O ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), derrubou um acórdão dos desembargadores Sebastião de Moraes Filho, João Ferreira Filho e Marilsen Andrade Addario, da 2.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso – Moraes Filho e Ferreira Filho estão afastados das funções desde agosto por suspeita de participação em esquema de venda de decisões judiciais. A ação envolve uma disputa fundiária pela Fazenda Paraíso, de 1.452.000 hectares, no município de Luciara, que fica a pouco mais de mil quilômetros de Cuiabá. A propriedade é avaliada em R$ 80 milhões.
O TJ de Mato Grosso e os desembargadores não responderam aos contatos da reportagem. Em setembro, em manifestação enviada ao corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell, Moraes Filho negou enfaticamente ligação com atos ilícitos e classificou como “maquiavélicas” as acusações que pesam sobre ele. “Nada devo e, portanto, nada temo e, ao final, tudo será bem esclarecido. Para ataques infames e inconsequentes, sempre estarei em pé para demonstrar a minha inocência”, disse.
Com a decisão do ministro do STJ, o processo deve ser julgado novamente pela Corte estadual. Segundo Martins, há pontos “omissos” que precisam ser esclarecidos em um novo julgamento. “Da análise minuciosa dos autos, verifica-se que, de fato, mesmo após a oposição de embargos, as questões supramencionadas não foram integralmente apreciadas pelo Tribunal a quo”, justificou o ministro na decisão.
Os três desembargadores respondem a uma reclamação disciplinar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que administra o Poder Judiciário, por causa do acórdão. A Corregedoria do CNJ vai decidir se há elementos para instaurar um novo processo administrativo contra eles.
Condutas
De acordo com o advogado Igor Xavier Homar, autor da representação no CNJ, os desembargadores favoreceram advogados “corrompidos” por meio de “procedimentos escusos e contrários à lei”. O advogado representa uma das partes do processo da Fazenda Paraíso. Ele atribui aos três magistrados suposto conluio, quebra de imparcialidade e favorecimento indevido de outro advogado que, segundo Homar, atua como “lobista de sentença”.
Na representação, o advogado ainda descreveu práticas que, em sua avaliação, teriam sido irregulares: pedidos sucessivos de vista, “silenciamento” de suas sustentações orais, determinações dos magistrados que não haviam sido solicitadas por nenhuma das partes, entre outros procedimentos.
Em setembro, Campbell decidiu averiguar os autos de processos em trâmite no TJ de Mato Grosso referentes à Fazenda Paraíso. Na ocasião, o corregedor nacional de Justiça determinou que os processos fossem enviados ao CNJ pela Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso. O ministro também cobrou do tribunal estadual se foi aberta, em nível local, alguma apuração.
Investigação
O afastamento de Moraes Filho e Ferreira Filho das funções foi determinado no dia 1.º de agosto, pelo então corregedor nacional de Justiça, ministro Luís Felipe Salomão. Antecessor de Campbell no cargo, Salomão ainda ordenou a abertura de reclamações disciplinares sobre a conduta atribuída aos magistrados e a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos desembargadores e de servidores da Corte mato-grossense.
Ao ordenar a investigação sobre Moraes Filho e Ferreira Filho, Salomão destacou indícios de que os magistrados mantinham “amizade íntima” com o advogado Roberto Zampieri, que foi assassinado em dezembro do ano passado, em Cuiabá. A relação impediria os dois magistrados de atuarem em processos patrocinados por Zampieri. No entanto, segundo as investigações, Moraes Filho e Ferreira Filho recebiam propinas e presentes em troca de decisões judiciais favoráveis ao advogado.
‘Lobista’
“As investigações acenam para um cenário de graves faltas funcionais e indícios de recebimento de vantagens indevidas”, disse o então corregedor, no despacho assinado em agosto.
Salomão anotou que as apurações apontam “a existência de um esquema organizado de venda de decisões judiciais, seja em processos formalmente patrocinados por Zampieri, seja em processos em que o advogado atuou apenas como espécie de lobista no Tribunal de Justiça de Mato Grosso”.
(*) Rayssa Motta e Fausto Macedo – Estado de S. Paulo.
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