Manaus, 29 de março de 2024
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Cidades

Enquanto David prioriza Natal, moradores do Educandos temem inverno de sofrimento

Em meio aos gastos do prefeito David Almeida com o fim de ano na cidade, famílias do Educandos sofrem com o período de chuva e, sem auxílio, se preparam para uma nova cheia

Enquanto David prioriza Natal, moradores do Educandos temem inverno de sofrimento

Foto: Reprodução

Manaus, AM – Em meio ao período chuvoso, parte da população fica aliviada pelo calor estar amenizado por conta das constantes chuvas, mas a outra metade se preocupa com uma nova enchente que se aproxima. Essa é uma realidade vivida por moradores do bairro Educandos, na zona Sul de Manaus, que acabaram de passar por uma cheia histórica e já temem uma enchente ainda pior em 2022.

Em 2021, as águas do Rio Negro invadiram ruas do Centro de Manaus e viraram o ponto turístico da cidade no meio do ano. O nível do rio alcançou 30,02 metros em junho, sendo a maior cheia já registrada na história, desde o início do monitoramento, em 1902. Mas, enquanto os manauaras compartilhavam o momento nas redes sociais, outras famílias buscavam ajuda das autoridades para reverter os impactos da enchente.

Vale lembrar que o prefeito David Almeida usa a justificativa da maior cheia do Amazonas para promover o maior Natal da história em Manaus. Segundo o prefeito, a cidade sofreu com a segunda onda da pandemia da covid-19 e com a enchente e, por essa razão, merece um final de ano alegre. Porém, o espírito natalino do prefeito não é o mesmo na realidade das famílias do bairro Educandos.

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Com o início do período chuvoso em Manaus, a recicladora Alcione Mafra afirmou que se a Prefeitura de Manaus fizesse um trabalho antecipado para prestar auxílio aos moradores que vivem na beira dos rios, o cenário seria outro, tanto para as famílias, quanto para as autoridades e a cidade.

Foto: Antônio Mendes / Portal AM1

Ao Portal Amazonas 1, a recicladora contou que os moradores tiveram dificuldades para serem ajudados pelos órgãos públicos. “Eles falaram que iam doar tábuas, mas quando vieram aqui fazer a ponte, fomos pedir e eles não quiseram dar”, comentou. Apesar das madeiras terem sido destinadas para a construção das pontes, vale lembrar que, com a força das águas, as tábuas das casas acabam sendo danificadas e apodrecem, podendo causar riscos de queda e à saúde.

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Foi o que aconteceu dentro da casa de Alcione no período da cheia, quando a família precisou morar no segundo piso da casa, já que o primeiro andar foi tomado completamente pela água. A recicladora afirmou que o esposo, que é deficiente visual, foi se locomover de um lado para o outro e, quando pisou no chão feito de madeira, a tábua se rompeu e ele caiu na água.

Moradora do local há oito meses, Alcione já enfrentou a cheia história, e afirmou que nunca passou por uma situação como essa. “Minha casa virou um rio. A gente entrava e a água dava no ombro. Fora os bichos, cobra, jacaré, tudo tem aqui”, disse.

A recicladora, assim como a maioria dos moradores afetados, recebeu o auxílio enchente dos órgãos públicos, mas a quantia não foi o suficiente para arcar com as despesas que apareciam no dia a dia, sendo a maioria para fazer reparos na casa. Por conta disso, os moradores eram obrigados a arrancar as madeiras da Defesa Civil que foram utilizadas para construir as pontes, e guardavam em casa por precaução.

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“É uma má situação para quem mora aqui, difícil. Não digo só eu, essas pontes são tudo [sic] malfeitas, o rapaz caiu, nas últimas semanas e está internado no Hospital 28 de Agosto, por quê? Porque a prefeitura não libera mais tábuas para fazer as pontes, sabendo que aqui a pessoa vive de passar nessas pontes, é difícil!”, desabafou.

O morador a quem Alcione se referia é vizinho da doméstica Brenda Costa, que contou em detalhes para o Portal Amazonas 1 que os moradores do local são pouco ajudados pela Prefeitura de Manaus e não adianta fazer solicitações, pois não são atendidos com urgência.

