Manaus, 7 de maio de 2024
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Cenário

MP vai avaliar marchinha da Banda da Bica, após tema envolvendo menor

O Ministério Público do Estado (MP-AM) informou que vai avaliar a partir desta terça-feira, 21, as denúncias protocolizadas contra a letra da marchinha da Banda da Bica para o Carnaval deste ano, na qual traz o verso dúbio: “A pirralha faz pirraça e a Bica entra na graça. A Greta quer ver pau em pé. A Bica abunda, bate forte e bota fé.” Especialistas veem “crime” contra o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Já um dos autores da letra, jornalista Simão Pessoa, insinua que há exagero na repercussão.

Tradicionalmente crítica à política, a Banda da Bica fez ironia com uma adolescente que defende o meio ambiente (Reprodução/Facebook)

Greta Thunberg é uma adolescente sueca que atua como ativista ambiental e é reconhecida pelo trabalho que desenvolve de alerta às autoridades em todo mundo, apesar de sofrer de uma forma de autismo (Síndrome de Asperger). No ano passado, ela foi chamada de “pirralha” pelo presidente Jair Bolsonaro após questionar dele ações para prevenir as mortes de indígenas no Maranhão.

Com esse contexto, o jornalista Simão Pessoa e outros integrantes da Banda da Bica resolveram fazer uma letra baseada no imbróglio envolvendo a jovem. Questionado se o termo “Greta quer ver pau em pé” não teria uma conotação dúbia, dado o fato de a personagem ser menor de idade, o jornalista respondeu:

“Não. Ela quer ver as árvores não sendo cortadas, como todos nós. Se o Aurélio disser que pau não é sinônimo de árvore, de borduna ou de conflito, a gente muda. Pro bom entendedor, meia palavra…”, concluiu o profissional que tem mais de 30 anos de profissão.

Nome de ambientalista, Greta, virou título da música da Banda da Bica no Carnaval de 2020 (Reprodução/Facebook)

Simão Pessoa foi perguntado se a escolha do tema da Bica tem a ver com as críticas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro ao ativismo de Greta, quando respondeu de forma irônica:  “So sorry (desculpe, em inglês), mas não há nenhuma ironia em glorificar a luta da menina por um ambiente melhor”, afirmou o jornalista que nas eleições de 2018, apoiou, nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro.

Ele disse ainda que só “gente com ideias preconceituosas” pode ver sacanagem onde, segundo Simão, há apenas uma mensagem direta de que suas ideias, da Greta, encontrem “eco”.  “Porque é com gente de sua estirpe, da Greta, claro, que vamos fazer um mundo melhor”, declarou, mais uma vez ironizando.

Ao finalizar as perguntas feitas pela reportagem, Simão Pessoa insinuou que há um exagero na avaliação da marchinha. “Carnaval é bom humor, ironia, sarcasmo (…)”, disse.

Crimes apontados

Doutor em Linguística, o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Sérgio Freire disse que vê crime na letra da marchinha da Banda da Bica deste ano. “Você cruza o limite do bom senso quando há uma ironia envolvendo uma menor em uma atividade sexual. A letra da Bica é claramente sexual”, afirmou.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê, em seu Art. 232, que é crime submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento, com pena de detenção de seis meses a dois anos.

No Artigo 3 do mesmo estatuto, estabelece que crianças e adolescentes precisam ter garantidos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral no desenvolvimento físico, mental, moral e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Sérgio Freire explica a diferença entre liberdade de expressão e a ilegalidade. “Não é tudo que pode. Tem uma coisa chamada lei, o Código Penal. Não é liberdade de expressão fazer apologia ao nazismo porque há uma lei contra isso. Não é liberdade de expressão fazer libelos à pedofilia porque há lei contra isso. Não é um pode-tudo”, concluiu.

A mesma tese defende o advogado e cientista social Carlos Santiago. Além de haver indícios de prática ilegal contra o ECA, a marchinha da Bica, segundo ele, reflete o discurso social e patriarcal em que o Brasil está inserido há décadas.  “Não há graça quando se envolve assuntos sérios como crime contra a dignidade de menores”, alertou.

Perdeu a essência

Filhas de um dos integrantes da Banda da Bica, o professor Afonso Toscano, falecido no ano passado, Izinha Toscano, Haydée Toscano e Conceição Toscano criticaram veemente, em nota, a letra da marchinha envolvendo a ativista Greta e disseram que o grupo artístico perdeu sua essência crítica à política.

“Que a Banda da Bica perdeu a graça, todos sabemos, mas a escolha de uma música fraca e mal escrita nos faz pensar que é um ultraje ver uma marchinha tão ruim associada ao nome do Afonso Toscano”, declararam ao negar participação do pai no enredo da música.

Que a Banda da Bica perdeu a graça, todos sabemos, mas a escolha de uma música fraca e mal escrita nos faz pensar que é…

Publicado por Conceição Toscano em Domingo, 19 de janeiro de 2020

As filhas de Afonso Toscano, também, concordam que a música tem um sentindo sexual . “Atribuir uma música que sexualiza uma menor de idade, além de reforçar a ideia de assédio e estupro a um homem que foi um professor por quase 40 anos foi, no mínimo, idiotice”.

Nos últimos cinco anos, a Banda da Bica focava em polêmicas envolvendo políticos, dentre elas o enredo de 2017, com o tema “Tem dinheiro, dá pra fazer”, referindo-se ao candidato à Prefeitura de Manaus de 2016, atual deputado federal Marcelo Ramos (PL), que usou esse bordão em sua campanha. 

Em 2018, a banda norteou seu tema sobre a troca de governantes no Amazonas, no ano anterior, quando o ex-governador José Melo foi cassado por compra de votos. No mesmo ano, em 2017, o Estado teve um governador interino, David Almeida, e depois o gestor que foi eleito pelo voto, Amazonino Mendes.  

Sob avaliação

Procurada para se manifestar sobre o assunto, a assessoria de imprensa do Ministério Público, órgão comandado pela procuradora-chefe Leda Albuquerque, informou que a Ouvidoria da instituição recebeu denúncias  contra a marchinha da Bica de 2020, na semana passada.

O caso foi registrado como Notícia Fato, no processo de número 040.2020.00013 e será encaminhado para a Promotoria de Proteção à Infância e Juventude, onde passará por uma avaliação.