Manaus, 28 de abril de 2024
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Manaus, 28 de abril de 2024

Cenário

Falta de planejamento faz prefeituras do AM desperdiçarem recursos públicos

Erro não está somente nos gestores do Executivo municipal, mas também nos legisladores das câmaras dos municípios em propor e fiscalizar.

Falta de planejamento faz prefeituras do AM desperdiçarem recursos públicos

(Foto: Reprodução/Redes Sociais/Prefeitos)

Manaus (AM) – O cenário se repete, por duas vezes, anualmente e a falta de planejamento e prioridade na elaboração de políticas públicas faz com que a maioria dos moradores dos municípios do interior do Amazonas sofra as consequências de administrações que não se preparam para enfrentar os fenômenos da enchente e vazante – que são comuns nas cidades do interior do estado.

A cheia ou enchente dos rios acontece no início do ano – podendo se estender até julho – em alguns períodos. O fenômeno, neste ano, não atingiu de forma severa o estado.

Já a vazante ou seca é registrada em meados de setembro e outubro e a deste ano é considerada uma seca histórica. Segundo o Boletim da Estiagem, divulgado diariamente pela Defesa Civil do estado, a vazante atinge atualmente todas as 62 cidades do Amazonas.

Diante dos acontecimentos, a forma como os chefes dos Executivos dos municípios amazonenses conduzem os problemas tem chamado atenção.

O Portal AM1 fez um levantamento nos Diários Oficiais das prefeituras, publicados no site da Associação Amazonense dos Municípios (AAM), e constatou diversas publicações de extratos, portarias que tratam sobre gastos com construção de obras referentes à estiagem e algumas, da época da cheia.

A mais recente é do município de Tefé, comandado por Nicson Marreira (PTB), que homologou no dia 26 de outubro o resultado de um certame, em que a empresa “Antonelly Construções e Serviços Eireli” foi contratada para construir um muro de contenção de erosão fluvial pelo valor de R$ 16.330.303,08, ou seja, a obra vai custar aos cofres públicos mais de R$ 16 milhões.

Outro contrato foi firmado entre a prefeitura de Humaitá e a empresa “J. Dos S. Garcia Macedo Eireli” no valor de R$ 1.815.961,92 para execução de serviços de contenção e assoreamento da margem fluvial, deslizamento e colapso de uma das ruas da cidade pelo período de fevereiro a agosto de 2023, período que os municípios ainda passavam pela cheia.

Na mesma cidade que tem Dedei Lobo (PSC) como prefeito, outro contrato foi firmado em outubro no valor de R$ 1.721.294,64 para a realização de outra obra de contenção.

Já no município de Caapiranga, também no mês de outubro, o prefeito Tico Braz (PSC) contratou a ‘Unidoscomercio e Transporte de Derivados de Petroleo Ltda’ por R$ 720.800,00 para atender a secretaria de assistência social e demais órgãos envolvidos na ação voltada às famílias carentes afetadas pela estiagem.

Em Iranduba, comandada por Augusto Ferraz (União Brasil), a “P M Comércio de Materiais Regionais Ltda” ficou responsável, em junho deste ano, pelo fornecimento de madeira para o “Plano de Ação de Enchente de 2023” pelo montante de R$ 627.080,00.

O prefeito de Silves, Paulino Grana (PSDB), no mesmo período, contratou por três meses a empresa “Construir Comércio de Material de Construção e Serviços de Transporte Ltda”, no valor de R$ 300 mil,  para construir um muro de contenção na Comunidade da Eva, localizada no rio Urubu, zona rural da cidade.

Em Careiro da Várzea, Pedro Guedes (PSD) contratou, em outubro, por meio de dispensa de licitação, uma empresa para adquirir telhas de alumínio para atender necessidades no período da seca. O valor foi de R$ 96 mil.

No mês de maio, na época da enchente, o prefeito de Boa Vista do Ramos Eraldo CB (PSC) fechou parceria de R$ 16.200,00 com a empresa ‘Denilson de Lima Correa’ para serviços técnicos profissionais e especializados de engenheiros civis para fiscalização exclusiva da obra de um muro de contenção de erosão fluvial no município.