Foto: Antônio Mendes / Portal AM1

Ela mesma já caiu três vezes enquanto andava pelas pontes – sendo uma altura aproximadamente de dois metros. Da última vez em que caiu, a jovem foi ajudada pelo padrasto, que precisou descer com urgência para ampará-la. Vale destacar, que os moradores que caem correm o risco de se machucarem antes mesmo de chegarem ao chão, por conta da quantidade de madeira que sustenta as casas.

Por conta das chuvas, a moradora contou que as madeiras que estruturam a residência dela estão apodrecendo ainda mais, e causando doenças na família. “Minha mãe está com o pé cheio de frieira, já tivemos micose também, mas não temos dinheiro o suficiente para trocar as tábuas que estão ficando velhas”, disse.

Vida em risco

O cabeleireiro Armando Moraes é outro morador que se preocupa com a nova enchente, uma vez que a cheia histórica de 2021 destruiu a casa em que vive e teme que a qualquer instante a casa possa desabar. “A cada vez que chove, eu fico com medo da casa cair, durmo na casa de colegas porque essa casa balança muito”, contou.

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Ele afirmou que precisou sair da residência por conta do grande volume de água que invadiu a casa onde vivia ele e a família. Depois de voltar para o local, encontrou a casa destruída e a estrutura comprometida. Com o risco do desabamento, o filho dele deixou o local e tirou os eletrodomésticos e objetos de valor.

“Depois da cheia, quando eu voltei para cá, a água quebrou os esteios e as pernas mancas da varanda. A enchente destruiu, porque a água fica movimentando com o banzeiro e daí acabou soltando as tábuas”, disse. Agora, a casa somente está de pé porque está apoiada na casa da vizinha, mas ainda assim, a estrutura balança com o mínimo de vento.

Foto: Camila Duarte / Portal AM1

O homem contou à equipe de reportagem que procurou a Defesa Civil e a Prefeitura de Manaus para solucionar o problema, mas foi ignorado pelas autoridades, o que é comum para os moradores do bairro que precisam implorar por atenção, mas não são atendidos. “Eles disseram que não podiam fazer nada”, contou.

Com as fortes chuvas que estão atingindo Manaus nos últimos dias, Armando comentou que tem medo de dormir na própria casa e busca abrigo na casa dos vizinhos, mas como não tem alternativa para se mudar, precisa continuar na casa. “A qualquer momento ela pode cair e não tem nenhum canto pra [sic] eu ir, eu tenho que ficar aqui por enquanto.”, disse.

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O morador não tem como se antecipar para estruturar a casa e se preparar para uma nova cheia, pois está desempregado e não recebe auxílio das autoridades, além de ser ignorado por elas. “Eles nos deixam desamparados, essa parte aqui toda é esquecida. Não falo só por mim, falo por todos. Todas as casas estão na mesma situação, estão balançando. Essa enchente foi muito grande e danificou muitas casas”, comentou.

Foto: Camila Duarte / Portal AM1

Por conta da falta de estabilidade na estrutura da casa, ele está sem local de trabalho porque os clientes têm medo de se acidentarem no local. Atualmente, ele está atendendo a domicílio e ganhando extra com outros serviços, que ajudam a inteirar a renda.

Sem ajuda, o morador afirmou que se sente desamparado por todos os órgãos, Prefeitura de Manaus, Governo do Amazonas e até mesmo o governo federal. “Quando está na época de eleição, eles vêm atrás e sabem nos procurar, depois, quando eles ganham, nos esquecem!”, destacou.

Esquecida pela Prefeitura

A doméstica Josilene Ramos faz parte da parcela dos moradores que não tiveram direito ao auxílio para enfrentar a cheia de 2021. A casa da doméstica foi completamente tomada pela água e não teve condições de permanecer no local. Sem ter para onde ir, ela conseguiu um barco para morar durante o período, mas o que parecia ser uma solução, acabou se agravando.

