Manaus, 18 de maio de 2024
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Cenário

Glória Carrate e marido tentam reverter decisão e não devolver R$ 3,2 mi aos cofres públicos

Vereadora e o marido foram condenados por meio de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, devido à violação de três princípios da Administração Pública: legalidade, moralidade e impessoalidade

Glória Carrate e marido tentam reverter decisão e não devolver R$ 3,2 mi aos cofres públicos

A vereadora Glória Carrate (PL) tenta novamente reverter a decisão de fevereiro de 2021, que a obriga a devolver R$ 3,2 milhões aos cofres públicos do Estado. Glória tenta convencer a Justiça de que não houve fraudes ou ação de má-fé por sua parte, e, por esse motivo, não precisa fazer a devolução da quantia.

O processo é o 0256555-19.2010.8.04.0001, do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), oriundo do Procedimento Preparatório n° 041/2010, que relata a utilização ilegal de servidores públicos da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) e da Câmara Municipal de Manaus (CMM), ligados à assessoria da vereadora e do esposo, ex-deputado e médico Miguel Carrate na ‘Casa de Saúde Santa Clara’ e ‘Casa de Saúde Associada da Compensa’, estabelecimentos que pertencem à vereadora e Miguel.

De acordo com a Justiça, os funcionários prestavam serviço nas clínicas de propriedade do casal, mas recebiam seus salários pela Aleam e CMM, nas folhas de pagamento dos parlamentares. Segundo a condenação, a contratação se deu com o intuito de mascarar o contrato de trabalho e repassar ao erário municipal e estadual o ônus de cada servidor.

Marido e mulher foram condenados por meio de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa, devido à violação de três princípios da Administração Pública: legalidade, moralidade e impessoalidade.

A irregularidade foi descoberta por meio de uma Reclamação Trabalhista, na qual um ex-funcionário relatou os atos, sendo confirmado por mais outros ex-funcionários do médico e da vereadora.

Glória Carrate tenta, ainda, sustentar que o processo prescreveu (envelheceu) e por meio da alegação, não ser obrigada a  devolver o montante estabelecido pela decisão da Justiça.

Em meados de julho do ano passado, foi publicada uma nova decisão, negando um recurso apresentado pela vereadora, por meio da sua assessoria jurídica, contra a decisão original. Glória já tentou convencer a Justiça de que não cometeu ilegalidade, por meio de vários instrumentos jurídicos, como apelação e embargos de declaração (os dois são recursos).

A sentença inicial que obriga o ex-deputado e a vereadora devolverem o valor foi proferida pelo juiz Leoney Harraquian e começou a tramitar no ano de 2010.

Atualização

Em pesquisa realizada pelo Portal AM1 no site do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), é possível verificar que o processo teve uma recente movimentação.

A última foi dia 1° de fevereiro deste ano, que mostra que o processo foi distribuído por sorteio ao desembargador Flávio Pascarelli. No mesmo dia, antes de ser distribuído, foi concluso ao relator.

Anteriormente, na data de 12 de novembro de 2021, consta que foram recebidos pelo Tribunal os autos do processo para a entrada de recursos. Ainda no dia 12, os autos foram remetidos para a Segunda Instância. Já no dia 8 de outubro, o MP-AM publicou as contrarrazões apelativas negando um  pedido da vereadora.

Foto: Divulgação

No embargo, Glória teria apontado a inexistência de irregularidades e de atos que causassem o ressarcimento ao erário. Para o MP-AM, embora os ‘apelantes afirmem inexistir irregularidades, os documentos acostados aos autos trazem provas de sua existência’. Além disso, a sentença sustenta que ‘ainda que tenha ocorrido a prescrição acerca dos atos de improbidade permanece o dever de ressarcir o dano’ aos cofres públicos.

Polêmicas

Glória é vereadora de Manaus desde o ano de 2001, quando exerceu seu primeiro mandato na Casa Legislativa Municipal. Ela acumula mais de vinte anos de vida pública e um total de seis mandatos.

Em 2016, Glória protagonizou uma atitude polêmica. Durante uma das sessões da Câmara, a vereadora proferiu uma frase desrespeitosa ao então vereador Waldemir José (PT), mandando o colega ‘Se Fxxxx’.

