Manaus, 2 de maio de 2024
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Manaus, 2 de maio de 2024

Homossexualidade não é pecado, segundo as escrituras sagradas

Para o articulista Fabrício Paixão, antigamente, "a homossexualidade não era proibida pelo ato em si, mas porque, naquela ocasião, feria a consciência dos irmãos judeus". Mas, segundo Paixão, agora "os tempos são outros".

Homossexualidade não é pecado, segundo as escrituras sagradas

Por Fabrício Paixão*

Antes é preciso definir o que é pecado. O pecado é o dano produzido ou perigo de dano, por um ato voluntário, causando prejuízo a si mesmo ou ao próximo. Os danos estão nas esferas emocionais, físicas e espirituais. Sem danos a esses dois objetos (sujeito e o próximo) não há pecado. A homossexualidade não possui danos nem ao sujeito e nem ao próximo, logo, não é pecado. Seguem os argumentos.

Pois bem, os danos e seus efeitos, nestas relações, podem ser retirados dependendo do contexto histórico. O que faz com o que o comportamento deixe de ser pecado.

Assim sendo, o pecado não é o ato em si, mas o dano que o ato voluntário causa a si- mesmo ou ao próximo. Diz Paulo: “Ora, pecando assim contra os irmãos, e ferindo a sua fraca consciência, pecais contra Cristo. Por isso, se a comida escandalizar a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize”. 1 Coríntios 8.12,13. Perceba que o pecado não é o ato de comer carne, mas o dano consequente à consciência do irmão. Tanto é que hoje come-se carne sem nenhuma culpa. O ato de comer carne se desvinculando do efeito danoso não é pecado. Do contrário, sim.

A partir disso se infere que o ato que causa danos pode deixar de ser considerado pecado, se o dano ou perigo de dano for extinto. Portanto, é relativa a definição de pecado levando em consideração a conduta. Uma vez que se a conduta se desvincular dos efeitos danosos torna-se neutra. O dano ou perigo de dano a si mesmo ou ao próximo de maneira absoluta será considerado pecado, pois fere os mandamentos principais (amarás a Deus e ao próximo como a si mesmo). Ou seja, sempre será pecado, independente do contexto, o ato que produz efeitos danosos.

Claro que, por vezes, existirá um conflito entre duas ações danosas, mentir para proteger o filho ameaçado, por exemplo, ou entregá-lo falando a verdade, neste caso, se pondera quais efeitos danosos seriam menores. Perceba que na Bíblia alguns atos que eram considerados pecados deixaram de ser definidos como tal. Pois cessaram os danos. Ou então, o que antes era conduta aceitável, tornou- se proibida.

Em Levítico 20.19 diz: “Não se envolva sexualmente com a irmã de sua mãe nem com a irmã de seu pai; pois quem se envolver sexualmente com uma parenta próxima sofrerá as consequências da sua iniquidade”. Esse texto foi escrito, provavelmente, depois de Abraão. Sendo que o patriarca era casado com sua meia-irmã (Sara). Uma conduta aceitável que se tornou proibida. Por que razão? Será que Deus acordou com mau humor e resolveu proibir? É óbvio que o ato de se casar com parente proporcionou danos sociais e até mesmo biológicos. Percebendo-se o efeito danoso proibiu-se a prática.

A poligamia na época de Abraão não era proibida; veja a evolução do pecado, em Moisés foi desestimulada, em razão dos danos causados às mulheres repudiadas, em Paulo veio o texto proibitivo: “marido de uma só mulher”. O próprio Paulo cita um contexto difícil até para casar com uma. Abraão pecou? Não! Ora, pecado, enquanto perspectiva do ato, não é uma definição eterna. Geralmente prestam atenção na conduta e esquecem o dano ou o perigo do dano. Mas uma vez afirmo: não é o ato em si, mas os danos causados a si mesmo ou ao outro que define o que é pecado. O texto proibitivo aqui teve uma evolução no decorrer do tempo.

Saliento ainda que em regiões do Oriente Médio – hoje não se desestimula mais o Cristão recém-convertido ao desprezo em relação às mulheres e concubinas. Por exemplo, o que vai acontecer com as 7 mulheres que ele casou? Vai desprezá-las? Agir assim em nome de um texto proibitivo não causaria danos às mulheres repudiadas, sendo nesse caso a quebra do princípio do amor? Cumpre-se o texto e quebra o princípio principal da Bíblia. Porém, atualmente, para evitar danos não se tem uma imposição da monogamia neste cenário cultural. Claro que, no nosso contexto cultural ocidental a poligamia produz desagradáveis consequências, portanto, pecado! Isso ocorre com várias condutas.

“Por isso julgo que não se deve perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus. Mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, da fornicação, do que é sufocado e do sangue”. Atos 15.19,20. Perceba que o ato de comer carne sufocada, apesar de ter um texto proibitivo aos gentios, tornou-se sem eficácia em nosso contexto cultural, pois se percebeu o mínimo de danos. O próprio Paulo disse que “o não toque” e o “não faça” é uma improdutiva defesa contra as questões sexuais e gera falsa aparência. Alguém se considera pecador por comer frango ao molho pardo? Tem disciplina para essa pessoa na igreja?

O Novo Testamento tem um contexto histórico. Algumas coisas eram proibidas levando em consideração o momento (século I). Pois causava danos à comunidade (sendo motivo de escândalo aos de fora). Como, por exemplo, a mulher falar em público causava escândalo na sociedade do século I. Por isso, da proibição, porém, esta se baseava na evitação de danos ao grupo recém-formado. Hoje, o motivo de danos à comunidade seria não deixar a mulher falar.

Isso seria pecado por escandalizar os de fora. Então, condutas estereotipadas antes eram desestimuladas na tentativa de evitar prejuízos ao evangelho. Mas o próprio evangelho serviu de base para retirar dessas ações o olhar social prejudicial. Como, por exemplo, na emancipação das mulheres.

Continuando na tentativa de provar que o pecado não é o ato em si, mas o dano ou perigo de dano produzido por uma conduta: Tiago 4.17 diz: “Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado”. Ora, aqui está claro em que uma conduta omissiva é considerada pecado pelo dano causado ao necessitado, o apóstolo não focou no ato em si, uma vez que a descrição não fala de “um fazer” pecaminoso, mas de um “não fazer” pecaminoso. A preocupação dele seria o dano, por um “não ato”, causado ao que precisa de ajuda. O simples fato de cruzar os braços foi considerado pecado, ainda que não tenha um ato externado, existiu o dano, logo, essa pessoa pecou.

Se a definição do pecado não é o ato em si, mas o efeito danoso ao Eu ou Outro. Na liberdade em Cristo podemos revisionar cada texto proibitivo e considerar sua época. Parece fácil, mas não é. Pois uma conduta antes estimulada, agora, pode se tornar pecado, como discriminar mulheres. E isso implica também que vamos conduzir nossas condutas não pelo texto proibitivo que tem várias vaguezas (vide a astúcia dos fariseus), mas pelo princípio do amarás o próximo e a si mesmo.

Superado isso. Em Cristo, temos a liberdade. Os mandamentos se deslocam do campo do proibido (não matarás) ao âmbito do afetivo (amarás). Não existe o proibido (não faça, não toque), mas o estímulo para uma boa consciência afetiva em relação a si e ao próximo. As minhas ações não são guiadas pelo proibido, mas pelo afetivo. Agora, diante de toda escolha, caminho e conduta, pergunto: “isso causa danos ao próximo?” Não. Então, vou para próxima pergunta: “isso me causa danos?” Não. Sendo assim, posso prosseguir com boa consciência na ação. Agir sem pecado. Ora, se a tua ação não causa danos nem ao próximo nem a si mesmo, em Cristo, você não pecou.

A homossexualidade causa danos ao próximo? Causa danos a si mesmo? Infere-se que a resposta é não. Então, não é pecado. Simples assim.

E se você diz, mas é proibido. Isso indica que você anda escravo da lei, condutas pautadas pelo proibido, sem afetividade e boa consciência diante das tuas escolhas e ações. Para liberdade Cristo te chama. Pecado agora não é descumprir o “não fazer”, porém, tornou-se uma conduta que não considera o bem do próximo e de si mesmo. O que é mais difícil evitar.

Por isso, viver negando o pecado foi chamado de caminho estreito, pois é mais fácil ser guiado pelo não fazer (não toque!), do que pelo amor (não vou fazer isso, pois vai prejudicar essa pessoa ou então, preciso fazer isso para ajudar essa pessoa). Amar é difícil. Viver sem praticar bons afetos é pecado! A falácia comum que se ouve: “se disser que a homossexualidade não é pecado, daqui a pouco, vão falar o mesmo da pedofilia, do roubo, do homicídio”. Ora, esses pecados causam danos ao mundo físico e psicológico de uma pessoa, portanto, pecado. A homossexualidade não.

Quando se trata de pecado, se tem o esforço do pregador em expor os seus efeitos danosos para convencer os fiéis da evitação de tal ato, pois do contrário ficará sem eficácia na prática. A dificuldade que estão tendo agora é de provar o efeito danoso da prática homossexual para essa nova geração, que indaga: por que é pecado (que prejuízo isso causa)?

As respostas de alguns pregadores são essas:

  1. (1) “O ato homossexual causa AIDS”, ora, até uma criança do ensino fundamental desconsidera esse argumento com livros iniciais de ciência.
  2. (2) “O homem deve multiplicar a terra, a relação sexual entre parceiros do mesmo gênero não procria”. Ora, o mundo tem 7 bilhões de pessoas, você acha que o mandamento de Deus para Adão ainda é para os dias atuais? Hoje a ordem não seria: multiplique! Mas, sustente dignamente os filhos que fizeram. E como contra-argumento pode também considerar o avanço da ciência com novas possibilidades de procriar sem o ato sexual.
  3. (3) “São pessoas promíscuas”, ora, milhões de homossexuais vivem com um comportamento ponderado, equilibrado, honesto e ético, diferente de muitos da família tradicional brasileira.
  4. (4) “Um pecado que atinge exclusivamente a Deus”, ora, Jesus falou que no céu todos serão assexuados, então, essa discussão de sexo se restringe apenas ao contexto terreno. Uma discussão relativa ao tempo. Não sendo uma questão eterna, e somente o que é eterno pode-se dizer que é uma imposição exclusiva de Deus, sem levar em consideração o contexto humano. O amor seria uma imposição de dever eterno de Deus ao homem. A regra eterna que não depende da vontade humana. Pois o amor permanecerá até na eternidade. Diferente do sexo, que teremos somente aqui.
  5. (5) “Eles têm demônios”, então, alguns demônios que habitam nessas pessoas produzem o bem na terra mais do que os “anjos” e “arcanjos” que habitam em muitos crentes. Jesus já disse que o diabo não produz o bem.
  6. (6) “São ameaças à família tradicional que protege as crianças e as mulheres”. Ora, a família tradicional no Brasil é responsável por 70% dos abusos infantis. A violência contra a mulher é uma cultura estúpida e horrenda em nosso país.
  7. (7) “Se liberar o casamento gay, tudo será liberado, nem roubar e matar serão considerados pecados mais”. Não tem razão de comparar duas pessoas se amando com um assaltante ou homicida, isso é desonestidade intelectual ou burrice. Não merece nem apreciação tal argumento de tão tosco.

Logo, ficará difícil o pregador provar o efeito danoso ou o perigo de dano em relação ao ato homoafetivo. Sendo que o ato imoral sem danos concretos perde a eficácia. Diferente de você dizer: “olha, não beba, pois vai estragar seu fígado”.

O ato homossexual não se vislumbra um dano. Portanto, deixa de ser pecado. Pois não feriu o mandamento fundamental de amor ao próximo e a si-mesmo. Apesar do esforço de alguns que dizem: “casais homoafetivos não são bons pais” (pelo contrário, bons exemplos são vistos). Ora, como se os héteros fossem um exemplo de pessoas que nunca pisaram numa defensoria pública, visto que sempre sustentam os filhos. E nunca os abandona com uma mãe desempregada.

Antes de qualquer conduta pergunte: “essa minha ação vai prejudicar o próximo e a mim mesmo?” Assim caminha os libertos em Cristo. Se a conduta não causa danos à pessoa e ao próximo, podes praticar sem medo. Alguém pergunta: “mas e se a conduta causar danos a Deus?”

Deus é inafetável. Nunca ninguém causa danos diretamente a Deus. Pois não seria Deus se assim fosse. Se quiseres atingir Deus, só poderá fazer indiretamente. Ou seja, ofendendo a criação dele.

Permita utilizar uma linguagem jurídica: o objeto tutelado é a criação. O tutor é Deus. A vítima imediata e direta é a pessoa ou criatura lesionada. A vítima mediata ou indireta é Deus. O autor sempre será uma pessoa. Perceba que assim como o crime requer lesão ou perigo de lesão ao bem tutelado, assim o pecado requer lesão ao bem que Deus tutela – a criação (pessoa).

Ora, Deus não pode ser a vítima imediata, pois isso fere os atributos de Todo-Poderoso e de imutabilidade, uma vez que é inafetável. Quem pode lesionar Deus? A gente lesiona quem Deus ama, assim o atinge (indiretamente).

