Manaus, 2 de maio de 2024
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O exame da OAB atrapalha alunos finalistas

Certamente, se incentivarmos apenas o "como fazer", faltará preparação para compreender o "porquê fazemos".

O exame da OAB atrapalha alunos finalistas

Exame da OAB (Foto: Reprodução/Freepik)

O exame da OAB, podendo ser realizado por alunos do 9º período de Direito, torna-se um obstáculo à formação da maioria desses alunos, tanto no sentido cognitivo quanto no emocional. No sentido cognitivo, há um prejuízo devido ao fato de que, no último ano do curso, os estudantes são incentivados sistemicamente a focarem no Exame da Ordem.

Refiro-me ao prejuízo cognitivo, pois o aluno deixa de se aprofundar em sua própria formação. O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) torna-se uma mera formalidade de conclusão, não sendo um despertar apaixonante para a pesquisa. As disciplinas são reduzidas ao instrumentalismo, não permitindo a abertura para um direito mais complexo e crítico, que seria mais adequado à sociedade.

O último degrau da escada é pulado, não havendo presentificação na etapa final do estudo; alguns alunos são presentes ausentes nas salas de aula. O cognitivo, sem atenção à formação em bacharel, se instala. O alvo é a advocacia, o concurso, os macetes dos professores de cursinho. Nessa altura do campeonato, uma leitura aprofundada é um tempo desperdiçado quando deveria estar decorando estruturas de peças para a segunda fase ou a lei seca para a primeira.

Horas de vídeo recebendo a explicação de como é aplicada ou interpretada tal norma, sem compreender o que é interpretação. Sem entender os instrumentos da hermenêutica, isso não importa nessa fase. O que importa é decorar o método arcaico dedutivo para responder se Tício será condenado por homicídio qualificado ou simples. Aprender dezenas de musiquinhas sobre macetes feitas por compositores de cursinho que colocam a caneta azul de Manoel Gomes no bolso.

Conhecem os índices de um Vade-Mecum, especialmente se este estiver amarelado devido a tantos marcadores de texto e com fitas que iluminam qualquer ambiente escuro. Aliás, alguns estudantes podem até realizar a prova da OAB no escuro, tamanha é a luminosidade dos livros de apoio. No entanto, ao questionar um estudante de direito se leu o suficiente para construir uma base teórica para o TCC, a resposta será angustiante para o professor.

Certamente, se incentivarmos apenas o “como fazer”, faltará preparação para compreender o “porquê fazemos”. Não há senso crítico, nem apropriação dos grandes teóricos do direito. Como resultado, vemos nas páginas de qualquer decisão dos tribunais superiores advogados expressando opiniões baseadas meramente na ignorância do que de fato é o direito. Temos advogados acreditando em uma ruptura institucional, entusiastas da ideia de um general com armas dirigindo o país, críticos da humanização de uma juíza no tratamento a um sujeito de direitos.

Esse incentivo não é exclusivo de uma única instituição, mas sim disseminado por toda parte. Seja no almoço em família, nos inúmeros posts espalhados pelas mídias sociais sobre propagandas relacionadas ao maior índice de aprovação ou aos sete passos para passar no Exame, nos editais publicados ou nas instituições de ensino que parabenizam aqueles que passaram antes da formação, semeando um senso de pressão naqueles que foram reprovados, entre outros.

Não há um único produtor disso; na verdade, todos são participantes, inclusive os professores. Portanto, trata-se de algo sistêmico. Um olhar mais aprofundado revela uma conexão com a sociedade de desempenho diagnosticada por Byung-Chul Han, onde o direito é pautado na concorrência, resultados e sucesso.

Do ponto de vista psicológico, os alunos são cercados por fatores ansiogênicos, concentrando-se na aprovação que abrirá portas no ano seguinte. Entendo que muitos precisam equilibrar-se financeiramente; no entanto, isso não é motivo suficiente para queimar etapas. Não é o bastante para abandonar o mergulho em uma formação completa.

Esses alunos constroem um padrão ideal de serem aprovados antes da formação, o que, por vezes, não ocorre, gerando uma frustração terrível. Cursam os últimos anos arrastados pelo senso de dever e, prematuramente, pelo senso de derrota.

Sim! O exame da OAB causa uma lesão psicológica muito cedo naqueles que deveriam sentir o gosto do aperfeiçoamento intelectual, mas estão emaranhados nos pensamentos de frustração por não atingir a meta da maioria dos estudantes de direito: passar na OAB antes da formação.

O aluno que se dedicou às disciplinas, à pesquisa científica no final do curso e às práticas, talvez, pense que está ficando para trás, pois colegas já passaram pelo tão temido exame.

Aqueles que passaram já se concentram nos desafios exigentes da advocacia. Eles julgam que valeu a pena o sacrifício, mesmo que a pesquisa final tenha sido um mero amontoado de palavras desconexas.

A pesquisa é fundamental para a formação. Refiro-me à pesquisa de campo, não apenas bibliográfica. Conhecer a realidade social, presenciar o fenômeno a partir de um vasto conhecimento teórico alinhado com a experiência empírica.

Infelizmente, se o direito é ciência, não se consolida como tal, pois se atrasa em relação às outras disciplinas, ganhando apenas em avanço em relação à teologia. Aliás, ambas são presas ao dogmatismo e prepotentes por se acharem as donas do dever-ser. Acredito que deva existir uma autorreflexão em todos os agentes de formação, no Poder Judiciário e na própria OAB, sobre o que estamos fazendo com nossos alunos.

Será que, de fato, estamos valorizando a formação deles? Será que o mais importante do que formar bons alunos é ter muitos advogados carentes de uma formação minimamente alinhada às diretrizes do MEC e aos projetos pedagógicos dos cursos?

É preciso ter coragem para se posicionar e dizer que o Exame da OAB, antes da formação, prejudica o aluno. Antes disso, a OAB precisa ter coragem, como contribuinte no ensino de direito no país, para realizar um levantamento nas universidades sobre os prejuízos cognitivos (falta de atenção, desinteresse, ausência de foco nos conteúdos programáticos da universidade) e psicológicos (ansiedade, estresse, frustração, medo) que envolvem alunos em formação que, no edital, são considerados aptos a realizar a prova.

Assim, não haverá decisão judicial que terá força contra uma classe que lutará por um ensino de direito sem crise no país, um ensino de direito que se preocupa mais com o meio do que com o resultado.

(*) Fabrício Paixão, professor, advogado, filósofo e psicólogo

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