Manaus, 16 de maio de 2024
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Cidades

Amor é amor: casais homoafetivos do AM relatam o preconceito e a luta na sociedade

Apesar do reconhecimento da união de casais homoafetivos, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não é uma lei, podendo ser barrado por cartórios

Amor é amor: casais homoafetivos do AM relatam o preconceito e a luta na sociedade

Foto: Arquivo Pessoal

MANAUS, AM –  Na última quarta-feira (5), completou dez anos em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união de casais homoafetivos, uma vitória na luta pelos direitos da comunidade LGBTQI+. No Amazonas, em uma década, foram registrados quase 600 uniões, de acordo com os dados da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Amazonas (Anoreg-AM).

Apesar do reconhecimento da união, o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não é uma lei. Ou seja, mesmo que seja permitida a união, não há uma lei que regulamente isso.

O Portal Amazonas 1 encontrou histórias de casais homoafetivos amazonenses que venceram o preconceito e realizaram uma cerimônia para reafirmar o amor e a união perante familiares e amigos.

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O professor Myller Nogueira casou em janeiro de 2019 em um cartório de Manaus. Ele afirmou que a importância do feito, que completou 10 anos, se dá por meio do reconhecimento de que pessoas LGBTQI+ têm direito de construir  uma família, além de criar segurança jurídica nas relações civis.

Ele ainda destacou que a união não é uma maneira para se ‘assumir’, e que esse termo deve ser retirado do vocabulário. “Eu não acho que nós precisamos assumir nada. Primeiro porque héteros não precisam assumir nada. Então, já que a luta é para ter os mesmos direitos, por que eu deveria me sentir obrigado?”, explicou.

O professor ainda comentou que no dia da cerimônia, o casal se sentiu ansioso e nervoso. Mesmo com os sentimentos à flor da pele por nunca terem participado de casamentos de pessoas do mesmo sexo, eles procuraram passar segurança e tranquilidade um para o outro.

Foto: Arquivo Pessoal

Mesmo com o preconceito existente na sociedade, ele contou que o casal não sofreu nenhum tipo de preconceito, e que é bem querido por todos à volta. “Em minha vida, não há espaço para preconceito. Em qualquer sentido que seja e na do meu marido, da mesma forma”, disse.

Por questões de religiosidade, os pais do professor não aprovam a união, porém, ele contou que isso não incomoda o casal. Contudo, os familiares não interferem nas escolhas e na vida de ambos. Já a família do marido de Myller é a favor do casamento.

“Sou independente desde muito cedo, e isso certamente foi primordial para que eu não não enfrentasse barreiras ao expressar minha orientação sexual e muito menos ao decidir casar”, explicou.

Sobre o preconceito que ainda persiste na sociedade em relação a casamentos homoafetivos, o professor comentou que essa atitude está enraizada por séculos no Brasil. Sem generalizar, ele contou que há pessoas que se julgam superiores aos outros, mas não observam as próprias ações. “Há um falso conservadorismo, muito julgamento, muita hipocrisia. Mas, quando as luzes se apagam, mostram seu verdadeiro eu”, disse.

Ele ainda complementou que as pessoas devem fazer da vida o que desejarem. “Se houver qualquer tipo de consequências (falando aqui da questão religiosa céu e inferno, que certamente contribui profundamente nisso), não diz respeito a ninguém”, contou.

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Para ele, o preconceito deve ser combatido por meio de políticas públicas que sensibilizem toda sociedade sobre a importância do respeito ao próximo. Além disso, pautas sociais devem ser discutidas na escola, que, de acordo com ele, desempenhariam um papel primordial para alcançar esse objetivo.

“Somos todos humanos e devemos apenas espalhar amor e respeito, que é o que anda faltando”, explicou.

Luta pelo fim do preconceito

A advogada Yonete Chagas e a esposa Aryadne levantam a bandeira para lutar pela causa. Com uma sociedade ainda cheia de preconceitos, o casal tem o apoio de familiares e amigos para combater o repúdio contra casamentos homoafetivos.

Em 2012, ela publicou em um respeitável site jurídico, em parceria com sua sócia, atualmente cônjuge, o artigo “A viabilidade do casamento civil entre os pares homoafetivos “.

“Ainda bem que o Judiciário tem acompanhado melhor às mudanças na sociedade brasileira, pois aqui, cada vez mais, já não há espaço para esse tipo de preconceito contra essa demanda, a qual já se apresenta de forma representativa em números de casais”, disse a advogada.

Juntas civilmente desde dezembro de 2018, a advogada contou que tiveram receio de ter a união anulada após a entrada de Jair Bolsonaro na presidência do Brasil. Com fortes críticas a pessoas LGBTQI+, as declarações do presidente ocasionaram sentimento de medo na comunidade gay brasileira.

“Tivemos receio que a política do presidente Bolsonaro conseguisse reverter o quadro no Judiciário, pois, no Legislativo, sabíamos que não existia a intenção de criação de lei a favor dessa demanda”, explicou.

Foto: Reprodução

O casamento das duas ocorreu em um restaurante em Manaus, onde celebraram a união perante uma juíza de paz. Segundo Yone, a família aceitou a união de primeiro momento e houve todo um apoio para o casamento. Já uma outra parte apenas convive com o casal, de acordo com a advogada.

O relacionamento já dura 15 anos. E, mesmo com o passar do tempo, ainda existem situações a serem combatidas. Mas, nem mesmo o preconceito é capaz de diminuir o amor do casal, que enfrentam os obstáculos da sociedade juntas.

Conhecimento é a saída

O ativista João Costa contou que, para combater o preconceito, é necessário buscar conhecimentos para deixar o pensamento enraizado de que pessoas do mesmo sexo não podem casar ou que não são bem vistas na sociedade. Ele afirma que a importância do reconhecimento dessa união é um motivo de celebração.

“O casamento é a forma de reafirmar e celebrar o amor entre duas pessoas, e é tão injusto que para alguém, por qualquer motivo, seja proibida a celebração do amor. Mas, para além disso, o casamento ou a União Estável são a garantia de direitos para esse casal, que passará a formar uma família”, disse.

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Ele ressaltou que é difícil saber o motivo que as pessoas usam para justificar tal preconceito. Com acesso à internet e pautas sociais sendo tratadas a todo momento em diversas plataformas de comunicação, ainda assim, nos dias atuais, as pessoas ainda acham normal agir com discriminação.

“A mais comum das ‘desculpas’ para o preconceito é a religião, o cristianismo, mas Cristo prega o amor, não é?”, questionou.

Para ele, para que a sociedade avance nessa questão, é preciso lidar com normalidade, pois é algo normal.

“Não se pode mais censurar o amor, para que cada dia mais vejamos menos a homofobia, que é tão enraizada na nossa sociedade”, destacou.

“A luta ainda não acabou. O casamento LGBTQI+ ainda não é uma lei, ou seja, o cartório pode negar um casamento homoafetivo. Com isso, o casal tem que recorrer e passar por esse constrangimento. Por essa razão, é importante todos lutarem para que essa lei seja aprovada”, finalizou.