Manaus, 18 de junho de 2024
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Manaus, 18 de junho de 2024

Cenário

Manaus nunca elegeu uma mulher prefeita. Quando esse cenário vai mudar?

Neste ano, a disputa pela Prefeitura de Manaus contará com duas mulheres liderando chapas: a advogada Natália Demes, que concorrerá pelo PSOL, e a empresária Maria do Carmo Seffair pelo Novo.

Manaus nunca elegeu uma mulher prefeita. Quando esse cenário vai mudar?

Apesar de várias tentativas, a capital nunca teve uma mulher no comando da prefeitura da cidade - (Fotos: Semcom/Agência Brasil e Divulgação)

Manaus (AM) – Mais uma eleição municipal se aproxima e um fato continua pertinente: a ausência de uma mulher no comando da capital amazonense. Embora já tenham ocorrido tentativas, as candidaturas femininas frequentemente não avançaram, ficando pelo meio do caminho ou apenas na vontade, sem sequer chegar às convenções partidárias.

De acordo com dados do sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas, o ‘DivulgaCand’, no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nas últimas quatro eleições municipais, apenas uma mulher foi titular como candidata a prefeita: a ex-senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB). Ou seja, em quase 15 anos, o pleito municipal registrou apenas uma candidatura feminina disputando o cargo principal.

No entanto, felizmente, esse cenário mudou em 2024. Neste ano, a disputa contará com duas mulheres liderando chapas: a advogada Natália Demes, que concorrerá pelo PSOL, e Maria do Carmo Seffair pelo Novo, sendo os únicos nomes femininos na disputa pela Prefeitura de Manaus.

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Maria do Carmo é pré-candidata à Prefeitura de Manaus pelo partido Novo — (Foto: Assessoria/Novo)

Historicamente, a presença feminina nas eleições municipais de Manaus tem sido limitada. Em 2008, não houve registro de candidaturas femininas. Em 2012, o candidato Herbert Amazonas (PSTU) tinha Ivete Egas como vice em sua chapa. No ano de 2016, Marcos Antonio Queiroz (PSOL), conhecido como ‘Queiroz’, tinha Taly Nayandra como vice. Ainda no mesmo ano, o ex-deputado Serafim Corrêa também contava com uma vice em sua chapa, Cristiane Balieiro.

Em 2020, foi registrado o maior número de candidatas a vice-prefeita. A ex-deputada federal Conceição Sampaio (PSDB) disputou a eleição como vice de Alfredo Nascimento (PL), e Maria Auxiliadora foi vice na chapa de Gilberto Vasconcelos (PSTU). O advogado Marcelo Amil (PCdoB) tinha Dôra Brasil compondo sua chapa, e o ex-deputado federal José Ricardo (PT) contava com Marquilze Siqueira como vice.

Em 2023, a vereadora Yomara Lins (PRTB) fez história ao ser a primeira mulher a assumir temporariamente a Prefeitura de Manaus, durante a ausência do prefeito David Almeida (Avante) e do vice-prefeito Marcos Rotta (PP).

Natália Demes é pré-candidata do PSOL (Foto: Divulgação/Instagram)

A esperança é que a presença de Natália Demes e Maria do Carmo Seffair, na eleição de 2024, marque um ponto de virada na representatividade feminina na política manauara, incentivando mais mulheres a participarem e liderarem nos próximos pleitos.

Embora esse cenário seja frequente na capital, não ocorre somente em Manaus, a representatividade feminina nas capitais brasileiras ainda é limitada. Nas eleições de 2020, dos 25 prefeitos eleitos nas capitais, apenas uma mulher foi eleita: Cinthia Ribeiro (PSDB), em Palmas (TO). Em 2016, o cenário foi semelhante, com Teresa Surita (MDB) sendo eleita em Boa Vista (RR).

Representatividade crucial

Segundo a cientista política Juliana Fratini, a representatividade feminina na política é crucial, pois mulheres constituem mais de 50% da sociedade. Quando ocupam espaços de poder, elas trazem uma perspectiva diferenciada para questões de interesse feminino, contribuindo para uma gestão de Estado mais eficiente em vários aspectos.

“Por exemplo, no Norte do Brasil, onde o índice de câncer uterino é alto, uma solução viável seria a implementação de vacinas contra HPV, algo que mulheres na política podem priorizar mais facilmente devido à sensibilidade delas para essas questões”, afirma.

Dados nacionais sobre mulheres na política — (Foto: TSE)

Fatores históricos da ausência de mulheres na política

Juliana Fratini destaca que a ausência de mulheres na gestão municipal de grandes cidades, como Manaus, pode ser atribuída a fatores históricos. Durante o século XX, os diferentes códigos civis brasileiros restringiram os direitos políticos das mulheres, exigindo que fossem orientadas por seus maridos. Foi somente com as mudanças no Código Civil que ocorreram alterações significativas no Código Eleitoral, permitindo a entrada das mulheres na política de maneira mais ampla. Entretanto, foi apenas com a Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, que todos os cidadãos, incluindo as mulheres e os analfabetos, ganharam o direito de votar, estabelecendo, de fato, o sufrágio universal.