Em Benjamim Constant, o prefeito David Nunes Bemerguy (MDB) contratou a ‘Jetah Construção Ltda’ para construir pontes de madeira nas ruas e avenidas afetadas pela enchente.

Bemerguy também contratou em julho uma empresa para realizar obra de contenção de erosão fluvial e recuperação da orla do município.

Restrição Orçamentária

Para o cientista político e professor, Breno Rodrigo Leite, os gestores do interior agem dessa forma por uma questão de restrição orçamentária, já que em relação à distribuição do “bolo federativo”, ou seja, dos recursos federais, eles recebem a menor parte.

“Muitas vezes, nessas cidades, não têm arrecadação e a prefeitura se reduz à mera função de distribuição salarial; pagamento de funcionalismo público; de folha; então a capacidade de investimentos, muitas vezes, é uma escolha conflituosa. Imagina, por exemplo, mexer em parte de infraestrutura que muita das vezes, você não sabe se aquilo vai acontecer ou não? Esses prefeitos ficam reféns de emendas parlamentares, da Câmara dos Deputados, da Assembleia Legislativa”, explicou o professor.

Breno pontuou que, geralmente, quando esses prefeitos tentam fazer uma política pública que desvie do assunto comum, eles podem até sofrer sanções do Poder Judiciário ou do Ministério Público.

“A vida do prefeito é meio complicada em termos de direcionamento orçamentário, então eles fazem o ‘feijão com o arroz’, fazem escolas, distribuição de alimentos, infraestrutura básica, como saneamento. O planejamento, com certeza, seria o melhor, mas só que, muitas vezes, o problema não é necessariamente municipal, mas muitas vezes, ele é intermunicipal. Então, nesse sentido, a melhor solução, talvez, fosse a intervenção do governo federal ou estadual”, enfatizou.

Pressão eleitoral

O especialista disse, ainda, que o gestor do interior age e desenvolve uma política num sistema partidário, no qual depende da questão de liberação de emendas parlamentares.

Ele disse que, às vezes, quando esse prefeito toma uma decisão no sentido de fazer um planejamento de uma política que não se vê ou não tenha um resultado imediato, por exemplo, ele é criticado pelo eleitorado.

“Então os políticos optam, até por uma pressão eleitoral, por uma política de visibilidade, que são as construções de praças públicas, escolas, feiras, asfaltamento de ruas, do que necessariamente essas políticas de contenção ou mesmo políticas de longo prazo que não vão ter um retorno eleitoral imediato. Então, ainda tem esse detalhe no cálculo eleitoral dos prefeitos e dos gestores públicos”, afirmou.

Quanto pior, melhor

Ademir Ramos, cientista político, antropólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), afirmou à reportagem que não se pode colocar no mesmo “balaio” (no mesmo cesto) todos os prefeitos, diante dessas situações.

“Sabemos que existem muitos que se aproveitam da miséria do povo, dos acidentes ou de situações concretas da enchente e da vazante para tirar proveitos eleitorais. Um muro desse valor, pro exemplo, que será construído em Tefé, a primeira pergunta que fazemos é: por que não foi feito antes? Será que existiam condições de fazer isso antes? Tudo isso é importante em termos de políticas públicas”, destacou.

O cientista político criticou também a falta de planejamento e atuação das câmaras municipais, que, segundo ele, são corresponsáveis nesse processo, uma vez que as prefeituras poderiam seguir um planejamento elaborado pelos parlamentos municipais.

“Não são apenas os prefeitos os responsáveis; infelizmente, não existe um planejamento orgânico estruturante nos municípios e, como não existe, então sustenta-se de toda forma uma política do ‘quanto pior, melhor’, principalmente na época eleitoral. Essa prática possibilita algumas exceções que acabam ficando sob suspeitas, já que um prefeito pode usar desse ardil e não cumprir com o seu dever constitucional, como prestar contas em tempo hábil e, nisso, ele pode, por exemplo, supervalorizar produtos e serviços e ao mesmo tempo fazer o povo refém para um futuro processo eleitoreiro’, concluiu Ademir.

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