figueiredo, Manacapuru e Maués. Os três têm, respectivamente, orçamentos de R$ 197 milhões, R$ 195 milhões e R$ 151 milhões para 2021.

Atuação em baixa

Se por um lado os recursos e emendas parlamentares são bem movimentados pelos deputados, por outro lado, atividades como discurso em Plenário e propostas legislativas estão sendo deixadas de lado por ambos os políticos do Amazonas.

Neste ano, Silas Câmara e Átila Lins são os deputados que menos vêm se pronunciando na tribuna da Câmara Federal. Até o início desta semana, Átila não havia realizado nenhum pronunciamento em cerca de dois meses. Já Silas chegou a fazer apenas dois pronunciamentos.

Em 2020, foi ainda pior. Em todo o ano passado, Átila Lins realizou somente 3 discursos. O número de projetos de lei apresentados por ele também continua baixo. Se neste ano, até agora, ele apresentou 10 propostas de sua autoria, no passado, o deputado apresentou apenas 9.

No caso de Silas Câmara, ele também fez apenas três discursos em 2020. E os projetos apresentados por ele, no ano passado, somam apenas 16. Neste ano, até agora, o deputado apresentou 11 propostas.

Além deles, o deputado Bosco Saraiva (SD) também não fez qualquer pronunciamento, e o deputado Delegado Pablo (PSL) fez apenas dois discursos.

Para se ter uma ideia, os deputados José Ricardo (PT) e Marcelo Ramos (PL), (este último, que é vice-presidente da Câmara Federal), já apresentaram, só neste ano, 100 e 188 propostas, respectivamente. Com isso, eles lideram a lista.

Essa baixa atuação de políticos que estão há anos nestes cargos é refletida em suas redes sociais, nas quais as postagens se baseiam em assuntos do momento, elogios ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e divulgação do envio de emendas para municípios do interior do Amazonas.

Em fevereiro, o Portal AM1 mostrou que, pelo menos, seis prefeitos do estado foram até Brasília para se encontrar com deputados e senadores do Amazonas em busca dos recursos parlamentares, coisa que todos eles fizeram questão de divulgar nas redes sociais.

Leia mais: Prefeitos do Amazonas ‘invadem’ Brasília em busca de recursos federais

Embora seja deputado federal em primeiro mandato, Bosco Saraiva também é um dos mais silenciosos na internet, sem qualquer divulgação de possíveis trabalhos, agendas ou ações que beneficiem o povo amazonense.

Suas últimas postagens nas redes sociais, ao contrário de deputados como José Ricardo, Alberto Neto, Marcelo Ramos e o senador Eduardo Braga (MDB) – que sempre viralizam com assuntos polêmicos – são vídeos em que o parlamentar aparece explicando conteúdo de personalidades ou locais históricos do estado.

Emendas para currais eleitorais

Para Helso do Carmo, as emendas parlamentares são enviadas pelos deputados e senadores aos prefeitos do interior, numa espécie de jogo que ele chamou de “jogo da democracia representativa”.

“Cada vez mais nós vemos uma tentativa de descentralizar o poder e aí se criam as emendas parlamentares, um certo número de emendas que os parlamentares teriam direito de ingerência no orçamento tanto da União, quanto dos estados e municípios. E é nesse momento que eles jogam, jogam o jogo da democracia representativa. E aí, boa parte desses parlamentares, eles acabam dirigindo essas emendas para os seus chamados nichos ou currais eleitorais”, disse.

Esse jogo, segundo o especialista, funciona como uma troca de favores, na qual o parlamentar distribui o recurso para o município, que, em seguida, deverá garantir votos do seu ‘curral eleitoral’ para o político.

“E aí, os parlamentares tentam, tem alguns que são especialistas nisso. Parlamentares federais, eles vão nos ministérios caçar aquela ‘verbinha’ para levar para o prefeito, para presentear aquele município. Na hora da eleição, o prefeito vai retribuir a ele com seu curral eleitoral, com sua influência política, trazendo votos para o parlamentar. Isso faz parte do jogo democrático”, disse.

Prejudicados

Nesse jogo, quem sai perdendo é a população, uma vez que o interesse maior na distribuição dos recursos deixa de ser as pessoas e passa a ser votos e reeleição no ano seguinte, conforme explicou Helso.

“O problema é que parte desse jogo de leva e traz, nem sempre é destinado à população. Nós temos uma população, no nosso estado, carente. Se você pegar os índices de IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, alguns municípios do Amazonas é o menor possível, igual a piores regiões do planeta. Em alguns bairros da capital é um índice altíssimo, uma verdadeira Bélgica”, afirmou.

“E aí, muitas vezes, esses parlamentares, ao conseguirem essas verbas de orçamentos impositivos ou verbas de ministérios e secretarias, acabam fomentando uma política de coronelismo, né. Você dá alguns favores, nem sempre republicanos, às vezes há desvios dessas verbas destinadas a prefeitos, a direcionamento, você privilegia obras de frutos de compadrinhos. E aí, é claro, acaba não voltando esse resultado para a população”, continuou.

O caso mais recente de desvio de recursos parlamentares está sendo investigado pela Polícia Federal desde o ano passado. Trata-se dos deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-PB) e Bosco Costa (PL-SE), suspeitos de envolvimento em um esquema de extorsão contra prefeituras que foram beneficiadas com as emendas obtidas por eles.

Fiscalizar

De acordo com o cientista social, Helso do Carmo, cabe à população conhecer bem a pessoa que vai votar e continuar fiscalizando o parlamentar mesmo depois de eleito.

“Cabe a nós, cidadãos, sermos altamente criteriosos na escolha dos nossos representantes. E, acima de tudo, após escolhermos, fiscalizarmos o comportamento deles. Eu sei que isso é quase que utópico para o momento atual, porque a população vai votar quase que a contragosto e depois ela lida com o ‘dane-se’, né. Ela não está muito preocupada em acompanhar o que fez ou o que não fez o parlamentar que elegeu”, concluiu.