No início do processo que pede a devolução de mais de R$ 3 milhões, outra ação na Justiça chegou a pedir a cassação do mandato de vereadora da parlamentar e do esposo dela, que na época era deputado estadual.

Atualmente, Glória é presidente da Comissão de Ética da Câmara Municipal, o que significa que ela é responsável por receber qualquer ‘petição, reclamação, representação, queixa ou denúncia contra vereadores, funcionários do Poder ou autoridades públicas municipais, no que for cabível, visando a apurar responsabilidades e a definir punições aos vereadores”, segundo texto que consta no site do Casa Legislativa.

Glória Carratte defende nova mobília na CMM e relembra prédio antigo: 'era um poleiro'
Foto: Divulgação

No mês de abril do ano passado, Carrate repudiou, durante fala na CMM, o beijo entre dois participantes do programa BBB21. A vereadora foi duramente criticada nas redes sociais pela atitude, sendo acusada de homofobia e acabou tendo que se retratar publicamente, por meio das suas redes sociais.

Em agosto do mesmo ano, Glória e Miguel chamaram atenção ao distribuírem sopas a moradores da Compensa, na zona oeste da cidade. A atitude repercutiu por internautas, que afirmaram que a distribuição era uma tentativa de ‘abafar’ o episódio em que a parlamentar criticou o beijo entre dois homens.

Não é a primeira vez que a vereadora realiza a ‘boa ação’ na capital, e por isso, é também conhecida como a ‘tia da sopa’.

Lei das Sacolas

A vereadora é autora do projeto de lei que instituiu a Lei nº 485/2021, a ‘Lei das Sacolas Plásticas’. A regulamentação gerou polêmica, uma vez que os estabelecimentos passaram a cobrar pelo item, após serem proibidos de fornecê-lo, o que causou revolta na população.

Durante algumas sessões no Poder Legislativo Municipal, o assunto tomou conta das discussões e em algumas dessas ocasiões, Glória se retirou do local para não ter que falar sobre o assunto.

Sabia o que estava fazendo

A reportagem do AM1 ouviu o advogado e membro do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção, Inácio Guedes, sobre o esforço da vereadora em reverter a decisão.

Para Inácio, é curioso que o “fato só veio à tona quando a pessoa que trabalhava com ela (Glória) levou à Justiça uma demanda trabalhista”.

“É preciso dizer que ficou estampado o abuso de poder econômico, a improbidade administrativa, a violação aos princípios constitucionais, como a moralidade e a legalidade. É muito improvável que uma parlamentar não conheça esses princípios e cometa uma ação dessa natureza sem saber o que estava fazendo, é muito difícil de admitir isso, ainda mais uma parlamentar experiente”, pontuou o advogado.

Outro ponto destacado por Guedes é a questão da ética. ” Cadê a ética parlamentar? Nós elegemos os parlamentares para fazer aquilo que eles acham o que é certo para eles ou aquilo que eles entendem que é necessidade da população? Inclusive, daqueles que não votaram nele, porque quando eleito, é eleito para todos, não somente para quem votou neles”, enfatizou Inácio.

Crítica

O advogado frisou, ainda, que o Comitê tem observado atualmente ‘vários pesos e várias medidas’.

“Quando me refiro a dois pesos, duas medidas ou vários pesos, duas medidas é que o Ministério Público que levou essa ação da vereadora adiante, agora parece ser um Ministério Público carrasco, que não entende, que não é sensível. Por outro lado, esse mesmo Ministério Público foi o que disse que o ‘Cotão’ (Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar)  é legal, sendo que para a sociedade é imoral, mas os vereadores se pautam que agora foi legal, o Ministério Público apoiou, deu a chancela de que não houve qualquer tipo de ilegalidade. O Comitê está aqui para isso, para mostrar todos os lados para a sociedade e continuar nesse combate, nesse enfrentamento”, concluiu.

Sem resposta

O Portal AM1 tentou contato com Glória por meio de ligações e mensagens. A reportagem fez questionamentos, porém, estes não foram respondidos até o fechamento da matéria. Confira o print: