Manaus, 17 de maio de 2024
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Manaus, 17 de maio de 2024

Política

Esquerda e direita disputam votos de evangélicos para ampliar vantagem nas eleições

Cientista político afirma que a religião é livre, mas não pode ser confundida com um instrumento de Estado para governantes conquistarem poderes

Esquerda e direita disputam votos de evangélicos para ampliar vantagem nas eleições

Foto: Reprodução

Manaus, AM – Como um meio de tentar firmar uma zona eleitoral para ampliar a vantagem em disputa nas urnas, políticos têm se empenhado para conquistar eleitores cristãos, sendo os principais alvos na igreja evangélica. O “método” é característica da direita, com diversos políticos inseridos dentro de congregações, mas, a esquerda também tem feito uma manobra para fazer parte desse meio.

Na política, as igrejas estão se mostrando cada vez mais fortes, principalmente em épocas de campanhas eleitorais. Pastores, bispos e até fiéis comuns buscam maneiras de se elegerem, mas o que chama a atenção dentro das congregações são grandes figuras políticas que são defendidas por toda uma igreja, fazendo assim que o voto do “rebanho” seja concreto.

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Entre os principais exemplos da política dentro da igreja está o deputado federal do Amazonas, Silas Câmara (Republicanos), pastor evangélico da igreja Assembleia de Deus. Em Manaus, o político é o favorito entre os religiosos para se eleger na bancada amazonense e representá-los tanto no Amazonas, quanto em Brasília.

Foto: Reprodução

A imagem do deputado é marcada pelo tradicionalismo e religião, bem presentes nas pautas e ideologias da direita e extrema direita brasileira. Com isso, não seria diferente que Silas se aproximasse do presidente Jair Bolsonaro (PL), que possui ideais parecidos com os seus, além de já ter destacado a aliança entre ele e os fiéis.

Isso porque o presidente Bolsonaro frequenta a igreja evangélica em geral e com as ideias voltadas para manter o “padrão” da família tradicional brasileira vai ganhando cada vez mais apoio dos fiéis. Mesmo sendo batizado em igreja católica, isso não o impede de demonstrar a fé diante de outra religião, mas o fato de ser batizado no catolicismo também lhe dá um aval para que busque formas de atrair eleitores naquela casa.

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Em relação ao deputado Silas Câmara, o presidente Jair Bolsonaro e os demais apoiadores políticos recebem uma ajuda especial do parlamentar no Amazonas. Da última vez em que esteve em Manaus, Bolsonaro não veio cumprir a agenda presidencial na cidade, mas sim, esteve na capital amazonense para participar de um culto evangélico.

Até mesmo o slogan de campanha do presidente nas eleições de 2018 misturou política e religião: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Com essa frase carimbada por Bolsonaro, ficou ainda mais fácil conquistar o eleitorado cristão, que também não escondeu o desejo de eleger Bolsonaro para comandar o país.

Essa jogada também não foi deixada de lado nas eleições de 2020 em Manaus, quando o prefeito David Almeida (Avante) usou a religião diversas vezes para tentar blindar a candidatura de maus olhados. Sendo adventista, nas redes sociais o chefe municipal mostrava, e ainda mostra, a religiosidade ao lado da filha, e passou a ter apoio de igrejas com a conversa de que não era igual aos outros nomes da política amazonense.

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Foto: Reprodução

Recentemente, o presidente da Câmara de Manaus, David Reis (Avante), chamou o prefeito de Manaus de “predestinado”, que na teologia significa aquele que foi destinado por Deus à glória eterna. Apesar do prefeito não esconder a religião, o comentário abre uma brecha para que os fiéis acreditem que o trabalho realizado na gestão municipal fosse, de algum modo, “no tempo de Deus.”

Religião e Estado

A cena do enviado dos céus não ocorreu somente em Manaus, mas é presente no governo federal. Por conta da maioria dos ministros e servidores do governo serem evangélicos, tratar religião com as condutas do governo tornou-se normal, mesmo que o Estado seja laico.

O Brasil é oficialmente um estado laico, mas na prática isso não acontece. Um estado é considerado laico quando separa os interesses do Estado com a religião, sendo assim, não é permitido a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais e, muito menos, o privilégio de religiões sobre as demais.

No governo do presidente Bolsonaro, ficou evidenciado que não é possível fazer essa separação. Esse destaque ficou claro quando André Mendonça assumiu como ministro no Supremo Tribunal Federal, afirmando ser “predestinado por Deus”. O ministro “terrivelmente evangélico” foi indicado por Bolsonaro para o cargo, que também celebrou ressaltando a importância de Mendonça assumir a cadeira, não deixando de lado os valores religiosos.

