Manaus, 2 de maio de 2024
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Cenário

Últimas eleições mostram que os políticos do AM não são fiéis a legendas partidárias

Para concorrer às eleições, os políticos precisam estar filiados a um partido e, muitas vezes, se filiam a uma agremiação somente pelos benefícios da legenda.

Últimas eleições mostram que os políticos do AM não são fiéis a legendas partidárias

(Foto: Reprodução/Câmara dos Deputados/Aleam/Redes sociais/Agência Senado)

Manaus (AM) – A maioria de figuras conhecidas da política amazonense não é fiel a legendas partidárias –  é o que mostra os dados das últimas quatro eleições realizadas no estado, especificamente, os pleitos municipais de 2016, 2020 e as disputas gerais realizadas em 2018 e 2022.

Para concorrer às eleições, os políticos precisam estar filiados a um partido político e, muitas vezes, se filiam a uma agremiação com a qual não se identificam em relação a ideais, objetivos e até as ideologias, mas o que mais importa no momento para eles é poder fazer parte da disputa e, principalmente, ter acesso aos benefícios que a legenda pode lhes proporcionar, como tempo de TV na propaganda gratuita eleitoral, Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), Fundo Partidário e muitos outros privilégios que alguns podem conceder aos seus filiados.

De acordo com os dados consultados pelo Portal AM1 no site do Tribunal Superior Eleitoral, especificamente, no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas, o ‘DivulgaCand’, os políticos mais “fiéis” do Amazonas, são: Omar Aziz (PSD); Eduardo Braga (MDB), que atualmente exercem mandatos, além dos que, apesar de não estarem em cargos eletivos, são figuras conhecidas da política, como José Ricardo (PT); Serafim Corrêa (PSB) e Arthur Neto (PSDB), este último não está mais filiado à sigla tucana, mas esteve em suas fileiras durante 35 anos.

Nas últimas quatro eleições, esses políticos sempre estiveram nessas legendas partidárias.

Já entre os menos “fiéis” estão: Henrique Oliveira (Podemos); Ricardo Nicolau (Solidariedade); Luiz Castro (PDT); Coronel Menezes (Sem Partido); Marcelo Ramos (PSD); Silas Câmara (Republicanos), dentre outros.

Alguns outros nomes, também já trocaram pelo menos três ou duas vezes de agremiação partidária, no período analisados pela reportagem. São eles: o governador Wilson Lima (União Brasil), que no início da vida política era do PSC; o prefeito David Almeida (Avante), que já foi do PSD, PSB e Roberto Cidade, que iniciou sua carreira na política no PV e agora está no União Brasil.

Alfredo Nascimento, atual presidente do PL Amazonas, é outro exemplo. O ex-prefeito de Manaus e ex-ministro dos Transportes já foi do antigo PMDB, hoje, MDB; PDT; PFL e outros, antes de se abrigar no partido de direita. Outro exemplo é do atual vereador Marcel Alexandre, que já foi do MDB, PHS e, hoje, está no Podemos.

Estratégia

A reportagem conversou com sociólogos e cientistas políticos sobre o assunto e os especialistas afirmaram que o processo de troca de partidos é comum, mas também enfatizaram que muitas dessas mudanças são por conveniência, principalmente, quando realizadas próximo às disputas eleitorais – o que consequentemente enfraquece o processo democrático.

Para o cientista político, antropólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Ademir Ramos, existem três aspectos importantes relacionados ao assunto: o pluripartidarismo, a fidelidade partidária e o processo eleitoral.

O especialista explicou que o partido político tem função importante, já que é a plataforma da democracia e que, nesse sentido, é preciso promover a possibilidade e uma discussão ampla de uma reforma política no Brasil.

No entanto, segundo o professor, há uma estratégia nessas mudanças, uma vez que o partido que consegue eleger o maior número de deputados federais, por exemplo, no caso das eleições gerais, terá consequentemente o maior recurso de fundo partidário e após fundo eleitoral, o que, para o especialista, é uma “questão de captação de recurso econômico”.

