Manaus, 8 de maio de 2024
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André Valadão e o crime de genocídio

Em nome da liberdade de expressão, líderes religiosos influentes incentivam ataques à existência de grupos homoafetivos.

André Valadão e o crime de genocídio

(Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Por Fabrício Paixão*

Nos dias atuais volta-se o questionamento: será  que  o direito  de liberdade de crença pode se sobrepor ao direito de existência de grupos humanos? Em nome da liberdade de expressão, da liberdade religiosa e de crença líderes religiosos influentes incentivam ataques à existência de grupos homoafetivos. Numa verdadeira convocação de guerra santa.

A fala do Pr. André Valadão configura-se crime de genocídio. Eis os argumentos posteriores.

Antes, é fundamental esclarecer que ao atacar a orientação sexual de uma pessoa, estamos atacando a sua própria existência. A condição homoafetiva é imutável.

Para fins argumentativos cita-se que um judeu não pode deixar de ser judeu; é uma característica que acompanha uma pessoa por toda a vida. Portanto, quando expressamos a não aceitação de judeus, estamos atacando a existência de todo um grupo.

É preciso assegurar a autenticidade e autorrealização dos grupos homoafetivos. Pois ser autêntico significa ser fiel a si mesmo, abraçando e vivendo de acordo com a própria verdade interior. Para uma pessoa homoafetiva, ser autêntico implica aceitar e expressar sua orientação sexual de forma aberta e honesta. Negar ou reprimir essa orientação seria uma negação de sua própria essência, limitando sua autorrealização e sua capacidade de viver de acordo com suas inclinações internas.

A negação ou rejeição da orientação sexual de uma pessoa homoafetiva implica em questionar sua integridade pessoal e sua  coerência  interna.  A identidade de uma pessoa abarca uma variedade de aspectos, incluindo sua orientação sexual. Portanto, atacar ou negar a condição homoafetiva de alguém é atacar a sua própria existência,  sua  integridade  e  sua  coerência  como  ser humano.

A humanidade tem testemunhado os resultados trágicos  do  ódio, intolerância e discriminação ao longo da história.  A  perseguição  aos  judeus durante o Holocausto e a opressão enfrentada por indivíduos homoafetivos ao longo dos tempos são exemplos dolorosos das consequências devastadoras da negação da existência de grupos. Aprendendo com esses eventos, é nosso dever trabalhar em prol da compreensão, aceitação e igualdade de todos os  seres humanos.

A intolerância manchou o legado de Lutero, disse ele sobre os judeus: “Queime suas sinagogas. Negue a eles o que disse anteriormente. Force-os a trabalhar e trate-os com toda sorte de severidade … são inúteis, devemos tratá- los como cachorros loucos, para não sermos parceiros em suas blasfêmias e vícios, e para que não recebamos a ira de Deus sobre nós. Eu estou fazendo a minha parte. […] resumindo, caros príncipes e nobres que têm judeus em seus domínios, se este meu conselho não vos serve, encontrai solução melhor, para que vós e nós possamos nos ver livres dessa insuportável carga infernal – os judeus […] Em suma, são filhos do demônio, condenados às chamas do Inferno. Os judeus são pequenos demônios destinados ao inferno”.

Provavelmente, estas frases basearam, teologicamente, o extermínio dos judeus, séculos depois, na Alemanha. Cuidado com a teologia da intolerância. Cuidado com a teologia da purificação.

Dito isso, a fala do Pastor configura-se crime de genocídio, vejamos:

Cita-se a lei de nº 2.889/1956, no artigo 1º: “Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:

  1. b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo”.

Ataques à condição homoafetiva têm consequências profundas para as pessoas pertencentes a esses grupos. A discriminação e o preconceito geram estigmatização, marginalização e sofrimento psicológico, levando a um aumento do risco de problemas de saúde mental, isolamento social e até mesmo suicídio.

Enquadra-se a conduta do pastor na intenção de destruir o grupo homoafetivo, causando lesão mental aos membros do grupo. Ora, esses discursos de não aceitação da condição existencial do homoafetivo encarcera o grupo e seus membros num prejuízo psicológico imensurável.

Segundo a ANTRA, estima-se que 42% da população Trans já tentou suicídio. Recentemente, um relatório chamado “Transexualidades e Saúde Pública no Brasil”, do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT e do Departamento de Antropologia e Arqueologia, revelou que 85,7% dos homens trans já pensaram em suicídio ou tentaram cometer o ato. Um grupo altamente estigmatizado que tem uma prevalência de 42 a 46% de tentativas de suicídio, comparado a 4,6% da população em geral.

Aos irmãos, eles não se suicidam porque possuem demônios, mas por serem vistos como demônios. Ou seja, são suicidados pelo social.

Salienta-se que a liberdade religiosa não pode se sobrepor ao direito de existência do outro. Sendo a existência o objeto mais valioso tutelado pelo estado, ora, quem vai crer sem existir? Primeiro, é preciso manter a existência  das pessoas. E não permitir o homoafetivo  ser quem de fato é implica numa afetação em relação a sua existência.

Discursos de não aceitação, com declarações de guerra santa, visando erradicar o grupo,  ainda  que não  transforme  em condutas  de  matanças,  porém, no mínimo causa lesão mental grave a algum membro do grupo homoafetivo. Principalmente, considerando o grande alcance dessas mensagens demonizadoras de outrem feita pelo Pr. André Valadão. Logo,  é preciso repensar que tal  atitude não se configura apenas racismo, mas crime de genocídio.

(*) Professor, advogado, filósofo, psicólogo e teólogo

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