Manaus, 3 de maio de 2024
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Manaus, 3 de maio de 2024

Cenário

Em ano eleitoral, emenda PIX é um ‘prato cheio’ para impulsionar reeleição de prefeitos

De 2020 até junho de 2023, as prefeituras do AM receberam quase R$ 100 milhões por meio de PIX, segundo um levantamento realizado pela organização ‘Transparência Brasil’.

Em ano eleitoral, emenda PIX é um ‘prato cheio’ para impulsionar reeleição de prefeitos

(Foto: Reprodução: câmara dos deputados/Assessoria/DIvulgação)

Manaus (AM) – O ano de eleição municipal chegou e muitas estratégias farão parte da tentativa dos atuais prefeitos em garantir mais quatro anos no poder. Nesse cenário, existe o que podemos chamar de ‘aliados’ dessa busca pela reeleição e um desses aliados dos gestores municipais são as emendas parlamentares, mais especificamente as ‘emendas Pix’, uma modalidade de emendas individuais que permite o envio direto de recursos federais aos municípios.

Para o ano de 2024, o Orçamento prevê o montante de R$ 8,2 bilhões em emendas PIX, o valor será um recorde, desde 2020, quando a modalidade passou a vigorar no país.

Os prefeitos contam com essa ‘ajuda’ para turbinar obras e, consequentemente, a imagem de suas gestões em ano eleitoral, é o que avaliam especialistas consultados pelo Portal AM1.

De 2020 até meados de junho de 2023, as prefeituras do interior do Amazonas receberam quase R$ 100 milhões em emendas Pix, é o que mostram dados de um levantamento realizado pela organização ‘Transparência Brasil’.

Os recursos são enviados por meio de uma transferência especial e, em sua maioria, são destinados sem um projeto prévio e fiscalização. Os deputados federais e senadores que as enviam não são obrigados a indicar para onde irá o dinheiro, o que dificulta a fiscalização, controle e, sobretudo, a transparência dos gastos públicos.

No total, 39 cidades do interior do estado e mais a capital amazonense, receberam os recursos via emenda Pix no período de 2020 a 2023.

Menor fatia para a educação

O montante de R$ 8,2 bilhões é referente apenas as emendas dessa modalidade, mas o valor que todos os senadores e deputados federais podem indicar por meio das conhecidas ‘emendas individuais’, em 2024, é de R$ 25,1 bilhões.

A metade desse total é destinada para a saúde, ou seja, R$ 13 bilhões. No entanto, a verba separada para as ‘emendas Pix’ é maior do que a direcionada para a área da educação, por exemplo, que conta com apenas R$ 628 milhões.

Quem recebeu

No Amazonas, o município de Maués recebeu o maior valor no período, exatamente R$ 13,9 milhões. Manacapuru recebeu R$ 10,1 milhões; Autazes R$ 7,8 milhões; Anori R$ 5,6 milhões; Eirunepé também R$ 5,6 milhões; Santo Antônio do Içá R$ 4,6 milhões; Careiro Castanho R$ 4 milhões; Ipixuna recebeu R$ 3,9 milhões; Juruá R$ 3,7 milhões; Tefé R$ 3,1 milhões; Benjamim Constant R$ 2,6 milhões; Rio Preto da Eva recebeu a mesma quantidade; São Sebastião do Uatumã R$ 2,2 milhões; os municípios de Barcelos, Humaitá e Silves receberam R$ 2, milhões, cada um.

Alvarães, Carauari, Careiro da Várzea, Fonte Boa, Itacoatiara, Lábrea, Parintins e Uarini conseguiram receber montantes entre R$ 1,8 a R$ 1,1 milhão.  Os municípios de Borba, Codajás, Iranduba, Japurá, Jutaí, Manicoré, Maraã, Novo Airão, Presidente Figueiredo, Santa Isabel do Rio Negro, São Paulo de Olivença, Tapauá, Tabatinga e Urucurituba tiveram valores entre R$ 700 mil a R$ 120 mil, segundo os dados.

A cidade de Manaus, por sua vez, recebeu R$ 3,4 milhões em emendas Pix dos parlamentares federais do Amazonas.

Relatório de emendas:

Quem enviou recursos

O deputado federal Átila Lins (PSD), Capitão Alberto Neto (PL) e Silas Câmara (Republicanos) enviaram os recursos aos municípios, além do senador Omar Aziz (PSD). Estão na lista, também, os ex-deputados Bosco Saraiva, Delegado Pablo Oliva, Marcelo Ramos e José Ricardo.