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Foto: Alan Santos/PR

Depois de assumir o cargo, Bolsonaro comemorou que o ministro tenha ficado com pautas ideológicas, as quais são condenadas por ele e apoiadores pois “destroem” os valores da família tradicional brasileira. “As pautas que têm a ver com ideologia de gênero vão ser decididas, por sorteio, pelo Mendonça, pelo nosso ministro terrivelmente evangélico. Isso é muito bom, traz uma paz para nós todos cristãos e brasileiros que defendemos a família”, comentou o presidente em entrevista à rádio Viva FM, do Espírito Santo.

Mesmo com tanto apoio de líderes evangélicos, o presidente Bolsonaro pode ter um problema nas eleições deste ano. Isso porque a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional passa por desentendimentos, o que pode trazer impactos políticos para o presidente.

Esquerda tenta ganhar espaço

Enquanto a direita tenta tapar os buracos e segurar os eleitores cristãos que ainda não desistiram de apoiar as ideias dos políticos, candidatos da esquerda tentam se movimentar dentro desses grupos para mostrar que não são “monstros” e destacar que podem ser a voz dos fiéis.

Com os direitos políticos recuperados, o ex-presidente Lula (PT) tem caminhado por campos que antes eram dominados pela direita. O petista tem se encontrado com figuras importantes, além de buscar pastores para tentar conquistar votos e reverter a imagem dentro desse grupo.

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O Partido dos Trabalhadores criou o núcleo Evangélicos do PT, para que a sigla recupere o contato com os cristãos, sobretudo em periferias das cidades brasileiras. De acordo com o partido, essa estratégia é fundamental para que Lula se destaque nas eleições presidenciais.

PT vai criar podcast gospel para alcançar evangélicos de todo o Brasil
Foto: Reprodução / Instagram

Com foco em conquistar esse eleitorado, Lula tem percorrido o Brasil e se reunido com lideranças religiosas. No Rio de Janeiro, por exemplo, ele se encontrou com o bispo Manoel Ferreira, líder da Assembleia de Deus de Madureira e apoiador declarado do presidente Bolsonaro nas eleições de 2018.

Enquanto esteve preso, Lula recebeu visitas do pastor Ariovaldo Ramos, que também é apoia a ideia do PT se aproximar de bases religiosas, principalmente nas periferias. “Se quer voltar a falar com a periferia, é preciso que o PT saiba que ela não está mais vazia, está ocupada. E está ocupada pelos evangélicos, majoritariamente”, comentou o pastor em entrevista ao Metrópoles.

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Agora, o PT aposta em um podcast gospel para ganhar espaço no meio cristão. O anúncio foi feito nessa semana pelo pastor Paulo Marcelo, através das redes sociais. O evangélico apoiador de Lula já havia profetizado que o presidente Bolsonaro não será reeleito em 2022.

A programação do podcast contará com entrevistas e músicas gospel. “Queremos quebrar preconceitos e barreiras, para que os evangélicos comecem a olhar com outros olhos para a esquerda, e vice-versa”, disse o pastor em entrevista ao Estadão.

Não pode haver favorecimento

Conforme explicou o cientista político Carlos Santiago, a Constituição Brasileira diz de forma clara que o Estado não tem religião e não pode favorecer qualquer denominação religiosa. “O homem público, ou a mulher, eleitos para representar a sociedade devem trabalhar para todos, independentemente, de credo ou não”, comentou.

Ainda conforme o cientista político, a política pode ser um espaço de debate entre religiosos e não religiosos, mas que o Estado e as autoridades públicas não podem privilegiar religião ou um grupo religioso. No entanto, Santiago destacou que, apesar do diálogo, a religião pode ser um instrumento de poder, de opressão e de pressão ao Estado e a administração pública.

“A manifestação religiosa é livre, mas não pode se confundir com um instrumento de Estado, como uma forma dos governantes conquistarem poderes dentro do Estado, por isso que há séculos existe essa separação entre religião e estado, entre igreja e partido político, não se combinam, quando se unem, não faz bem à coletividade”, disse.

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Isso porque “alguns religiosos e políticos estão muito mais interessados na obediência às suas denominações religiosas do que nas ideologias partidárias”. Segundo o cientista político, os políticos devem fortalecer as ideologias partidárias, para que a sociedade possa ter uma democracia mais plural, em que a sociedade seja, de fato, representada.

“Então, quem usar a religião como instrumento de dominação, de conquista de poder político, sendo de esquerda ou de direita, não está contribuindo em nada para o fortalecimento da democracia, para o Estado laico e, principalmente, para o bem estar de todos”, ressaltou.

Ainda conforme o cientista político, é importante que os políticos saibam realizar essa separação, até porque, “uma vez eleitos, os representantes e governantes devem governar para todos, independentemente de crença ou não da sociedade”.