“O candidato, por sua vez, busca uma estratégia, um partido que lhe dê mais recursos, tempo de televisão, fundo eleitoral, no sentido para disputar a eleição em pé de igualdade com os outros, então, nesse conjunto de forças do partido, partido ideológico, partido programático, não existe mais. O próprio PT não é mais um partido programático, há muitos candidatos que estão no PT por conveniência, não é por uma questão ideológica. Os que estão no PL também não é uma questão ideológica, porque é de direita, e sim, porque eles têm mais condições. As condições materiais dos partidos maiores oferecem mais oportunidades para os candidatos, lembrou Ademir.

Ramos frisou, ainda, que a questão da fidelização se minimiza e se torna frágil, a partir das estratégias políticas, no sentido de assegurar e garantir ao candidato sucesso na eleição. “É o que se vive, hoje, no Brasil: menos ideologia e mais estratégia, no sentido de sucesso eleitoral, e isso tudo é bancado com dinheiro público, isso que é a questão”, disse.

Democracia enfraquecida

Na visão do professor e cientista político do Departamento de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais da Ufam, Raimundo Nonato Silva, a cultura política relacionada ao que ele chama de ‘mercado eleitoral’ que está relacionada diretamente com as trocas de partidos políticos já foi mais intensa, porém, com as novas regras eleitorais, foi perdendo a sua intensidade, mas continua a ganhar dimensões extremamente importantes.

“Temos alguns parlamentares que mantêm o que se chama de uma disciplina partidária e se fixam, em parte, dentro de um campo ideológico. Em geral, são alguns partidos de esquerda, muito embora, alguns um pouco mais para o centro-esquerda, como é chamado. Dentro dessas linhas de fidelidade partidárias, os partidos de esquerda são aqueles em que seus candidatos e seus militantes mais se identificam e na realidade são reconhecidos até mesmo pela sociedade como sendo parte daquele segmento ideológico”, explicou.

Já em relação às legendas de direita, o professor afirmou que não vê tanta fidelidade partidária, mas sim um cálculo com relação às suas projeções políticas e que, em geral, o pluripartidarismo dificulta as definições ideológicas dessas agremiações e, principalmente, gera o enfraquecimento da democracia.

“O mercado se agita com as possibilidades de partidos menores, principalmente, criados para abrigar algumas pessoas que circulam de partido em partido. Esse pluripartidarismo cria alguns obstáculos para a própria definição ideológica desses partidos. Têm partidos que, na realidade, são contraditórios e fortemente marcados por um fisiologismo (troca de favores), então, são partidos fisiologistas que abrigam pessoas fisiologistas, e que na realidade fazem a política do ‘toma lá e dá cá’, o que, de alguma forma, enfraquece a própria democracia, porque são partidos em que a sua interação com o campo social, com uma proposta de estado é extremamente confusa, ambígua e desproporcional”, enfatizou.

Processo comum

O cientista político e professor Breno Rodrigo Leite disse ao AM1 que essas migrações são comuns e que se devem a muitas causas, destacando o fato de os partidos não possuírem uma ‘grande tradição’, por serem partidos que foram criados muito recentemente, no contexto da redemocratização.

“São partidos sem identidade, são partidos meramente eleitorais, servem apenas para acomodação de elites para as disputas eleitorais. Então, eles não possuem uma tradição, exceto um ou outro, por exemplo, o PT, os partidos de esquerda em geral, o PSOL, que já conseguiu adquirir certa identidade, o PCdoB e o próprio PDT, mas os outros não”, destacou.

Para o especialista, um detalhe importante a respeito do tema é quando essas trocas ocorrem com certa regularidade, quando estão dentro do espectro ideológico, como, por exemplo, um político sair de um partido de esquerda e ir para outro também de esquerda, o que pode ser chamado de ‘trajetória relativamente comum’.

No entanto, no contexto das eleições municipais, Breno frisou que, por ser uma eleição muito localizada e de difícil nacionalização, muitos candidatos, muitas vezes ‘menores’, aproveitam a oportunidade para projetar seus nomes, aproveitam uma janela de oportunidade e vão para outras legendas, se lançam como candidatos. “Nesse contexto, se torna um espaço interessante de oportunização, de projeção, pensando na expansão da candidatura, para cargos mais destacados e mais elevados”, finalizou.

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