Manaus, 20 de maio de 2024
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Manaus, 20 de maio de 2024

Cenário

Exclusivo: 1ª vacinada no AM, indígena Vanda Ortega quer vaga na Câmara Federal

Se eleita Vanda Ortega Witoto será a primeira mulher indígena a ocupar o cargo de deputada federal no Amazonas

Exclusivo: 1ª vacinada no AM, indígena Vanda Ortega quer vaga na Câmara Federal

Foto: Reprodução/Instagram

MANAUS, AM – O Partido Rede Sustentabilidade anunciou, na última semana, a filiação da indígena Vanda Ortega, originária do povo Witoto, conhecida por ser militante das causas indígenas e ser a primeira pessoa vacinada contra a covid-19 no Amazonas. 

A informação foi divulgada nas redes sociais com o anúncio de que Ortega é pré-candidata e disputará o cargo de deputada federal no pleito deste ano.

Foto: Reprodução/Instagram

Em entrevista exclusiva ao AM1, Vanda conta como é ser pré-candidata e fala sobre as causas que, caso seja eleita, defenderá.

AM1- Quando foi que você tomou a decisão de disputar o pleito de 2022?

V.O– A decisão vem depois de muitos diálogos junto às lideranças do meu povo no Alto Solimões desde 2019, e diante da falta de representação de termos parlamentares que realmente atuem na defesa dos povos indígenas, dos nossos territórios na defesa de políticas públicas para os povos da Amazônia; a decisão foi se confirmando, como algo muito orgânico diante das necessidades que avalio e que vivencio.

AM1- Os povos indígenas têm mais dificuldades de encontrar um partido que os apoie?

V.O– Nós, os indígenas, temos, sim, dificuldades em encontrar um partido que, de fato, possa priorizar a nossa candidatura. Eu tive muita dificuldade de diálogo com alguns partidos, eles querem a presença indígena; porém, não é prioridade ter uma candidatura, geralmente eles querem nosso apoio para eleger homens que já são da política, homens que já estão há muito tempo atuando no cenário político.

AM1- Mulheres indígenas na política ainda é um tabu?

V.O- Mulheres indígenas na política eu não acredito que seja um tabu, mas ainda não temos essa representação amplificada, nós estamos rompendo algumas barreiras enquanto mulheres indígenas, a partir do momento que temos formação política, que acessamos a educação, a gente vai compreendendo a importância de nós, mulheres indígenas, estarmos nesse espaço, de construção de políticas públicas, na construção de diálogos, nas tomadas de decisões que afetam diretamente o nosso dia a dia e nossos territórios. Então, a partir dessa compreensão, nós estamos aos poucos acessando esses espaços e nós não queremos que seja um tabu, mas que seja uma realidade, por mais mulheres na política, por mais mulheres negras e indígenas na política.

AM1- Seu povo está apoiando sua candidatura?

V.O- O meu povo está em uma grande mobilização, estamos mobilizando outros povos, Alto Solimões, Alto Rio Negro, Rio Madeira, Baixo Amazonas, para que venham juntos nessa luta, para que somem nesse grande desafio. Se meu povo não estivesse me apoiando, eu não estaria nesse cenário, porque, primeiro, o meu nome foi indicado em 2019 para esse pleito, para pensarmos nesse pleito e ele foi se concretizando de uma forma muito especial e hoje é real estarmos nesse cenário político.

AM1- Como se deu a escolha do Partido Rede?

V.O- Diante desse desafio, o Rede se tornou um partido que acolheu essa candidatura com muita seriedade, com muito respeito, até porque a rede foi o partido que elegeu a primeira mulher indígena da história desse país, a primeira deputada federal que nos representa. Então, diante de muitos diálogos que nós tivemos com as parentas que fazem parte do Rede, fomos muito bem acolhidos, e nossa candidatura foi priorizada, ela é uma prioridade nacional e isso é muito importante para nós.  

AM1 – No Legislativo, existe cota para negros, existe para indígenas também? O que você pensa sobre o assunto?

V.O- Na verdade, não existe cota para indígena no Legislativo, houve uma proposta de um deputado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para tentar ampliar a participação indígena, mas era só um projeto de lei; não tem cota. Para indígenas, eu acredito que não deveria ter cota para que nós pudéssemos estar nesses espaços, esse deveria ser um espaço onde tivesse, sim, mais mulheres, mais mulheres indígenas, mulheres negras, mais mulheres quilombolas, LGBTs, essas pessoas deveriam ter esses assentos nesses lugares, essas pessoas deveriam ser eleitas, mas a gente não vê acontecendo isso no nosso país, ainda.