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Ela contou que tem problema de epilepsia e, com o banzeiro, as crises eram constantes. Além disso, a água invadiu a casa em que morava muito rápido, o que fez com que ela perdesse alguns remédios e receitas para retirar o medicamento nos postos de saúde.

“É muito difícil, ainda mais na enchente, eu tenho que me preocupar com remédio, tenho que me preocupar com a família, tenho que estar tirando água”, explicou. Ela ainda afirmou que quase caiu nas águas do Rio Negro durante a cheia, e só foi salva porque o marido conseguiu ser mais ágil.

Foto: Arquivo / Portal AM1

Apesar das águas baixas, a doméstica já pensa na próxima cheia de 2022; todavia, agora, a preocupação também é com o período de chuva, que já sinaliza uma nova cheia, e pode ser mais severa do que a última. Ao Portal Amazonas 1, ela mostrou a instabilidade da casa em que vive com o esposo e os três filhos, Josilene também relatou a falta de ajuda da prefeitura e da Defesa Civil, que não atendem as demandas solicitadas pelos moradores.

“No período chuvoso, eu só tô [sic] orando. Todo ano eles [Defesa Civil] falam que vão tirar a gente daqui, queria que eles passassem uma semana na minha casa para saberem das dificuldades”, afirmou. Mesmo com a falta de amparo, ela acredita que as coisas possam melhorar, já que foi contemplada com o auxílio permanente do governo estadual.

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Questionada se a Prefeitura de Manaus ou o prefeito David Almeida já visitou a casa da doméstica, uma vez que ela já fez diversos apelos ao órgão, a moradora negou e afirmou que o prefeito nunca apareceu por lá, apenas na parte de fácil acesso. “Eu estou com medo da nova cheia. Já conversei com as autoridades e fico no aguardo das respostas. Só resta orar para que eu seja atendida”, disse.

Foto: Camila Duarte / Portal AM1

Para tornar a casa um pouco mais segura, a doméstica recolhe restos de madeiras que caem de outras casas da região todas as vezes em que chove.  E, mesmo com a dificuldade, acredita que dias melhores virão, mas os problemas não serão solucionados com iluminação LED nos ônibus e caminhões de lixo.

Venda nos olhos

Ao mesmo tempo em que o prefeito David Almeida esbanja um espírito natalino por toda Manaus, moradores do Educandos e de outros bairros da cidade enfrentam problemas frequentes que são colocados no final da lista de prioridades da Prefeitura de Manaus.

Com show principal do sertanejo Luan Santana, o prefeito vai desembolsar R$ 600 mil para que a voz sertaneja seja o astro da virada de ano em Manaus. Além disso, David Almeida decidiu iluminar os ônibus e caminhões de lixo para o Natal, projeto que faz parte ”do maior Natal da história da cidade”, segundo o prefeito.

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E os gastos desnecessários não param por aí, mesmo sem o acesso para a Série B do Campeonato Brasileiro, a Prefeitura de Manaus pagou R$ 1 milhão para o Manaus FC, do vereador Mitoso. David Almeida também tirou o valor de mais de R$ 27 mil dos cofres públicos para colorir calçadas pela cidade, contratar mais de 100 shows pirotécnicos para as festividades na capital.

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Foto: Reprodução

Sobre os problemas enfrentados pelos moradores do bairro Educandos, o Portal Amazonas1 contatou a Casa Militar da Prefeitura de Manaus para solicitar informações de ações voltadas para os moradores daquela região, além de levar as denúncias dos residentes. O contato foi feito pelo e-mail [email protected], disponibilizado para questionamentos da imprensa, além de tentar contato via WhatsApp.

Assim como as solicitações não atendidas dos moradores, até a publicação desta reportagem, a equipe de reportagem não obteve respostas do órgão. A equipe chegou a ser respondida por mensagem de texto, mas as solicitações foram ignoradas pelo órgão, marca da gestão do prefeito David Almeida. Essa não é a primeira vez em que o Portal Amazonas 1 tenta contato com o órgão e eles não respondem as demandas enviadas a eles, com as denúncias da população manauara.

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