Manaus, 26 de abril de 2024
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Cidades

Jovens do Amazonas: vocês existem para o poder público?

Mais da metade de assassinatos que acontecem no Estado são de jovens entre 15 e 19 anos, a maioria tendo como pano de fundo o tráfico de drogas. Poder público se omite

Jovens do Amazonas: vocês existem para o poder público?

Adolescentes e jovens do Amazonas são vítimas da falta de uma política social efetiva do poder público (Foto: Divulgação)

A escalada da violência, da criminalidade e o envolvimento com o tráfico de drogas de jovens no Amazonas expõe uma realidade mais dura do que a que os números mostram: a falta de políticas públicas efetivas do poder público para com este perfil, adolescentes e jovens entre 14 e 19 anos, os mais vulneráveis na pirâmide social e os que menos têm atenção direcionada nos projetos de governo.

Se tornou comum ver, diariamente, jovens nesta faixa etária serem personagens principais do noticiário policial, seja como vítima, seja como infrator, alvos de traficantes, assassinados na conta do tráfico, na briga de facções, vítimas de exploração sexual, física e trabalho escravo.

Há duas semanas, por exemplo, três adolescentes com idades entre 14 a 17 anos foram mortos em suposto confronto com a Polícia Militar no bairro do Crespo, Zona Sul, cujo pano de fundo foi o domínio de pontos daquela zona pelo tráfico de drogas.

Não menos comum, notícias diárias e indicadores sociais revelam o descaso do poder público no que diz respeito à investimentos na educação pública, oferta de vagas nas escolas, saneamento básico, projetos sociais que incentivem a prática de esportes, de lazer, à geração de emprego e renda e, ao primeiro emprego, por exemplo.

E os indicadores estão aí para mostrar que este público, que em tese teriam que ser a mola para o desenvolvimento social, econômico e cultural do Estado e do país, estão sendo relegados ao acaso.

Vítimas sociais

Conforme o Atlas da Violência 2019, em uma década (entre 2007 e 2017), mais do que dobrou o número de jovens entre 15 e 29 anos assassinados devido ao envolvimento com as facções do tráfico de drogas que lutam entre si para comandar pontos de venda e distribuição de drogas na capital amazonense e no interior do Estado.

De acordo com o estudo, esse crescimento foi de 117,8%. Em 2007, foram assassinados 433 jovens nesta faixa etária. Em 2017, esse número subiu para 943.

Dados mais recentes da Secretaria de Segurança Pública (SSP), solicitados pela reportagem do Amazonas1, mostram que a incidência de homicídios entre esse público está estável na comparação entre janeiro e agosto de 2018 com 2019.

Em oito meses deste ano, foram assassinados 36 adolescentes entre 12 a 17 anos, número igual ao registrado no mesmo período de 2018. O maior número de mortos está entre os jovens na faixa etária de 18 a 24 anos, totalizando 159 de janeiro a agosto de 2019 contra 217, registrados em igual período de 2018.

Esquecidos em idade produtiva

Os números negativos não param por aí. Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados na semana passada revela um cenário desalentador para este público que, em tese, teria que estar no auge da idade produtiva: 254 mil jovens entre 15 e 29 anos que residem no Amazonas nem estudam e nem trabalham, os chamados “nem-nem”. Desse universo, 136 mil se concentram na capital amazonense.

Diante desses fatos, surge um questionamento reflexivo: onde estão as falhas? Porque o poder público não consegue avançar em políticas sociais que acolham esses jovens marginalizados e os resgatem de um ‘futuro’ certo: a morte precoce ou ostracismo social?

Vontade política

A resposta seria fácil se houvesse vontade política para enfrentar o problema. As ações para este público no Amazonas são minímas e pontuais, basta analisar os programas de governos de candidatos majoritários em período eleitoral e suas propostas para este perfil etário: são genéricas.

Levantamento feito pela reportagem no programa de governo do atual chefe do Poder Executivo estadual, Wilson Lima (PSC), registrado junto ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-AM), verifica-se essa superficialidade.

No documento, teoricamente, fala-se em promoção de incentivo ao primeiro emprego, fortalecimento de programas de proteção à crianças e adolescentes, ação coordenada com diversas secretarias estaduais na educação preventiva contra as drogas e à violência, retomada do programa Jovem Aprendiz e implantação do programa de Estágio Remunerado.

O Amazonas1 procurou o governo para saber qual ou quais políticas públicas efetivas o Estado têm concretizado para favorecer adolescentes e jovens do Amazonas. No entanto, os questionamentos não foram respondidos.

‘Os programas existem?’

A presidente da Comissão de Proteção à Criança e Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Amazonas (OAB-AM), advogada Thandra Sena, ressalta que o caminho para solucionar esses problemas sociais seria a educação, o que não vem acontecendo.

“Hoje, eu vejo uma carência em relação a anos atrás sobre desenvolvimento de projetos e ações voltados para adolescentes e jovens, no Amazonas. Me parece que está tudo parado. A OAB tem diversas frentes, vez ou outra temos oportunidade de conversar com o governo. Muitas promessas foram feitas (…) Os programas, existem? Na atual gestão são quase inexistentes”, ressalta.

E, a falta de ações efetivas, acrescentou Thandra, acaba tornando esse público alvos fáceis para o tráfico de drogas que avança no Amazonas.

Sem cobrança

A reportagem procurou o presidente da Comissão de Promoção e Defesa dos Direitos das Crianças, Adolescentes e Jovens da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam), deputado Álvaro Campelo (PP), para saber como o Parlamento está desempenhando seu papel de fiscal da lei e do Executivo no que tange à cobranças de políticas efetivas voltadas para este público.

Por meio de sua assessoria de imprensa, o parlamentar – que é vice-líder do governo Wilson no Legislativo – enviou uma nota genérica informando as ações realizadas pela comissão em defesa deste perfil etário. Entre os destaques aparecem fiscalização de festas no interior, caravana da criança, parceria com a Vara da Criança e Adolescente no Tribunal de Justiça e o projeto de lei que proíbe a contratação de pessoas físicas ou jurídicas condenadas por violência sexual contra crianças e adolescentes.

Mas não fala quais medidas que a comissão têm feito para cobrar uma política direta e concreta do poder público referente à socialização, apoio e resgate de adolescentes e jovens do Estado.