Manaus, 3 de julho de 2025
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Cenário

Família Pinheiro reina há 20 anos em Coari: Pai, filhos e parentes dominam a terra do gás

Há pelo menos 20 anos, mesmo com vários escândalos e investigações, a família Pinheiro vem dominando a cidade mais rica do Amazonas: Coari

Família Pinheiro reina há 20 anos em Coari: Pai, filhos e parentes dominam a terra do gás

Foto: Reprodução/Internet

COARI, AM – Há pelo menos 20 anos a família Pinheiro detém de grande poder político e, consequentemente, o poder econômico também, no município de Coari. Mesmo embalada por muitas polêmicas e investigações, os Pinheiro continuam dominando as esferas de poder no município.

A começar pelo ex-prefeito da cidade, Adail Pinheiro (PP), que abriu o reinado em 2001, reeleito em 2005, com mandato exercido até 2008. Foi neste período que o gestor conseguiu crescer politicamente arrastando junto com ele membros da sua família, que hoje também atuam nos órgãos públicos e no sistema político não só do município, como também do Amazonas, inclusive vencendo as eleições municiapais tanto para a Prefeitura quanto para a Câmara de vereadores.

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Coari gera bastante interesse aos caciques políticos, uma vez que a Prefeitura da cidade administra, além dos repasses constitucionais e obrigatórios decorrentes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), os milhões repassados pela Petrobras de royalties pela exploração de petróleo.

Família

Assim como ascendeu na política, Adail Pinheiro teve uma queda feia ao ser preso em 2014 numa investigação por exploração sexual de menores. Apesar disso, enquanto estava encarcerado em um quartel da Polícia Militar em Manaus, o ex-prefeito de Coari conseguiu emplacar seus parentes na política.

Em 2017, Adail Filho, caçula de Adail Pinheiro, estreou como prefeito do município, onde permaneceu até fim do ano passado, após sua candidatura nas eleições 2020 ter sido indeferida pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Naquele ano, ele assumiu no lugar de Raimundo Nonato, que por sua vez, tendo sido o segundo mais votado nas eleições de 2012, assumiu o comando de Coari após Adail Pinheiro ter sido preso.

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Para auxiliar Adail Filho, também estreando na política amazonense, em 2017, a família emplacou a médica Mayara Pinheiro, como vice-prefeita de Coari. Ela é filha de Adail Pinheiro e irmã de Adail Filho. Atualmente, Mayara é deputada estadual na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam).

Adailzinho e Mayara Pinheiro

Além deles, ocupam ou já ocuparam cargos políticos no município Jeany Pinheiro (PP), Keitton Pinheiro (PSD), Dulce Menezes (MDB) e Neto Pinheiro (PP). Eles são, respectivamente, tia, primo, prima e primo do atual prefeito, Adail Filho. Em 2017, quando Adail Filho começou na política, todos eles eram vereadores. Porém, de lá pra cá, houve mudanças.

Poder em família

Após Mayara Pinheiro ter sido eleita deputada, inclusive a mais votada no Amazonas – com 50.819 votos -, Adail Filho anunciou, no ano passado, Keitton Pinheiro, que era vereador e presidente da Câmara Municipal, como vice na sua chapa. Tudo nas mãos da família Pinheiro.

Sem Keitton na Câmara, ficou no comando da Casa Legislativa, de forma interina até o fim de 2020, a vereadora Jeany Pinheiro. Porém, ao fim das eleições, quando Adail e Keitton venceram o pleito com quase 60% dos votos válidos, os dois renunciaram aos cargos.

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Mesmo com o indeferimento da candidatura deles e com a renúncia, o comando da Prefeitura de Coari continua nas mãos da família Pinheiro. De um jeito ou de outro, sempre um membro da família assume um cargo de autoridade e domínio na cidade.

Assim que renunciaram, por estar como presidente da Câmara Municipal, Jeany Pinheiro assumiu, de forma interina, a Prefeitura de Coari, até o fim de 2020. Já em 2021, com o parlamento renovado e após as posses, quem assumiu como presidente da Casa Legislativa foi Dulce Menezes, portanto, ela quem deveria assumir a Prefeitura de Coari, de forma interina. Ela é tia de Adail Filho.

Dulce no comando de Coari

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Com isso, coincidência ou não, quem assumiu a Casa Legislativa foi Jeany Pinheiro, novamente. Vale destacar que parte deles são filiados ao Partido Progressistas, do deputado federal e cacique político amazonense Átila Lins (PP). A legenda, inclusive, conseguiu eleger 10 prefeitos no interior do Amazonas.