AM1- Qual causa você quer levar para pautas na Câmara?

V.O- A nossa grande demanda, hoje, enquanto movimento indígena: lutar pela educação, pela saúde; pela preservação dos nossos territórios; da garantia e continuidade desta Amazônia em pé, essa luta não é somente para os povos indígenas, essa luta, essa pauta, esta causa é para garantia da vida das pessoas, é para garantir as condições de existência das pessoas; é o mínimo que nós pudemos lutar. É garantindo o modo de vida desses povos que vai ser garantido o futuro de uma nação, a proteção dos territórios indígenas é a continuidade da existência da nossa Amazônia, do Brasil, e do planeta, então, essa é uma causa que deve ser defendida por todos, não só pelas nossas vozes.

AM1- Você acredita que indígenas não possuem tanta visibilidade?

V.O- Nós ainda temos um grande desafio, sim, de nossas lutas, nossas vozes serem ouvidas e visibilizadas, mas também quero dizer que nós estamos construindo essas vozes, e nós estamos construindo nossa visibilidade a partir das nossas lutas; ainda é um grande desafio, tudo. Mas estamos conseguindo romper essa invisibilidade, nós precisamos de oportunidade para que os nossos saberes e conhecimentos possam chegar a lugares ainda não acessados: na política, nas universidades e outros espaços.

Conheça Vanda Ortega Witoto

Vanda Ortega Witoto é técnica de enfermagem, indígena de 33 anos e foi a primeira pessoa a receber a dose inicial da vacina contra a covid-19 no Amazonas. Ela é moradora do Parque das Tribos, bairro onde vivem indígenas de diversos povos em Manaus.

Witoto também é servidora da Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta (FUAM), aluna de graduação de Pedagogia da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e faz parte da Coordenação dos Estudantes Indígenas do Estado do Amazonas-MEIAM.

Agora, está como pré-candidata pelo Partido Rede Sustentabilidade para lutar na Câmara pelos seus povos.

“Sou de afeto, e estou à disposição da sociedade, pois a política está para o povo. E é por isso que peço e digo ao povo Amazonense que avance, pois avançaremos!”, afirmou.

Foto: Reprodução/Instagram

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O que diz o Partido Rede

O AM1 conversou com Tacius Fernandes, porta-voz estadual e presidente do partido Rede no Amazonas.

AM1- O partido terá pela primeira vez uma mulher indígena concorrendo à eleição?

T.F- A Rede Sustentabilidade já fez um marco na história do Brasil. Já elegemos a Joenia Wapichana, a primeira mulher indígena à deputada federal por Roraima. Queremos aumentar a bancada com a representação dos povos originários na Câmara Federal.

AM1- O partido Rede é o único partido que abraça causas indígenas e abre espaço?

T.F- Não sei se é o único partido, mas defender a causa indígena é uma condição “sine qua non” para Rede. O partido Rede se coloca como instrumento para que lideranças da sociedade civil tenham esse espaço de disputar a política institucional.

AM1- Qual a expectativa do partido para as eleições deste ano?

T.F- Estamos trabalhando muito para que ultrapassemos a cláusula de barreira. Precisamos eleger deputados/as federais. Queremos reeleger a Deputada Joenia Wapichana e eleger mais 11 deputados (as) no Brasil. Queremos montar uma bancada de qualidade que defenda o meio ambiente, que lute pela demarcação das terras indígenas, que faça frente ao garimpo em terra indígena, que tenha a Democracia como valor.

AM1- Filiar uma mulher indígena ao Partido é um marco?

T.F- Já temos grandes nomes de indígenas filiados ao partido Rede. No Amazonas, temos as lideranças Gersem Baniwa, Marivelton Baré, Milena Kokama, Ariane Susui e agora, a nossa mais nova filiada: Vanda Witoto. No Pará, temos lideranças do povo Kaiapó, no Amapá, temos lideranças do povo Wajãpi; em Roraima, temos lideranças do povo Wapichana; em Mato Grosso do Sul, temos lideranças dos Terenas, que inclusive, saíram como candidatos na última eleição. Temos no Brasil todo [..] estamos trabalhando muito para aumentar cada vez mais.

AM1- Dentro do Legislativo, há cotas para indígenas?

