Manaus, 23 de abril de 2024
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Manaus, 23 de abril de 2024

Cenário

TJAM: salários de desembargadores somaram mais de 1 milhão em fevereiro

Com o valor, seria possível beneficiar cerca de 4.282 cidadãos manauaras com uma parcela de R$ 250 do auxílio emergencial

TJAM: salários de desembargadores somaram mais de 1 milhão em fevereiro

Foto: Raphael Alves

Manaus – Em fevereiro deste ano, os 26 desembargadores do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) receberam, juntos, mais de R$ 1 milhão de salário, conforme consta na folha de pagamento do órgão, no Portal da Transparência.

Pagamento milionário foi feito no período em que o Amazonas registrou 316.088 casos confirmados de covid-19 e 10.860 óbitos pela doença. Agora, cerca de um mês depois, esse número aumentou para 349.123 casos e 12.015 mortes por covid-19.

O valor total pago aos desembargadores, levando em consideração o rendimento líquido, foi de R$ 1.072.490,04. Sem acréscimo de vantagens e auxílios, o salário fixo para um magistrado é de R$ 35.462,22. Então, pela soma, sem os benefícios, os desembargadores recebem total de R$ 922.017,72.

Para se ter ideia, com o valor total de R$ 1.072.490,04 pago aos magistrados em fevereiro, daria para beneficiar cerca de 4.282 cidadãos manauaras com uma parcela de R$ 250 do auxílio emergencial.

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Teto constitucional

Além disso, chama atenção que mais da metade dos desembargadores teve um rendimento líquido que ultrapassou o teto de gastos para magistrados do TJAM. Pelo ‘teto constitucional’, nenhum servidor público pode ganhar mais do que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que possuem teto de vencimentos fixado em R$ 39.293 brutos.

Em fevereiro, 14 desembargadores receberam mais de R$ 39 mil de rendimento líquido. Salta aos olhos dois magistrados específicos, Ari Moutinho e Maria do Perpetuo Socorro, que receberam mais de R$ 60 mil, em um único mês. Para ser exato, Ari Moutinho recebeu R$ 62.446,66 e Maria do Perpetuo Socorro recebeu R$ 61.039,20.

De acordo com a folha de pagamento, alguns desembargadores tiveram retenção de parte do salário de fevereiro justamente por conta do teto constitucional, mas outros não tiveram o desconto. Além disso, Ari Moutinho e Maria do Perpetuo Socorro, por exemplo, mesmo com retenção de 7,9 mil e 4 mil, respectivamente, não foi suficiente para o valor ficar abaixo do salário dos ministros do STF.

Privilégios

De acordo com o sociólogo Clayton Rodrigues, os privilégios alcançados por um grupo específico da sociedade são reflexos de contextos históricos e características da própria sociedade brasileira em relação às mudanças sociais.

“Gostaria de falar, inicialmente, sobre estruturação social, para refletir sobre esses modelos que ainda se mantêm. É sabido que nós fazemos parte de uma sociedade que, dificilmente, preza pela possibilidade de ascensão e mudança social. A gente tem uma sociedade muito baseada na estratificação social, ou seja, pouca possibilidade de mudança de nível social. Tenta-se se manter no nível que já estão. Por isso que a gente tem uma concentração de riqueza extremamente desigual, temos aí 5% ou 6% que detêm toda riqueza de um país com mais de 200 milhões de habitantes”, explicou.

Para o especialista, por conta disso, a possibilidade de mudanças na estrutura que ocasiona a desigualdade é mínima e que isso, ao longo dos anos, vem sendo mantido pela própria população que não questiona e não se movimenta.

“A Constituição de 88 propõe um modelo de sociedade completamente diferente da estrutura que a gente tem, por isso que a gente não consegue corresponder à Constituição. E, quando a gente pensa esses Poderes, esses espaços, nós temos tradicionalmente profissões ou espaços privilegiados, nós somos sim uma sociedade do privilégio. Nós vamos perceber que, estruturalmente, não tem perspectiva nenhuma de mudança. A gente vem mantendo isso”, disse Rodrigues.

Além disso, o sociólogo ressaltou, ainda, sobre a distribuição de recursos para cada setor público. Segundo ele, há uma disparidade no que é pago aos agentes do direito, ou seja, juízes e desembargadores, e o que é destinado, por exemplo, à saúde pública.

“Quando se coloca essa comparação de por que que procuradores, juízes, enfim, alguns agentes do direito, da lei, da Justiça, têm esses ganhos altíssimos e a gente não tem, por exemplo, um investimento devido na saúde. É importante lembrar, também, como é que é feita a distribuição das receitas. Uma coisa é o que é destinado ao pagamento de certos servidores públicos, e outra coisa é uma receita destinada para uma política específica […] dinheiro para construção de estádio não é o mesmo para saúde”, afirmou ao Portal AM1.

O Tribunal de Justiça do Amazonas foi procurado pela reportagem para esclarecer incongruências e dúvidas sobre os salários de alguns desembargadores acima do teto constitucional, além dos descontos feitos para evitar extrapolar o valor. Porém, não houve resposta até a publicação da matéria.