Julgamento no TSE

A recorrente gestão da família Pinheiro na Prefeitura de Coari é justamente o teor do indeferimento de candidatura de Adail Filho. De acordo com o TRE, ao acatar um processo movido por Robson Tiradentes (PSC) – principal opositor de Adail nas eleições 2020 –, um grupo familiar não pode exercer mais de dois mandatos seguidos.

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A decisão leva em consideração que Adail Pinheiro, mesmo que pela metade, chegou a assumir como prefeito de 2013 a 2014. Após isso, assumiu Raimundo Nonato. Na sequência, Adail Filho foi eleito prefeito em 2016. Este mandato, segundo o TRE, teria sido último permitido para a família Pinheiro exercer.

Desde então, Coari está sem chefe municipal escolhido pela população. Eleições suplementares já deveriam ter sido realizadas, mas o processo de inelegibilidade ainda segue em andamento. Na próxima quinta-feira (29), inclusive, está previsto para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgar os recursos apresentados por Adail e Keitton.

Rastros do coronelismo 

O Portal AM1 conversou com sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio Nascimento, sobre esse reinado permanente da família Pinheiro em Coari. Na visão do especialista, o cenário representa a prática do ‘coronelismo’, muito recorrente no interior, principalmente nos anos de 1889 a 1930. O coronelismo consiste no poder econômico e político concentrado apenas nas mãos do ‘proprietário rural’.

“Em 2021, no meio de uma sociedade e um país democrático, você tem uma relação do poder do tipo patrimonial e coronelista […] E essas figuras políticas locais se afirmam até hoje com um conjunto de ações que combinam a violência, a opressão, o controle e pequenos agrados”, disse Luiz Antônio.

Foto: Divulgação

“Foi assim que o coronelismo se afirmou. Ele se afirmava batizando os filhos dos camponeses, e ao mesmo tempo, quando precisava e fosse necessário, esses camponeses eram vítimas de aprisionamentos ilegais, sem base política. Em Coari você tem uma família que se apropriou do poder, se apropriou do poder político e, por sua vez, econômico, porque esse poder político se impõe ao poder econômico”, afirmou ao Portal AM1.

O especialista também deu exemplos de práticas coronelísticas, entre elas, a troca de favores em meio à ameaças entre um Chefe do Executivo e subordinados. Isso se encaixa com as investigações contra Adail Pinheiro, por pedofilia, nas quais apontavam que o ex-prefeito aliciava menores de idade e em troca ele oferecia ajudas financeiras como dinheiro, emprego e utensílios domésticos.

“Imagina você se um comerciante local resolve não seguir as orientações da família Pinheiro, por óbvio ele vai sofrer muitas repressões, muitas represálias, e ele vai quebrar, então ele acaba concedendo, aceitando e fazendo, entrando nos esquemas”, explicou.

“O mesmo vale para os trabalhadores, uma boa parte deles dependente do salário da prefeitura e do salário dos empresários. Então há uma subordinação econômica e política que explica a eleição dessas pessoas. Essas pessoas têm práticas não democráticas e autoritárias e essas práticas não democráticas e autoritárias, e violentas, garantem que nas eleições esses grupos se reproduzam politicamente”, continuou o especialista.

Escândalos e investigações

A família Pinheiro compartilha não só do comando de Coari, como também de escândalos e investigações.

O pai, Adail Pinheiro, foi preso em 2014, por exploração sexual de crianças e adolescentes, em investigações realizadas pela Operação Vorax, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Cerca de dois anos depois, mesmo condenado, nessa época, a 12 anos de prisão, ele recebeu autorização para cumprir prisão domiciliar.

Em 2018, ele voltou a ser preso por crimes relacionados à Operação Vorax, mas foi solto novamente após apresentar habeas corpus, mesmo condenado, agora, a 57 anos de prisão.

Já Adail Filho, ficou preso por mais de uma semana no Batalhão de Choque da Polícia Militar por envolvimento em suposto esquema criminoso operado em forma de organização criminosa, criada para fraudar licitações, lavar dinheiro e corromper a estrutura de poder do município de Coari.

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A investigação foi deflagrada pelo Ministério Público do Amazonas (MP-AM) por meio da Operação Patrinus. Adail chegou a ser considerado foragido da Justiça, mas se apresentou ao órgão no mesmo dia.

Ambas as investigações, em anos diferentes, repercutiram nacionalmente, com reportagens investigativas sendo exibidas no Fantástico, da Globo.