Manaus, 17 de maio de 2024
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Manaus, 17 de maio de 2024

Política

STF faz audiências públicas sobre descriminalização do aborto; entenda

STF faz audiências públicas sobre descriminalização do aborto; entenda

A descriminalização da interrupção da gravidez em até 12 semanas de gestação, o aborto, está em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) com audiências públicas nesta sexta-feira (3) e segunda-feira (6). Dessa vez, o imbróglio está em uma interpretação da Constituição: estaria a criminalização do aborto descrita nos artigos 124 e 126 do Código Penal contrariando princípios fundamentais da Carta Magna, como a liberdade e a igualdade?

Na prática, o Supremo vai decidir se quem aborta deveria ser preso ou não. Atualmente, o aborto é crime no Brasil e quem o pratica pode ser preso por até 3 anos. A discussão nesse momento é sobre a descriminalização.

O processo e seus questionamentos

O assunto corre desde março de 2017, quando o Instituto de Bioética (ANIS) e o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) pediram apreciação sobre o aborto no Supremo à luz da Constituição. As audiências começaram agora, mas uma decisão de fato pode levar anos para acontecer. Nelas, diversos atores sociais vão tentar mostrar os diferentes pontos de vista sobre o tema e suas nuances.

As entidades que pediram apreciação do STF sustentam que o Código Penal, em que consta a criminalização do aborto, é uma lei de 1940, anterior a Constituição de 1988. Por isso, cabe um pronunciamento do STF sobre se o código respeita princípios como a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da vida, a proibição da tortura, a igualdade, a liberdade, e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres – que são princípios constitucionais.

Apesar do PSOL e do Instituto de Bioética terem pedido o pronunciamento, outras instituições pediram para entrar no processo na qualidade de amici curiae: o termo designa o “amigo da corte”, que qualifica aqueles que aconselham o STF sobre temas polêmicos.

O que acontece depois das audiências?

Após as audiências, a relatora e ministra Rosa Weber avaliará o material e elaborará o seu voto. Depois, ela encaminha seu parecer para Cármen Lúcia, presidente do Supremo, que coloca o tema em pauta.

Por decisão da presidente, é marcado o julgamento em que todos os ministros do STF presentes na sessão podem votar. Não há um prazo para que isso aconteça. Mas há alguns precedentes de prazos em temas semelhantes:

Anencefalia (ADPF 54): foi protocolada em 2004 e a decisão saiu em 2012: período de 8 anos para a decisão. O STF entendeu que mulheres com feto anencéfalo poderiam abortar.

Células-tronco (ADI 3510): foi protocolada em de 2005 e a decisão saiu em 2008: período de 3 anos para a decisão. O STF entendeu que embriões podem ser usados para pesquisas com células-tronco.

Além disso, em novembro de 2016, a 1ª Turma do Supremo decidiu, ao analisar um caso específico, que o aborto até o terceiro mês de gravidez não é crime.

Controvérsias históricas sobre o aborto

Se analisarmos os casos anteriores semelhantes já decididos pelo STF, alguns anos podem transcorrer até a decisão – o que dará tempo para o material disponível nas audiências seja analisado pela sociedade. Algumas controvérsias históricas sobre o tema que devem voltar ao debate:

Religião e moral

Como nas questões do feto anencéfalo e do uso das células-tronco embrionárias, muito do debate sobre o aborto gira em torno de uma controvérsia fundamental: quando começa a vida? Alguns setores consideram que embrião e feto não são uma vida constituída. E, por isso, não caberia a discussão. Para outros, a vida começa no momento da concepção.

Há aqueles que sustentam que a pergunta não cabe na discussão e não é necessária para as decisões relacionadas ao aborto – de qualquer modo, seja pela negação da pergunta, seja pela necessidade de uma resposta, essa controvérsia persiste no debate de uma maneira ou de outra.

Confira algumas posições:

“Para alguns setores, a vida é entendida de maneira abstrata. É a vida de um possível ser. Nesse argumento, ir contra o aborto, seria defender a vida. No nosso entendimento, mesmo dentro da fé, a mulher tem o livre arbítrio, dentro da sua fé e da sua consciência, para decidir. O problema do aborto, no início, está atrelado à questão do adultério, de que uma mulher só interromperia uma gestação para escondê-la. Essa questão da vida na igreja só começou a surgir a partir do século XIX”, diz Maria José Rosado Nunes, presidente das Católicas pelo Direito de Decidir.

“O direito à vida é incondicional. Deve ser respeitado e defendido, em qualquer etapa ou condição em que se encontre a pessoa humana”, se pronunciou a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em nota. A CNBB reiterou sua posição em defesa da integralidade, inviolabilidade e dignidade da vida humana, desde a sua concepção até a morte natural.

Saúde pública

Em meio ao debate, reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que o SUS gastou R$ 486 milhões com internações para tratamentos relacionados a complicações do aborto entre 2008 e 2017. Dessas interrupções das gestações, 75% delas foram provocadas. Segundo o jornal, ao menos 4.455 mulheres morreram de 2000 a 2016 relacionadas às práticas. O Ministério da Saúde e aguarda um retorno sobre os dados que devem integrar um relatório que o governo vai apresentar ao STF.

A questão do aborto, assim, é muitas vezes tratada dentro do âmbito da saúde pública – com a consideração de que a descriminalização geraria abortos mais seguros, e, portanto, menos mortes de mulheres e menos gastos com saúde pública.

Outros setores consideram que não há uma preocupação a longo prazo com a saúde psíquica da mulher que aborta e que a descriminalização do aborto não considera esse aspecto. Há também questões relacionadas à disponibilidade de contraceptivos e à qualidade da saúde pública de modo geral.

A Pesquisa Nacional do Aborto, feito pelo ANIS em 2010 mostrou que 1 em cada 5 mulheres brasileiras fez pelo menos um aborto até os 40 anos – o que, para o instituto, demonstraria que mulheres praticam o aborto independentemente da criminalização e, por isso, estariam sujeitas a práticas inseguras.

Para Angela Gandra, estatísticas de saúde pública não raramente são manipuladas para sustentar um determinado argumento. Para ela, mesmo que os dados representassem a realidade, não cabe uma sustentação pró-aborto em nome de um “pragmatismo”. “Vamos, então, descriminalizar a corrupção porque todo mundo pratica?”, questiona.

Direito e controvérsias jurídicas

A complexidade do tema passa pelo entendimento de todos os princípios constitucionais, que muitas vezes são amplos e dão margem a diferentes interpretações. Por exemplo, entendimentos sobre igualdade, dignidade da pessoa humana, dentre outros podem ser vistos de vários pontos de vista — principalmente quando se muda o sujeito da análise. Alguns setores olham o assunto do ponto de vista do feto, quando considerado vida. Outros olham sobre o ponto de vista da mulher.

Além disso, outra controvérsia é sobre o próprio papel do STF enquanto a instância para deliberar sobre o tema. Quando a ministra Rosa Weber requisitou pronunciamento da Presidência da República sobre o assunto, a resposta recebida é que a instituição entende que há “um desacordo moral razoável” e, por isso, o poder legislativo seria a arena deliberativa competente para promover a discussão. O Parlamento, diz a Presidência, é o espaço democrático responsável por tutelar o pluralismo político.

Já a ANIS considera que, nos últimos anos, o STF se consolidou como sendo a instância legítima para questões semelhantes, como foi com a decisão sobre a União Estável, sobre o uso de células-tronco de embriões para a pesquisa, e sobre a interrupção da gestação no caso de fetos anencéfalos.

*Informações retiradas do G1