Manaus, 2 de maio de 2024
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Manaus, 2 de maio de 2024

Cidades

Monte Horebe: ‘devastação em todos os aspectos ambientais’, dizem especialistas

A invasão, que a princípio parecia ser inofensiva, desmatou cerca de 140 hectares de terra, o equivalente a 100 campos de futebol da Arena da Amazônia

Monte Horebe: ‘devastação em todos os aspectos ambientais’, dizem especialistas

Órgãos de controle ambiental fazem levantamento dos danos causados pela invasão Monte Horebe (Foto: Márcio Silva)

Pequenas construções de casas e barracos avançaram sem impedimentos nos últimos cinco anos na comunidade Monte Horebe, na zona Norte de Manaus. A invasão que a princípio parecia ser inofensiva, desmatou cerca de 140 hectares de terra, o equivalente a 100 campos de futebol da Arena da Amazônia, causando impactos que ainda nem foram mensurados pelos órgãos controle ambiental.

Com a desocupação iniciada nesta semana os danos começam a ser contabilizados. O que já foi constatado é que a invasão atingiu áreas de preservação ambiental e permanente (APA e APP), além de ter causado perdas para a Reserva Adolpho Ducke, a mais antiga base de pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A estimativa é de que existiam 6 mil casas na ocupação irregular do Monte Horebe.

‘Ponto alto’

Lar de milhares de espécies da fauna e da flora Amazônica, a Reserva Ducke está localizada no ponto mais alto da cidade em termos de topografia e, por isso, é responsável também pela distribuição da água da chuva a outras áreas.

Árvores de áreas de proteção ambiental foram cortadas para a construção de casas (Foto: Márcio Silva)

Segunda a hidróloga Jussara Cury, da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – Centro Geológico do Brasil (CPRM), essa foi a constatação do órgão há três anos, quando foi iniciado um projeto de acompanhamento dos aquíferos de Manaus. 

“Essa área tem importância ambiental não só em relação a questão da floresta, mas também em relação a água subterrânea, porque é como se fosse um grande depósito de água para a cidade. As áreas de nascente ou as áreas mais altas, ela deveriam ser protegidas, em função da recarga que elas fazem para o aquífero”, explicou.

Veja também: Primeiro dia de operação Monte Horebe é marcado por reivindicações

Com o adensamento populacional na região tanto igarapés quanto nascentes de águas podem ter sido contaminados. Além disso, o desmatamento de árvores centenárias e a prática de caça de animais silvestres também estão sendo averiguados pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) e  Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). 

Órgãos ambientais analisam a contaminação em igarapés e nascentes (Foto: Márcio Silva)

“É possível visualizar grandes impactos ambientais, até porque foi uma área muito densa, uma área muito imensa de ocupações e todo mundo sabe que quando há uma ocupação como essa totalmente irregular e irresponsável, há devastação em todos os aspectos ambientais”, antecipou o diretor de fiscalização da Semmas, Eneas Gonçalves. 

Eneas afirma que igarapés  e vegetações de encostas presentes em APPs foram “detonadas” pelos danos causados, mas conclui que as perdas poderão ser recuperadas ao longo dos anos. 

“Por sorte é que muitos animais migraram para a Reserva Ducke. A Reserva Ducke aparentemente não foi agredida, não foi invadida, porém nós sabemos que houve muitas árvores derrubadas, houve ocupações de pessoas retirando madeira, derrubando as árvores e claro os animais migraram para esse espaço”, acrescentou. 

Para o geógrafo e pesquisador do Inpa, Reinaldo Corrêa, a retirada da cobertura vegetal pode contribuir para o assoreamento de algum curso fluvial próximo e o afastamento ou supressão de aves e pequenos mamíferos. Além disso contribui para o desconforto térmico em regiões próximas. 

Com a invasão, animais migraram para a Reserva Adolpho Ducke (Foto: Márcio Silva)

Muro

Além das irregularidades que foram apontadas pelo diretor de fiscalização, a equipe do Amazonas1 esteve no Monte Horebe acompanhada de policias do Comando de Policiamento Ambiental (CPAMB), durante a operação de desocupação, e constatou a construção de um muro dentro de uma APP. A construção de tijolo e cimento que foi levantada no curso de um rio e bem no meio da floresta revelam a intervenção humana no meio ambiente. 

De acordo com o diretor de fiscalização da Semmas, o órgão ainda vai realizar a identificação da proprietário e tomar as providências cabíveis, porque qualquer construção dentro de uma APA ou APP deve respeitar o código ambiental e as leis federais. 

Foram constatadas construções irregulares (Foto: Márcio Silva)

“Quando você compra um lote e ele tem um curso d’água, essa faixa também é considerada e você perde essa área de construção, porque o bem ambiental vem em primeiro lugar, isso pela legislação. A princípio não pode construir no curso da água, tem que respeitar pelo menos esses 30 metros”, explicou a hidróloga Jussara Cury. 

Áreas de Preservação

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) define APA como áreas pertencentes ao grupo de Unidades de Conservação (UCs) de uso sustentável, em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, com atributos bióticos, abióticos, estéticos ou culturais importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas.

As APAs tem como objetivo proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Cabe ao Instituto Chico Mendes estabelecer as condições para pesquisa e visitação pelo público. Elas podem ser federais, estaduais ou municipais.

Já as APPs podem estar inseridas dentro das APAs e são de responsabilidade do proprietário do terreno, que inclusive deve recompor a vegetação original delas, caso tenham ocorrido alterações.

A hidróloga Jussara Cury acrescenta ainda que é justamente por conta da expansão da urbanização que essas áreas de proteção existem, pois são maneiras de impor limites a degradação ambiental. 

“O que a ocupação fez será sentido daqui a algum tempo, principalmente em relação a água subterrânea, porque o solo que vai filtrar isso aqui. Além disso a floresta contribui para esse filtro, e como também foi afetada os impactos serão sentidos”, conclui.