Manaus, 3 de maio de 2024
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Manaus, 3 de maio de 2024

Cidades

Empresas ‘faz-tudo’ dominam licitações no interior do Amazonas

Especialistas ouvidos pelo Portal AM1 alertam que a sociedade civil organizada deve colocar lupa sobre essas licitações e denunciar irregularidades aos órgãos de controle suspeitas de irregularidades

Empresas ‘faz-tudo’ dominam licitações no interior do Amazonas

Foto: Reprodução

O processo de licitação é a forma pela qual o setor público realiza compras e deixa os serviços disponíveis para a população. Realizado todo o procedimento – que vai desde o ‘aviso de licitação’ até a publicação oficial da compra –, tem-se a empresa ou as empresas vencedoras, que serão responsáveis por fazer o fornecimento dos produtos ou execução dos serviços contratados.

Muitas dessas empresas, no entanto, são contratadas pelas prefeituras do interior do Amazonas, mesmo não sendo especializadas para o serviço pelas quais serão pagas.

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Essas empresas são popularmente conhecidas como as “faz-tudo”, porque além da atividade principal desenvolvida, elas realizam outras, que, muitas vezes, nada têm a ver com a dominante.

Levantamento

Com base nas matérias do Portal AM1, desenvolvidas a partir de dados obtidos junto ao Diário Oficial dos Municípios (DOM), entre janeiro e julho deste ano, vários gestores municipais firmaram contratos com empresas do tipo “faz-tudo”.

Itacoatiara

Em Itacoatiara, por exemplo, há mais de dois anos, o prefeito Antônio Peixoto promove sucessivos termos aditivos ao contrato sem licitação com a empresa Guild Construções Ltda, com CNPJ nº 21.308.816/0001-57, para serviços de limpeza pública na sede do município e nas vilas de Lindóia, Novo Remanso e Engenho.

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No total, mais de R$ 24,3 milhões já foram pagos a essa empresa que realiza, além de obras de alvenaria, mais de 70 outras atividades que vão desde a “coleta de resíduos perigosos”, “comércio varejista de material de construção”, “construção de edifícios” a “controle de pragas urbanas”.

Esse contrato, inclusive, foi alvo de denúncia do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), que verificou existência de possíveis irregularidades.

Anori

Já o prefeito de Anori, Jamilson Carvalho, contratou, em junho deste ano, a empresa AK Serviços de Manutenção em Informática para fornecer material de copa e cozinha pela bagatela de R$ 850 mil.

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Embora tenha sido contratada para outro tipo de serviço, a empresa “faz-tudo”, registrada com o nome fantasia de “Innovat Excelencia em Servicos”, possui como atividade principal o serviço de “Reparação e Manutenção de Computadores e de Equipamentos Periféricos”.

Essa empresa ainda tem outras 69 atividades secundárias: produção e promoção de eventos esportivos; serviços de engenharia e arquitetura; comércio de livros e armarinhos; serviço de preparação de terreno; coleta de resíduos que não oferecem perigo e obras de urbanização.

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Anamã

Outro prefeito que entrou para a lista dos gestores que contratam empresas “faz-tudo” foi o do município de Anamã. Também no mês passado, Chico do Belo contratou uma loja de material de construção para fornecer mais de R$ 341,5 mil em lanche, almoço e jantar para abastecer o seu próprio gabinete.

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A contratada ‘NEM COMERCIO DE MATERIAIS E SERVICOS DE MAO DE OBRAS LTDA’ tem, como atividade principal, o ‘comércio varejista de materiais de construção em geral’  e, também, produz de tudo um pouco, desde construção de edifícios, passando por perfurações e sondagens, comércio de armarinho, escritório e papelaria, transporte escolar e rodoviário e até design de interiores.

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A reportagem do Portal AM1 chegou a ir ao endereço que consta no CNPJ da empresa, que fica no bairro Parque 10, em Manaus. Porém, foi constatado que não há qualquer identificação na fachada da casa que mostra que ali funcione uma empresa que tenha condições técnicas e profissionais de exercer tantas atividades divergentes.

Barreirinha

Por fim, o contrato mais recente firmado com uma empresa classificado como “faz-tudo” foi da Prefeitura de Barreirinha, comandada por Glênio Seixas, com a KKV DE SÁ SOUZA & CIA LTDA – ME, para utensílios de copa e cozinha.

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Além dos produtos estarem com preços bem mais caros – como uma garrafa térmica por quase R$ 600 a unidade e um isqueiro por R$ 13,50 –, outro ponto que chama atenção é que a empresa realiza mais de 90 atividades econômicas, vendendo desde hortifrutigranjeiros, instrumentos e materiais para uso médico, perfuração de poços de água até construção de edifícios.

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Análise

Para o advogado e cientista político Carlos Santiago, essas licitações e contratações devem ser acompanhadas pelos órgãos de controle e também pela sociedade no geral.

“Depois do escândalo nacional envolvendo o governo do Amazonas na compra de respiradores hospitares numa loja de vinhos, as câmaras municipais do interior e o Ministério Público devem acompanhar as licitações ou as compras diretas realizadas pelos prefeitos”, afirmou ao Portal AM1.

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“Empresas com diversos ramos ou ‘faz-tudo’ parecem que são montadas para atender ao mercado, mas nem sempre de forma correta. Há exemplo de empresas que servem do almoço até obras viárias para as administrações. A sociedade precisa ficar atenta e buscar saber quem são os proprietários ou sócios. A fiscalização social é importante antes, durante e depois das eleições”, concluiu Santiago.

O que diz o TCE-AM

A reportagem do Portal AM1 procurou os órgãos de controle, que têm a função de fiscalizar os gastos das prefeituras do interior do Amazonas para saber sobre a legalidade dessas contratações e sobre o que vem sendo feito.

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Segundo o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM), com base na Lei de Licitações, não há qualquer impedimento para que empresas realizem outros tipos de atividades econômicas.

Mas, é necessário “que a mesma comprove possuir aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em característica quantidades e prazos com o objeto do certame”.

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O foco da fiscalização, portanto, segundo o TCE, não é analisar a quantidade e quais atividades a empresa desenvolve, mas sim, “avaliar se a licitante comprove possuir aptidão para a execução do objeto da competição, ponto este que é fiscalizado pelas Comissões de Inspeção, na auditoria dos processos licitatórios realizados durante o exercício em foco”.

Em caso de irregularidades contratuais, “o gestor poderá ser multado pelo TCE e a empresa condenada a devolver parte do valor solidariamente”.

O que diz o MPAM

Também procurado pela reportagem, o Ministério Público do Amazonas (MPAM) afirmou que fiscaliza possíveis irregularidades “por intermédio de denúncias que possa receber ou de algum indício constatado pela promotoria, que pode tomar atitudes “de ofício”.

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“Tudo isso são itens que são apurados diante de uma suspeita de irregularidades em algum contrato feito pelo poder público com um ente privado, que estão descritos na lei de licitações”, concluiu a assessoria de imprensa do MPAM.