Manaus, 2 de maio de 2024
×
Manaus, 2 de maio de 2024

Cenário

Famílias da Cachoeira Grande temem a cheia e reclamam da prefeitura: ‘até agora, não vieram’

Prefeitura chegou a construir pontes de madeira em alguns locais, mas moradores do Beco Bragança, no São Jorge, ainda aguardam pelo Auxílio Aluguel, cujo valor não é suficiente

Famílias da Cachoeira Grande temem a cheia e reclamam da prefeitura: ‘até agora, não vieram’

Foto: Portal AM1

Com o Rio Negro já atingindo o nível de 28,45 metros, a cheia de 2022 já começa a causar preocupação às famílias que moram nas regiões que sofrem alagações no período entre março e julho. Embora a aflição no ano passado tenha sido muito maior, visto que 2021 registrou o recorde no nível de subida da água – 30 metros –, as famílias continuam precisando de ajuda na nova cheia.

A reportagem do Portal AM1 esteve, nesta semana, no Beco Bragança na Comunidade Cachoeira Grande, no bairro São Jorge, zona Oeste de Manaus. As casas do beco ficam localizadas na beira do igarapé e os sinais da cheia já são visíveis para John Ferreira Caranha, de 30 anos. Segundo ele, apesar de a subida da água estar menos lenta que em 2021, a preocupação é a mesma e, por isso, ele sente a necessidade da ajuda do poder público.

Leia mais: Cheia: cota do Rio Negro sobe para 27,97 metros e se iguala ao mesmo período de 2021

“Não vai encher mais do que isso não. Vai ser menor. No ano passado já estava mais cheio”, opinou o morador. Ainda é possível ver a marca até onde a água chegou nas casas. O rio atingiu o interior das residências de madeira e causou diversos prejuízos aos moradores. De lá para cá, nada foi feito para diminuir os efeitos da cheia, que todo ano prejudica famílias humildes em Manaus.

Dias atrás, a Prefeitura de Manaus, por meio da Defesa Civil do Município, iniciou a construção de pontes de madeira em 19 bairros que devem ser afetados. De acordo com informações da pasta, pelo menos, 4,5 mil famílias serão atingidas pela enchente e cerca de R$ 6 milhões já estão sendo gastos para aquisição de material e logística. Não há detalhes sobre estes equipamentos.

O local escolhido pela prefeitura para iniciar os trabalhos de construção das pontes foi justamente o Beco Bragança, no qual a reportagem visitou e conversou com as famílias. No local, os moradores apontam que embora seja positivo que a prefeitura esteja se adiantando, ainda é necessária mais ajuda, como o cadastro para o Auxílio Aluguel e até um aumento no valor do benefício, que atualmente é de R$ 300.

“Até agora, só a ponte. Disseram que iam fazer o cadastro do Auxílio Enchente, o auxílio aluguel, mas até agora não vieram, no valor de R$ 300, parece”, disse John. “Já poderia ser né, porque quando chove, só falta alagar aqui por cima. Aí precisamos desse valor para nós pagarmos um aluguel. Eu quase saí daqui já, só que eu estou trabalhando, mas ainda não recebi né. Se eu tivesse recebido, já tinha pagado um aluguel e já tinha saído daqui. Porque no ano passado foi rápido, deixamos até umas coisas aqui, queimou a televisão”, relembrou.

Leia mais: Rio Negro sobe e Manaus está sem plano de ação para cheia em 2022

O agente de portaria lembra que, no ano passado, ele e a família tiveram muitos prejuízos e que uma das poucas ajudas da prefeitura foi um colchão de casal que, segundo ele, ‘não resolveu’.

“Foi muito grande [o prejuízo], foi um desespero, porque a minha mãe morava aí também, e nós perdemos um bocado de coisas: panelas, televisão que queimou, molhou aqui, dvd, geladeira. O fogão não, porque nós tiramos rápido. Recebemos auxílio, saímos daqui, mas mesmo assim tivemos prejuízo. O que deram mesmo foi um colchão de casal só e um kit de limpeza. Para mim não resolveu não, ele afunda e vai é prejudicar a coluna. Melhor minha caminha mesmo. Esse [sic] ano não falaram de auxílio, nem colchão”, disse ao Portal AM1.

A dona Alexandra de Oliveira, de 39 anos, torce para que neste ano a cheia não seja como a do ano passado. “Eu estou torcendo para que não seja que nem no ano passado né, porque se não, não sei nem para onde que eu vou. Porque no ano passado fiquei morando de favor em uma casa de uma amiga minha, porque alagou minha casa. Então eu creio que esse ano vai encher sim, mas não tanto quanto ano passado. Eu estou nessa torcida, nessa fé”, disse.

Leia mais: Com Manaus cheia de problemas, David Reis quer construir anexo de R$ 40 mi na CMM

Morando no local há quase 40 anos, ela conta que na cheia passada teve que dar um jeito de suspender seus móveis e eletrodomésticos para não os perder. “Eu tive que sair daqui, as minhas coisas ficaram penduradas. Eu tive que improvisar tipo uma mesa bem grande para pendurar a geladeira e as demais coisas”, disse.

Ela também teve que morar de favor, na casa da vizinha, junto com seus marido e mais dois filhos. “Eu morei ali naquela casa, uma amiga minha morava ali. Como tem dois quartos, eu fiquei em um dos quartos, na casa da vizinha, que ela me chamou para morar lá, ela morava sozinha, mas não mora mais aí não. Aí eu fiquei de favor a enchente todinha. Eu, meus dois filhos, meu marido. Não cheguei a perder nada, graças a Deus”, contou.