Pois bem, faço esse exercício para dizer que o pecado sempre vai requerer dano ou perigo de dano a alguém. Não tendo dano, não existe pecado. Se com suas ações não ofende ao bem tutelado por Deus, que pecado há? O homoafetivo não ofende ninguém, nem ele mesmo e nem a criação. Alguém poderá argumentar sobre a procriação impedida pelo ato homossexual, ora, num mundo de 7 bilhões de pessoas, ainda precisamos de mais gente? E existem outras formas artificiais de garantir a procriação. Então, não há danos. Se não existe lesão ou perigo de dano, não há pecado.

O ato homoafetivo ofende a Deus? Óbvio que não. Deus é inafetável. Como já coloquei antes. Ofende pessoas? Talvez sim, os homofóbicos e preconceituosos, porém, esses devem ser ensinados como Deus ensinou ao apóstolo Pedro, “não considere impuro o que Deus purificou”.
Seria essa leitura antropocêntrica?

Respondo que não. Se Deus é amor. E o amor é o fundamento das minhas escolhas e condutas, sendo um princípio eterno que Ele nos ordenou. Onde se tem na tese o homem como criador do princípio balizador do certo e errado? Caminhar pelo texto proibitivo sim, torna-se uma teologia antropocêntrica, pois o homem esquece o princípio do amor (Pois toda a Lei se resume num só mandamento, a saber: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” – Gálatas 5.14) e se apega ao psicologismo da interpretação, considerando seus interesses em detrimento do princípio eterno de Deus (vide os fariseus).

E se a ação do homem e suas consequências são levadas em consideração na definição de pecado é em razão do pecado ser um âmbito que trata unicamente do homem. Animal peca? Pedra e árvore pecam? Claro que na definição de pecado o homem e sua conduta terão um certo destaque no debate. O pecado atinge o homem.

Se alguém diz: “o pecado atinge tão somente Deus”, ora, então isso implica que Deus é mutável – afetado por nossas ações. Quando ele É o que É – Absolutamente Outro. Deus sente- se atingindo por nossos pecados não pelo dano que causamos diretamente a Ele, mas quando atingimos sua criação. O pecado é aquilo que primeiramente atinge sua criação. Até o pecado contra à honra e imagem de Deus é definido assim levando em consideração o prejuízo que se tem em colocar a criatura no lugar de Deus.

O prejuízo para Deus? Não! Ele continua sendo Deus. Prejuízo para quem exalta o outro como deus. Perceba que se tratando de pecado o homem, a criação e seus prejuízos serão sempre levados em consideração. Nunca se terá: “o pecado é aquilo que atinge Deus somente e diretamente”. O pecado é como um murro que uma criança recebe, não atingindo o pai diretamente, mas sim de forma imediata. Então, como estou sendo antropocêntrico? Só se debatermos o pecado dos animais e pedras, assim talvez o homem não esteja no debate. Sendo que o pecado sempre vai ter como autor o homem.

Os anjos, se pecaram, já foram condenados. Não discutimos os pecados deles. Então, de alguma forma o debate gira em torno do homem. Reitero, se minhas decisões são baseadas no princípio eterno do amor, não há razão de acreditar que faço o que quero. Pelo contrário, faço aquilo que o amor requer. O que é mais difícil. Amar é mais difícil sempre.

Concluo dizendo que o reino de Deus é progressivo. Paulo também pensa a partir do século I, não teria uma plena consciência do que Cristo queria, como: emancipação feminina, liberdade civil, dentre outros direitos, que depois vieram a partir de mentes ocidentais que de alguma forma beberam na fonte do evangelho de Cristo, antes impensáveis. O reino de Deus continua em expansão. Não ficou preso ao século I. Logo, implantará mudanças que antes não se via.

A homossexualidade não era proibida pelo ato em si, mas porque naquela ocasião feria a consciência dos irmãos judeus. Os tempos são outros. Uma mente sã não enxerga essas pessoas com olhar de repulsa. A sociedade percebe o valor dessas pessoas. Hoje marginalizá-las seria o mesmo que causar danos à boa consciência.

Faço essa defesa esperando acusações, críticas e ameaças, como recebo comumente no privado – mas convicto de que o tempo sempre favorece quem defende a vida e o amor. Portanto, estou do lado certo, do lado de Jesus, que ama, pois é amor, e abomina preconceitos e discriminações.

(*) Professor, advogado, filósofo, psicólogo e teólogo

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