Desafios específicos

A especialista, que também é jornalista e organizadora da obra “Campanhas Políticas nas Redes Sociais”, que reúne 14 artigos, escritos por especialistas em comunicação e por uma candidata vitoriosa em sua eleição no Legislativo, enfatiza que as mulheres enfrentam desafios específicos ao se candidatarem a cargos políticos.

“Primeiro, porque não é tradição que mulheres ingressem na política, então participar de processos eleitorais ainda é muito novo para elas. Outro ponto é que ainda são preteridas na escolha do eleitorado, o que quer dizer que recebem proporcionalmente menos votos. As chances de vitória também aumentam com perfis mais conservadores. Os partidos, por sua vez, pouco contribuem para fortalecer essas candidaturas, ainda com a existência de cotas. A própria mudança na sistemática de cotas passa a operar por Federação também deve diminuir a quantidade de vagas disponíveis, sobretudo para candidatas de esquerda, já que a maior parte de federações é de esquerda.”

Violência política

A cientista política também aborda a questão da violência política, na qual as mulheres são desqualificadas devido ao gênero. Segundo ela, para enfrentar esses desafios, é necessária uma infraestrutura partidária mais robusta e campanhas que incentivem a participação feminina.

Juliana Fratini argumenta que não são necessárias estratégias inovadoras, mas “estimular que as cotas sejam cumpridas e abrangentes ou retomar a discussão de paridade de cadeiras nas casas legislativas. Essa paridade indica que as cidades legislativas separem um potencial de cadeiras para o público feminino a cada legislatura”.

Juliana Fratini é cientista política e jornalista — (Foto: Divulgação/Assessoria)

Fratini sublinha que os partidos políticos desempenham um papel essencial, pois controlam as vagas para candidaturas, propaganda e investimento de recursos públicos. Quanto mais comprometidos os partidos estiverem com candidaturas femininas, melhor. Contudo, ela observa que, geralmente, os partidos não estão comprometidos o suficiente com essa causa.

Representatividade no interior do Amazonas

Diferente da capital, no interior do Amazonas o cenário é diferente. Ainda não é o suficiente, mas conta com bastante representatividade feminina, inclusive, nos comandos da cidade; como o município que reelegeu a prefeita Maria Lucir dos Santos (MDB), conhecida como Dona Maria. Beruri (situado a 173 quilômetros de Manaus em linha reta) destaca-se pela representatividade feminina na política estadual, sendo o único no Amazonas a eleger mais mulheres do que homens para a Câmara Municipal.

Na Câmara Municipal de Beruri, que possui nove vagas, cinco foram preenchidas por mulheres. Dona Elis, do Avante, foi a mais votada entre todos os candidatos, com 771 votos. Em seguida, Maria de Jesus, do MDB, obteve 612 votos. As outras vagas femininas foram ocupadas por três professoras: Professora Márcia Menezes e Professora Vanusa Veríssimo, ambas do Republicanos, e Professora Ester Lima, do PP.

Ipixuna é o município que mais se aproxima de Beruri em termos de representatividade feminina. Das 11 vagas na Câmara Municipal, cinco foram ocupadas por mulheres, representando 45% do total. Assim como em Beruri, a mais votada em Ipixuna também foi uma mulher: Paula Augusta, do PSDB, com 883 votos, seguida por Ana Silvério, do PSD, com 560 votos. Maria Oliveira (PSDB) foi eleita para comandar a cidade. Presidente Figueiredo também é administrada por uma mulher, Patrícia Lopes, eleita em 2020.

No Brasil, nas Eleições 2020, as candidaturas femininas cresceram em comparação a 2016-(Foto: TSE)

Maioria do eleitorado

Dos mais de 2,5 milhões de eleitores aptos a votar em 2020, no Amazonas, 1.283.669 eram mulheres, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2022, o número de eleitoras foi de 1.299.903 contra 1.208.892 de homens — uma diferença de 90 mil votos a favor das mulheres.

No cenário nacional, nas eleições 2020, as candidaturas femininas cresceram em comparação a 2016, saltando de 31,9% naquele ano para 33,3% no último pleito municipal. Entretanto, a proporção ainda é baixa em comparação com o eleitorado feminino, que corresponde atualmente a 53% do total.

Além disso, no pleito de 2020, apenas 663 dos mais de 5,5 mil municípios, 11,9% do total, elegeram prefeitas e 17% das cidades (935) não elegeram nenhuma vereadora.

Mulher na política é outra história

Para incentivar mais candidaturas femininas, o TSE lançou a campanha “Mulher na política é outra história”, em que mulheres de diferentes idades manifestam opiniões sobre direito ao voto, representatividade e violência política de gênero.

As legendas devem observar o que diz a lei: cada partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo nas eleições para as câmaras municipais, conforme prevê a Lei das Eleições (artigo 10, parágrafo 3º, da Lei nº 9.504/1997).

 

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