Alexandra também está à espera do cadastro para o auxílio-aluguel, mas considera o valor insuficiente para a realidade manauara. Segundo ela, o valor médio de uma casa para alugar no bairro São Jorge é entre R$ 500 a R$ 700 e o auxílio da prefeitura é apenas R$ 300, o que não ajuda de forma integral quem necessita.

Leia mais: Nível do Rio Negro atinge 29,97 metros e se iguala a cheia recorde de 2012

“A gente está na espera desse cadastro, que todo ano tem o auxílio. Ele ajuda, mas não tanto, porque um aluguel aqui no bairro custa de R$ 500 a R$ 700 e o valor do auxílio é de R$ 300, não ajuda. Se fosse um valor de R$ 500, a gente juntava com mais R$ 200 e alugava um lugar melhor, porque aqui no bairro é muito caro o aluguel”, afirmou.

A moradora diz ter ficado mais tranquila com as pontes construídas, mas considerou que elas poderiam ser melhores. Ela disse, ainda, que pediu uma tábua para reforçar a divisória que dá acesso a sua residência, mas que lhe foi negado pelos trabalhadores.

“Todo ano é a mesma. Poderia ser mais larga né, no caso, quatro tábuas. Esse ano, as divisórias [que dão acesso às casas], o meu esposo pediu mais uma e eles disseram: ‘não, nós não podemos dar três’ e eu disse ‘poxa, por que não?’. Elas ficam muito estreitinhas né, aí essa terceira tábua já foi improvisada daqui de casa”, disse.

Leia mais: Wilson Lima anuncia ajuda para socorrer agricultores afetados pela cheia no AM

Como uma moradora antiga na área, ela conta que já viu e ouviu inúmeras promessas para quem mora em áreas vulneráveis, mas que nunca foram cumpridas. Ela faz um apelo para que a Prefeitura de Manaus se lembre da comunidade Cachoeira Grande, que se sente esquecida e abandonada.

“O apelo que eu sempre digo é que olhassem mais por nós né, daqui da [comunidade] Cachoeira Grande, porque só são promessas de nos tirar daqui. Sempre vejo entrega de apartamentos e a promessa que temos é que essas casas serão entregues para nós, mas nunca chegou aqui, só promessas. Já tiveram várias reuniões com a comunidade, já teve amostra de projetos, aqueles projetos na planta mostrando como vai ser, ruas, avenidas, praças. Eu moro aqui há 39 anos, vai fazer 40 anos, e a promessa nunca chegou. Sempre eu vejo outros bairros, Glória já foram tiradas as casas, entrega de Prosamins né, mas a gente fica esquecido aqui”, disse.

Culpa do poder público

A reportagem do Portal AM1 conversou com uma assistente social, que preferiu não se identificar. De acordo com a especialista em bem-estar social, se existem pessoas morando em lugares irregulares, a culpa é do poder público, que não fiscaliza e não cria programa para erradicar o problema.

“Todo ano acontece [a cheia], então o poder público tem que tomar iniciativas de contenção. Se há ocupação irregular por essas famílias que estão onde não deveriam estar, onde apresenta uma situação de risco, a culpa é do próprio poder público, que não tem nenhuma secretaria de fiscalização, se tem, não está fiscalizando, não está contendo […] Todo ano dá a madeira da maromba, todo ano alaga, e continua. Não seria muito mais fácil criar um programa que realmente retirasse essas famílias e não as deixassem voltar? Mas, o que que acontece? Retiram, não fiscalizam e voltam. Novas famílias que não têm condições de morar num local digno, num local seguro, que não têm condições de arcar com despesa de aluguel porque estão em situação de privação econômica”, disse a profissional.

Para ela, os moradores deveriam ser retirados da beira do igarapé e transferidos para uma moradia digna, além de o local ser transformado em uma área preservada.  

“O poder público é que tem que criar secretarias, órgãos que realmente contenham, fiscalizem e evitem esses transtornos, porque isso aí é um gasto que poderia não ter. Se retirasse, fizesse ali uma área bonita, gramada”, continuou.

Leia mais: Depois de sair das redes por causa do escândalo dos apartamentos, filha de David reaparece no Face do pai

Escândalo dos apartamentos completará 6 meses; processo segue em segredo de Justiça
Foto: Ruan Souza / Semcom
Foto: reprodução Facebook

Leia mais: Tias e prima da filha de David ‘ganham’ emprego e apartamento da prefeitura

Em 2021, o governo federal e a Prefeitura de Manaus inauguraram o conjunto habitacional Cidadão Manauara II, voltado para famílias de baixa renda e que moravam em locais de risco. Porém, dias depois, foi denunciado que alguns dos 500 contemplados eram parentes da filha do prefeito de Manaus, David Almeida, Fernanda Aryel. O caso virou um escândalo nacional e segue sendo investigado pelo Ministério Público Federal, ainda sem conclusão.

Resposta

A reportagem entrou em contato com a Defesa Civil do Município para saber quais outras medidas de prevenção estão sendo tomadas pelo poder municipal, além da construção das pontes; também foi questionado quando o cadastro para o Auxílio Aluguel será realizado e se a pasta estuda aumentar o valor; entre outros. Porém, não houve retorno até a publicação da matéria.