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Política

PL de Nikolas Ferreira é baseado em estudo falso

O PL do parlamentar é baseado em um falso estudo de "Harvard" sobre a desburocratização de armas.

PL de Nikolas Ferreira é baseado em estudo falso

(Foto: Reprodução/Redes sociais)

Brasília (DF) – O deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL) ainda não havia tomado posse como deputado federal no dia 5 de janeiro. No entanto, naquele dia, ele disse a uma rádio mineira qual seria sua primeira medida no Congresso: desburocratizar e facilitar o acesso de armas a civis.

 “No primeiro dia, eu já quero protocolar um projeto de lei a respeito do armamento civil. A gente teve aí a derrubada dos decretos anteriores do Bolsonaro pelo Lula”.

Dito e feito. No dia 11 de fevereiro, o recém-empossado deputado protocolou o tal projeto de lei na Câmara dos Deputados.

Contudo, o que chama a atenção é que a principal fonte de informação utilizada pelo parlamentar no Projeto de Lei nº 456/2023 é um suposto “estudo de Harvard”.

No rodapé da justificativa do projeto, apontado como referência bibliográfica em duas passagens do texto, um link direciona para um site de uma organização dos Estados Unidos que não tem qualquer relação com a renomada universidade.

Na página, porém, é mencionado o título do suposto estudo, intitulado “Proibir armas de fogo reduziria assassinatos e suicídios? Uma Revisão de Evidências Internacionais e Algumas Evidências Domésticas”- em inglês, que teria sido publicado no “Harvard Journal of Law and Policy”, em 2007.

O problema é que, em 2009, essa publicação, de autoria de dois ativistas pró-armas, o norte-americano Don B. Kates e o canadense Gary Mauser, foi refutada pelo atual diretor do Centro de Pesquisa de Controle de Lesões de Harvard e Centro de Prevenção de Violência Juvenil de Harvard.

Na época, David Hemenway publicou um texto no próprio site da universidade – esse, sim, no ar até hoje –, desmentindo e classificando o suposto estudo como “desinformação”.

Após contrariar o estudo citado por Nikolas em oito aspectos diferentes, utilizando como referência 16 artigos acadêmicos, Hemenway conclui: “é simplesmente uma polêmica parcial, geralmente enganosa, e não merece muita atenção”, disse o acadêmico em 2009.

Mesmo com a contradição do especialista, nada disso impediu Nikolas de basear seu projeto no artigo. Como se não bastasse a desinformação promovida pelo próprio estudo, o deputado brasileiro foi além: segundo ele, o artigo de Kates e Mauser tem o título “Contraproducência do controle de armas”.

O título mencionado pelo deputado nunca foi adotado, nem mesmo de forma abreviada – e seria “um estudo minucioso acerca da temática sobre leis de armas e violência nos Estados Unidos e Europa”, conforme define.

Checagem

Mesmo refutado há mais de uma década, o suposto “estudo de Harvard” também é usado de forma fraudulenta por defensores do movimento armamentista nos Estados Unidos.

Em 2018, o projeto de jornalismo investigativo The Trace, que apura as consequências da violência por arma de fogo em território norte-americano, publicou uma detalhada checagem do material mencionado no PL de Nikolas Ferreira.

O título da reportagem diz o seguinte: “Estudo de Harvard abraçado pelos defensores do direito às armas não é nem um ‘estudo’, nem de ‘Harvard’”. O subtítulo, por sua vez, afirma: “Ao contrário das afirmações de seus autores, ele não prova que mais armas resultam em menos crimes”.

A checagem do The Trace aponta que o estudo não foi conduzido por pesquisadores vinculados à Universidade de Harvard, como Nikolas Ferreira sugere.

Na verdade, Don B. Kates, que morreu em 2018, foi um advogado e ativista pró-armas apoiado pela NRA (National Rifle Association). Gary Mauser, por sua vez, é um defensor conhecido de armas de fogo no Canadá, que nunca estudou ou deu aulas em Harvard.

A única relação do suposto estudo com a universidade norte-americana é que ele foi, de fato, veiculado na revista Harvard Journal of Law & Public Policy – mas a publicação não segue os padrões acadêmicos convencionais e não possui revisão por pares, tampouco ficou  hospedada no site da universidade.

Além disso, o The Trace destaca que o trabalho de Kates e Mauser não atende aos critérios mínimos de um estudo acadêmico, pois não apresenta uma análise estatística adequada. Em vez disso, os autores realizam comparações subjetivas e duvidosas de dados suspeitos, sem construir um único modelo estatístico.

A checagem também expõe outras várias falhas graves no estudo. Por exemplo, os autores comparam países com condições socioeconômicas e culturais muito diferentes, o que compromete qualquer conclusão significativa sobre a eficácia do controle de armas.

Além disso, eles baseiam parte de sua análise em dados incorretos de um país pequeno, Luxemburgo, e ignoram evidências que mostram que reduzir o acesso a armas de fogo salva vidas, especialmente em relação ao suicídio.

O estudo citado por Nikolas também faz referência ao trabalho de John Lott, que defende a teoria de que mais armas levam a menos crimes. No entanto, o The Trace aponta que cinco importantes críticas ao trabalho de Lott foram ignoradas ou minimizadas por Kates e Mauser.

A checagem conclui que o artigo de Kates e Mauser não pode ser considerado um estudo acadêmico válido e que suas conclusões são inconsistentes com a evidência existente – ou seja, falsos – e pretendem promover a violência.

(*) Com informações do The Intercept Brasil

 

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