T.F- Infelizmente ainda não existe. Temos um Congresso com maioria de homens brancos.

AM1- Quais os princípios e valores que o Partido Rede prega?

T.F- A Rede Sustentabilidade nasce no contexto de um mundo plural, em transformação, e pretende se manter conectada com a efervescência dessa pluralidade expressa nos movimentos políticos e culturais do Brasil e do exterior. A Rede se propõe a ser um partido político diferente, transformado e transformador – um partido não-partido. Está ciente de que sua força organizativa e sua contribuição política serão mais inspiradoras e sustentáveis na medida em que forem o reflexo de uma cultura verdadeira e de práticas autênticas dos que se dispõem a liderar pelo exemplo.

A riqueza da diversidade; democratizar a democracia; sustentabilidade por inteiro; cultura de paz e o consenso coletivo são valores que estão no nosso manifesto de fundação o qual buscamos praticar todos os dias na vida partidária.

AM1- Qual apoio o partido dará à nova filiada?

T.F-  A candidatura de Vanda Witoto é uma prioridade nacional. Terá todo apoio político e financeiro para que alcancemos a vitória em eleger a primeira mulher indígena à deputada federal do Amazonas. Vamos fazer história.

AM1- Existe uma expectativa que mais mulheres se unam ao partido?

T.F- Estamos buscando mais lideranças com prioridade para as mulheres. Também lançaremos a candidatura à deputada estadual da liderança indígena Milena Kokama – psicanalista, presidente da Organização de Mulheres Indígenas do Alto Solimões e conselheira de Educação e Saúde indígena do Amazonas.

Tacius Fernandes afirma que o partido está em grande expectativa e que estão prontos para eleger a primeira deputada federal indígena da história do Amazonas: “vamos eleger a primeira deputada estadual indígena do Amazonas!” concluiu.

Jurídico

Para entendermos melhor como funciona a cota no Legislativo, conversamos com a advogada Elcilene Rocha, que também é vice-presidente da Comissão de Combate à Corrupção e Reforma Política da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Amazonas (OAB/AM).

A advogada explica que, por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 97/2017, que proibiu, a partir de 2020, a celebração de coligações nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, o que estabeleceu normas sobre o acesso aos partidos aos recursos e ao tempo de propaganda, além de dispor sobre regras de transição, assegura a emenda.

“A mudança se dará no ato do pedido de registro de candidaturas à Justiça Eleitoral, especialmente porque, com o fim das coligações, cada partido deverá, individualmente, indicar o mínimo de 30% de cada gênero (homem ou mulher) para concorrer no pleito”, disse.

“A partir de 2020, deve ser cumprido o percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo (Art. 10, parágrafo 3º da Lei nº 9.504/1997 – Lei das Eleições. Vale ressaltar que, antes, a indicação de mulheres para participar das eleições era por coligação, e agora, será por partido”, explicou.

“Essa mudança impacta no fomento à participação feminina na política, ou seja, o partido não vai poder usar outros partidos para que, enquanto coligação, atinjam os 30%. Sendo assim, mais difícil de burlar a lei”, informou.

A vice-presidente de combate à corrupção reafirma que, “além deste ponto, tem o Fundo Partidário e Eleitoral que estima a participação feminina por meio da chamada cota de gênero (Art. 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições), neste dispositivo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras legislativas” concluiu.

O que diz o especialista

O sociólogo e analista político Carlos Santiago respalda que a candidatura da indígena Vanda Ortega é importante para esse debate, principalmente porque o Amazonas tem a maior população indígena do país.

“Os desafios são enormes e os povos indígenas já possuem uma maturidade para buscar, dentro da política, um espaço institucional da política, as suas reivindicações, os seus clamores”, afirmou Santiago.

“Uma candidatura indígena também contribui muito para a democracia representativa do país. Ainda mais em momento que os povos indígenas sofrem revés enorme por conta de interesses empresariais, ideológicos e de grupos que estão dentro do governo, tanto federal e de governos da Amazônia”, explicou o analista.

Carlos Santigo também abre para críticas, afirmando que está faltando representatividade no Congresso, nas assembleias e câmaras e sobre as cotas de gênero, e que a insuficiência de espaço é grande.

“O que torna, hoje, a democracia representatividade do país imperfeita; é preciso avançar. Temos que dar voz e poder também aos indígenas, que são importantes para o desenvolvimento social, econômico e cultural do Brasil”, finalizou.

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