Bosco, que é atual superintendente da Zona Franca de Manaus (Suframa) enviou no período R$ 22,9 milhões em emendas Pix ao interior. Depois dele aparece o ex-deputado Delegado Pablo com R$ 15,9 milhões em envio; em seguida Silas com R$ 10,5 milhões; depois Marcelo com R$ 10,2 milhões e José Ricardo com o envio de R$ 5 milhões.

Aziz destinou R$ 12,5 milhões em emendas Pix; Alberto Neto enviou R$ 11,8 milhões e Átila R$ 4,2 milhões.

Risco à transparência

Para Inácio Guedes, advogado, membro do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção e membro da Diretoria do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), essa modalidade de repasse de recursos “é um enorme risco”, pelo fato de não ser possível uma efetiva fiscalização e controle de sua utilização, o que gera falta de transparência no uso de recursos públicos, que, na verdade, são pagos do bolso do contribuinte destinados à União.

O advogado destaca que embora, o parlamentar faça o requerimento desse recurso, apresentando um motivo, indicando onde será aplicado, qual o programa que utilizará aquela verba, na maioria das vezes, o recurso não é utilizado no objeto pretendido.

“Mas podem perguntar: ‘mas como é que você pode afirmar isso? ’ Pelo simples motivo de que não há como comprovar que foi utilizado para aquele fim proposto. Nós temos esse ano, uma gama de recursos distribuídos pelo Governo Federal aos parlamentares, e aí, quando você vai olhar o que mudou naquele município tal, em um certo estado e busca perceber para onde foi destinado aquele recurso, você não vê transformação, você não vê mudança, você não vê obra, você não vê praticamente nada. E você vai me perguntar: como é que pode? Pode, se legisla, se regulamenta e se transfere de legalidade algo que é profundamente danoso à sociedade”, pontuou.

Inácio afirma que se fosse possível, investigar, avaliar, monitorar, conferir a efetiva utilização dos recursos, seria possível descobrir que eles não foram plenamente aplicados.

“No máximo, por exemplo, de um milhão se perde pelo caminho no mínimo trinta por cento e o que é trinta por cento de um milhão? É trezentos mil que vai para um rumo ignorado. E estou sendo generoso, dizendo que esse recurso foi aplicado, porque há os que se contrapõe a essa afirmação, mas não existe uma prestação de contas se o valor foi efetivamente aplicado para melhorias das cidades do interior. Esse é o perigo das emendas pix, não tem como rastrear a utilização desse recurso” frisou.

Guedes lembrou do episódio envolvendo o polêmico ‘Orçamento Secreto’, que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional.

“O Orçamento Secreto era nada mais, nada menos do que uma forma de destinação de recurso público para os parlamentares, para a bancada parlamentar onde não se tinha controle. A sociedade fez um barulho enorme e isso fez que com que ele deixasse de existir. No entanto, se orquestrou um novo mecanismo de transferência de recurso público que a sociedade não consegue rastrear para onde e em quê será utilizado. O Governo Federal distribuiu mais dinheiro, mais recurso público para esse tipo de repasse, que são as emendas px, do que para a educação. Não é possível compreender, acompanhar, e monitorar”, disse o advogado.

Rigorosa fiscalização

A reportagem do AM1 também ouviu o cientista político e professor Breno Rodrigo Leite sobre o assunto.

Na visão do especialista, as emendas Pix se feitas dentro da legalidade não são um problema, mas segundo ele é preciso uma rigorosa fiscalização e controle dos órgãos responsáveis, como os Tribunais de Contas dos estados e da União.

“É através dos mecanismos de transparência que tanto os órgãos de controle como os cidadãos podem fiscalizar a melhor alocação dos recursos públicos. As emendas, na prática, autorizam os parlamentares propor alterações no orçamento público, a fim de direcionar os recursos para os seus correligionários (prefeitos) e para os seus redutos eleitorais”, explicou o professor.

TCE deve endurecer fiscalização

No dia 17 de janeiro as regras de fiscalização e transparências das emendas Pix foram alteradas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), após decisão no pleno do órgão. As mudanças estão registradas na Instrução Normativa (IN) nº 93.

A partir da alteração, o repasse deverá de forma obrigatória ter um relatório de gestão eletrônico que será preenchido na plataforma oficial pelas prefeituras e governos estaduais que serão beneficiados.

Esta possibilidade de incluir as informações já existia, mas não tinha caráter obrigatório. Os dados deverão ser incluídos na plataforma até 30 de junho do ano subsequente ao recebimento da emenda.

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